Um David entre Golias.
Chegava a terça-feira. O fim-de-semana tinha sido relativamente calmo. Mas as hostes de carnide, numa alinça característica com os tripeiros, começavam o discurso: "lembram-se do Bayern..", "desta são quantos? 12?", "não envergonhem as equipas portuguesas", e por aí fora...
Usualmente não sou pessoa de virar a cara à luta, característica tão distinta do Sporting e das gentes desta família, a que chamamos Clube. Mas confesso que inicialmente tinha o meu pensamento no limbo. Por um lado queria ver o meu Sporting, por outro um receio apoderava-se de mim. Tinha medo, e assumo-o sem rodeios. No fundo íamos enfrentar o primeiro classificado da Liga Inglesa, um plantel de milhões, um dos melhores treinadores do mundo (se não o melhor). Tudo isto, com um plantel em construção, jovem, embora cheio de potencial. A caminho do Restaurante Universitário, perguntaram-me onde ia ver o jogo. O receio apoderou-se da resposta e disse: "Muito provavelmente vou estudar. Devo acompanhar o jogo pelo Ipad, no site do Record ou assim..."
Muitos deles adeptos dos Andrades, sedentos de gozo, retorquiram: "Então Fred? Não vais ver o Chelsea? Vais ver o teu Sporting num site?!"
Como se eu não soubesse o que eles queriam e desejavam. Contudo, enchi-me de garra. Talvez tenha lembrado as palavras do Fundador e elas tenham ressoado no meu inconsciente,"Queremos que o Sporting seja um grande Clube, tão grande como os maiores da Europa". E respondi que iria com eles ao pub da Lagoa da Conceição (Florianópolis), o Black Swan.
Fui a casa num instante. Deixei a mala e peguei no cachecol, que religiosamente trouxe comigo para além mar. Saí para a rua num estado de transe. Mas o verde e o branco brilhavam mais que nunca. Além do Esforço, Dedicação, Devoção e Glória espelhados pelo Leão, havia algo que me começava a acalentar o espírito. Cheguei à porta e já lá estavam alguns destes companheiros de jornada. Alguns, quais aúgures, vaticinavam que íamos jogar à retranca. Imbuído de espírito de jogo, respondi ao mesmo tempo que me ia sentando e pondo o "estandarte" no terreno de batalha: "Se for para perder, mais vale jogar olhos nos olhos e sem medo. Nós somos o Sporting!"
Sentei-me e comecei a cumprimentar a malta. Ao pé de mim estava um adepto do Chelsea (nacionalidade Inglesa) e outros três americanos adeptos do Liverpool. Pontas de lança no jogo do whiskey, iam perguntando sobre o Sporting num português mal amanhado. O do Chelsea com alguma sobranceria, falava pouco. Em bom português, deveria achar que eram "favas contadas". Por trás desta falange sentavam-se dois benfiquistas. Do lado direito, estava a hoste azul e branca. À minha esquerda estavam uns espanhóis do Barcelona e uns franceses do PSG. Atrás de mim estavam uns italianos a ver a Roma. E eu sentado no meio desta gente toda, calado e olhos fixos no ecrã. Entretanto, chegou a Marta, vestida a rigor para ver o Sporting, cheia de paixão, garra e uma esperança contagiante. Depois, chegou o Carapuço, calmo como quem vem desfrutar mais de uma cerveja do que do próprio futebol, e seguidamente o Morgado, paciente, muito paciente. Era um misto de emoções, que não nos atrevíamos a revelar. Receio, medo, expectativa, confiança...tudo num "melting pot" que se criava ao som do hino da Champions.
Os tripeiros começavam a entrar em pânico. Batia-se palmas ao golo do Totti, e vibravam à esquerda com o duelo hispano-gaulês. Eu continuava focado no Sporting. Apesar de tudo, e do golo gostei da primeira parte. Fui esperançoso para a segunda. Ao intervalo, perguntavam-me se o João Mário não sabia o que era errar um passe, eu respondia que muito provavelmente ele nunca tinha ouvido falar disso. A conversa com os americanos ia fluindo (o tipo do Chelsea ia roendo as unhas), eles iam elogiando muito o Marco Silva, o William, o João Mário e claro, o Rui Patrício. Eu festejei cada defesa do Patrício como se fosse golo. Gritava Sporting, vibrava com cada passe, pulava da cadeira com qualquer remate. Mas sobretudo arrepiava-me! O jogo do Sporting arriscou-se a tornar-se numa bela sinfonia ou num quadro do MoMa. A construção de jogo, a entreajuda, o espírito de abnegação, a interligação, a raça, o querer, o orgulho daqueles bravos! Mostrou-se que com estes jogadores consegue-se fazer muito, conseguiu-se fazer frente a uma das melhores equipas da Europa!
Eu dizia para mim, se com tanta juventude e "falta de maturidade" (com que os pasquins brindam e acusam a actual equipa), imaginem como jogarão estes miúdos e o Sporting daqui a três/quatro anos. É para dizer que será um caso sério na Europa e no campeonato Português.
O jogo acabou. O resultado era enganador, 0-1. Mas podia ter sido 1-1. Levantei-me, e peguei no cahecol. Pu-lo no ombro e cumprimentei o adversário. Cumprimentei o resto dos Sportinguistas. Mas houve algo que vi no olhar, e certamente o meu também espelhava. Todos tinhamos um grande orgulho nesta equipa! Todos nós vimos um jogo à Sporting, onde jogámos para vencer. Olhos nos olhos. Onde o adversário nos respeita e nos teme (o Mourinho tirou dois atacantes de jogo, e colocou o Obi Mikel). Mostrámos que das três equipas nacionais temos o futebol mais digno de uma noite Europeia, pois jogamos com amor ao Clube e aos Adeptos incansáveis.
Levantei-me e peguei no cachecol. Dirigi-me para a porta. Olhei o sol que já se punha, e pensei para mim, "O Sporting é grande, tão grande como os maiores da Europa, e isso ficou demonstrado alí dentro." Não havia lugar para receios, e isso é algo que levo comigo para o futuro. Ninguém me conseguia tirar um sorriso da boca. Tinha perdido, mas estava feliz. Voltei a ver alma no nosso jogo, voltei a ter alma, e voltei a ver os Sportinguistas felizes e esperançosos.
O caminho é duro, mas é nosso, como o Sporting.
Viva, mas viva senpre o Sporting Clube de Portugal! Que as palavras do Visconde de Alvalade ecoem na Eternidade do tempos!
Saudações Leoninas!
P.S: Li que o João Mário acertou 41/42 passes, 98% de eficácia. Mais que o Fábregas, Matic, Óscar, Hazard...é caso para dizer "é Leão!"