Um obituário ainda em vida
A forma é a costumeira nestes tempos: música de fundo para melhor enquadramento dramático, a câmara em cima do entrevistado, dando a ideia de uma maior proximidade ou mesmo familiaridade para quem vê, depois passando para planos gerais onde pudemos observar imagens a lembrar séries americanas de grande audiência. Embora gasta, é a forma que hoje se usa. E capta a atenção do espectador.
Sobre o conteúdo, o que de facto interessa numa reportagem, temos duas dimensões: por um lado a parte mais pessoal do árbitro, e nesta incluo as suas considerações sobre a sua maneira de estar na arbitragem, e o lado reactivo dos seus amigos/colegas. Impressionou-me positivamente a forma como Pedro Proença e a sua equipa preparam os jogos, o método meticuloso como estudam todas as variantes e possibilidades que lhes possam surgir no jogo seguinte. Não me parece que haja muitos a fazer o mesmo.
Não gostei da forma como Pedro Proença é apresentado, digamos, à sociedade. Estamos na presença de um triunfador sem mácula, sem erro, com um percurso de vida exitoso. Esta imagem é ainda mais reforçada com o depoimento de colegas e outros actores do futebol. Não há ali defeito, o trilho do sucesso foi feito com dedicação extrema, a família, humildemente aceita e resigna-se perante a sua ausência. O trabalho vem como prioridade sobre o lado pessoal, o paradigma actual.
É-nos dado também a conhecer o outro lado da vida profissional de Pedro Proença. Também aqui, estranho é que não fosse, o sucesso impera naturalmente: de gestor de várias empresas a administrador de insolvências, a sua vida desmultiplica-se e flui de forma tão fácil que julgamos estar perante, pelo menos, duas pessoas, tal o volume de actividades que tem. E, pasme-se, tem ainda tempo para desfrutar na sua (?) quinta do Alentejo, qual actor sex-symbol a vaguear pensativo na sua moto 4 pelos estradões alentejanos.
Na vertente meramente desportiva acho que se tentou por um lado humanizar a figura do árbitro, um paradoxo enfim, entrando na sua vida e expondo-a. Houve também, e essa parte foi descarada, a tentativa de elevar a profissão de árbitro a um patamar na qual ninguém a vê.
Em resumo: os elogios, adjectivos, em excesso matam a mensagem. Ao longo da entrevista vieram-me à memória os obituários, onde os elogios são a única regra: marido extremoso, pai dedicado, profissional exemplar. Ao Pedro Proença fizeram-lho em vida.