Um reflexo da sociedade?
Foto: Sapo Desporto
Hoje venho cá por um motivo maior que uma vitória, maior que uma derrota ou maior que um empate num jogo qualquer de qualquer modalidade.
Hoje venho cá para denunciar o que de pior há na sociedade e é aviltante que seja corriqueiro para alguma gente que tem por hábito tomar-se por pessoa.
Sim, venho falar do racismo no desporto. Venho falar dum jovem brasileiro exímio executante do jogo da bola no pé, saco de pancada de adversários que praticando um desporto estão longe de ser desportistas e vítima, em todos os estádios por onde espalha a sua magia, de insultos à sua dignidade enquanto atleta, homem e preto de pele.
O pináculo da ignomínia aconteceu no último jogo da La Liga, em Valência, com grande parte dos grunhos que assistiam ao jogo na bancada Mário Kempes a gritarem, sempre que o homem tocava na bola, "mono, mono, mono", que traduzido do castelhano quer dizer macaco, como sabereis. A federação espanhola tem vindo a ser alertada há vários meses para este atentado à dignidade de um dos seus jogadores e até ontem nada fez, assobiando para o lado, enquanto o jovem ia resistindo aos insultos e às agressões físicas com lágrimas de raiva e talvez por vingança tornando-se cada vez melhor praticante do seu desporto favorito, sendo hoje peça fundamental na equipa de Carlo Ancelotti.
Não deixando de ser reflexo da passividade e laxismo da federação espanhola, cereja no topo do bolo, o homem que foi insultado, vexado, espezinhado na sua dignidade foi expulso do jogo, por agressão. Seria caricato se não fosse abjecto. E foi expulso por indicação do VAR.
Logo ali, no final do jogo onde se recusou a falar de futebol, Carlo Ancelotti, numa posição de enorme dignidade, denunciou a sacanice da expulsão e tudo o que a ela conduziu, inclusive a relativização do sucedido por parte do árbitro.
Perguntarão porque mencionei o VAR na expulsão, pois bem, sucintamente porque o VAR mostrou ao árbitro uma agressão do jogador do Real a um jogador do Valência. No entanto o VAR resolveu retirar das imagens a agressão de Hugo Duro, jogador do Valência, ao brasileiro (um golpe conhecido por mata-leão). Assim, o árbitro apenas viu a reacção à agressão e não o início de toda a situação. Para bem da verdade desportiva o cartão foi retirado e a actuação do VAR condenada (sofrerá provavelmente a mesma sanção que Hugo Miguel, ou seja, nenhuma)*: "O Comité de Competição considera que um castigo "se enquadraria numa permanente e total impunidade, durante a presente época, de diversas ações de agressão física e verbal, por parte de adversários e adeptos, sobre o jogador expulso, perante a passividade das equipas de arbitragem, da RFEF e da Liga"." Acordaram, finalmente, espero.
"A actuação do videoárbitro não pode ser enquadrada em 'erro humano', pois a imagem que mostrou ao árbitro do encontro para avaliar a ação foi totalmente parcial, tendenciosa e determinante para o erro do árbitro", refere o Comité de Competição, que entende que a expulsão "foi injusta", "convertendo o agredido em agressor". De referir que no relatório apresentado pela equipa de arbitragem, colegiado em castelhano, só uma segunda versão dá nota dos insultos racistas, ou seja foi redigido um segundo relatório. Seria mais um escândalo a juntar ao que aconteceu durante o jogo.
Já no início do ano o jogador havia publicado um vídeo denunciando esta prática abjecta, com o apoio da federação brasileira, de muitos dos seus colegas futebolistas e enviada às federações continentais. Pelos vistos caiu em saco roto.
Consciente de que há apenas uma raça humana a que todos pertencemos independentemente da cor da pele, da altura, das eventuais deficiências físicas e cognitivas, da cor do cabelo, do tamanho do nariz, da forma e cor dos olhos, o meu sentimento de solidariedade está com todos os que sofrem na pele a agressão gratuita de alguns que por se julgarem superiores e acobertados pela impunidade, vão tornando a convivência pacífica cada vez mais difícil neste planeta. A minha simpatia está com todos eles e também com Vinícius Júnior.
Todos diferentes/Todos iguais.
PS: Foi hoje afastado da função de VAR, conjuntamente com mais cinco colegas, pelo comité técnico de árbitros. Do mal o menos. Hugo Miguel continua, obviamente.