Zé Pedro, Homem do Leme
(É um postal escrito para o És a Nossa Fé, blog sportinguista, percebendo que alguns o podem entender desajustado).
Ontem ao meio da tarde vou ao café de sempre, aqui no bairro. Dois amigos, daqueles daquele antes, logo me chamam à mesa. O Paulo Morisson, que no início dos 80s andou anos com os Xutos por todo o país, diz-me que têm uma má notícia, e logo ma dá, isto de que "o Zé Pedro morreu". Surpreendo-me, que no último ano tenho estado encerrado em mim, lá num algures longe, e estive agora um mês e meio em Moçambique, voltei a semana passada, não soube sequer do espectáculo do Coliseu (ao qual teria ido, de certeza). Abato, ali na mesa do café. Não só como quando morrem os meus parcos ícones, o Lou Reed e talvez mais nenhum, a deixarem-me (ainda mais) sozinho. Mas porque agora tem sido uma revoada de mortos próximos, gente querida, conhecida, amigos, e há tão pouco ainda o João, meu irmão de pai e mãe diferentes, que não há maneira de parar de o chorar, (es)corram ou não os uísques. E também porque o Zé Pedro se ícone era próximo, aqui dos Olivais (ainda que do Norte), do Bairro Alto dos 1980s. Assim ele não divino mas herói, semi-divino, pois meio-homem, encontrável. E, mais do que tudo, terráqueo porque Zé Pedro é Xutos, aquele intangível afinal tangível que ecoou o "esse frio surdo / ... que te envolve ...", que ouviu "berras às bestas / que te envolvem" e soube que "todas as tuas explosões / redundam em silêncio" avisando que "a vida é sempre a perder", porque "nunca dei um passo que fosse o correcto / nunca fiz nada que batesse certo". Estou agora, já velho, a cumprir um texto, um meneio serôdio, nele meti um capítulo - que me dizem para cortar, que desajustado, mas não posso, que perderei todo o sentido - de propósito para me narrar/justificar numa almadia atascada no Zambeze, entre crocodilos, a trautear "e mais que uma onda, mais que uma maré / tentaram prendê-lo impor-lhe uma fé / mas, vogando à vontade, rompendo a saudade / vai quem já nada teme, vai o homem do leme", o mais que se foda! que já me assomou na vida, e muitos, tantos, já foram. Por tudo isso, abato, frágil, velho, ali na mesa do café, este mesmo de onde o Driol partiu há semanas, e exactamente do mesmo, e a isto já o disse. O Paulo, e é natural que o faça, comovido que está, arranca com umas memórias do início do on the road dos Xutos. O Chico recebe notas no telemóvel, a notícia já é pública. Eu ouço um pouco e depois saio, até casa. A lembrar que puto de liceu vi Xutos com os Minas e Armadilhas. E também, um pouco, pois já nem sei bem com que amiga estava, o 1º de Agosto no Rock Rendez-Vous, mas também é certo que me lembro muito pouco de tudo o que passei no RRV, por razões que são mais que óbvias, mas ainda tenho, um pouco ainda, a memória do sentir "É amanhã dia um de Agosto / E tudo em mim, é um fogo posto / Sacola às costas, cantante na mão / Enterro os pés no calor do chão / E há tanto sol pelo caminho / Que sendo um, não me sinto sózinho". E tantos outros concertos, em Lisboa ou pelo país, até mesmo quando amigos me quiseram, mesmo sendo o puto que eu era, "road manager" - sem imaginarmos então que eu viria mesmo a ser, anos depois, um road manager em versão "mordomo" -, a apanhá-los num qualquer entroncamento ribatejano. E mais tarde, bem mais tarde, em Maputo, eu num abismo laboral, devido aos dementes lisboetas, mas feliz, feliz, pois no meio do desarranjo haviam enviado os Xutos - e no fim do espectáculo na Feira Popular, eu e o peculiar e vistoso Hernâni na primeira fila em X, como então se fazia, entro no camarim e o Kalu "estes gajos não gostam de rock?!", que o silêncio e a apatia haviam sido gerais, e eu a mentir, a dizer que ali era assim, mas claro que tudo era incompreensível para aquele público e o ZP no sorriso "vi-te na primeira fila", e eu claro que sim, pois seríamos apenas meia dúzia entre milhares a verdadeiramente ser "Xutos", naquele rock n'roll. Conheceramo-nos, mesmo, antes, ali numa massada de peixe no Mercado do Peixe, a Isabel Ramos ofertara o peixe, eu as bebidas, o Vitorino cozinhara, a delegação musical, enorme, e os convidados comeram. E acabáramos numa festa em casa da Nice, a Princesa de Pemba, porventura a mulher mais bela que eu conheci, que o Andrea andava pelas Etiópias, feita de propósito para os visitantes. E eu, só ali, abancados a conversar, a perceber que o sorriso do Zé Pedro não era matreiro, era mesmo sorriso. E saltei, para há dois anos, no Sol da Caparica, eu e a minha Carolina, princesa da minha vida, aos 13 anos, juntos aos 30 000 em X e ela, desiludida (repito, aos 13!), "pai, eles não tocaram a Maria", já ela, também, percebi, vinda do Maputo-Bruxelas, X.
Um postal destes num blog sportinguista, sobre clubes (e futebol)? Porque o Zé Pedro era do Benfica. Como o Kalu (seu companheiro, amigo, mano, camarada), diz, era do Porto, ele fez-se do Benfica, para o picar. Há muitos anos escrevi uma coisa sobre isso. Porque, de facto, os clubes são para isto, o clubismo é para isto. Só para isto, para nos picarmos fazendo-nos manos. E é por isso, até por isto, até por este só isto, mero futebol, que o Zé Pedro é o Homem do Leme. E mal vai quem não o percebe. E não o sente. Ao X.