Tudo ao molho e FÉ em Deus - Bas Dost voou entre as Aves
"O Homem vangloria-se de ter imitado a vôo dos aves com uma complicação técnica que elas dispensam"
- Carlos Drummond de Andrade
Confesso o meu desapontamento inicial: se o futebol é o circo romano contemporâneo, a ausência de Lito Vidigal do banco de suplentes - mais aquela sua rotina acrobato-apalhaçada, de mergulho com cambalhota, aprimorada em Arouca - tira brilho a qualquer espectáculo. Mas, outros motivos de interesse rodeavam este jogo: o Monumento da Guerra Peninsular é bonito, mas está lá longe, no Porto, na Rotunda da Boavista, pelo que poder vê-lo ao vivo, metafóricamente, em forma de uma natureza-viva, onde onze leões poderiam estraçalhar onze águias (simbolo do Aves), seria sempre estimulante, mais a mais quando os contendores tinham em campo inúmeros jogadores habituados aos ares das academias de Alcochete e do Seixal, ambas parte integrante da Península de Setúbal. Só por ist(m)o já teria valido a pena pagar o bilhete. Também, na antecâmara do jogo, a Matryoshka russa que há em Jorge Jesus, e que parecia escondida, voltou a manifestar-se. A primeira boneca falou em reforços da direcção (Misic e Wendel), que não estariam prontos para jogar de imediato; a segunda, afirmou que se os grandes da Europa quisessem Wendel (para quem tácticamente o que Jesus ensina é chinês), ele não estaria em Alvalade (mesmo que por mais de 7 milhões de euros...); a terceira, referiu que nenhuma equipa grande, de Itália ou Portugal, quis Bruno Fernandes; a quarta disse que Ruben (Ribeiro) "é para ontem" (aqui deve ter pensado que chegava de desvalorizar os seus recursos humanos); a quinta, sentenciou que só os jogadores poderiam julgar o seu trabalho; finalmente, aquela que interessa, a sólida, montou uma equipa suficientemente competente para vencer o Aves, embora sem brilhantismo.
A verdade é que Ruben Ribeiro, lutando contra a maldição do nº7, jogou de início e è meia-hora, após ter flirtado com meia equipa do Aves, "acasalou" com Bas Dost, aquecendo a noite fria de Alvalade. O golo foi um oásis, numa primeira parte em que o adversário voou mais alto, contrariando o sofisticado dispositivo táctico leonino. Com alguma sorte à mistura e São Patrício, a fé leonina mantinha-se incólume, na Companhia de Jesus, ou não fosse a Vila das Aves parte integrante do Concelho de Santo Tirso, um bastião jesuíta.
O segundo tempo mantinha a mesma toada até que Gelson foi carregado em falta na área avense. O inevitável Bas aproveitou para "dostar" o segundo e o jogo quase terminou aí, mais a mais porque JJ fez a alteração que se impunha e colocou Battaglia em campo para reforçar o meio campo leonino, substituição que cortou as asas ao adversário, o qual a partir daí não mais incomodou Rui Patrício. O "flying dutchman" completaria ainda o "hat-trick", numa jogada iniciada em Bruno Fernandes e continuada por Piccini.
Uma última e bem merecida nota de destaque para o holandês: Bas Dost pode não ser, 59 golos depois, o melhor ponta-de-lança treinado por Jorge Jesus, mas que (lhe) dá muito jeito, lá isso dá. E, já agora, também é um bom exemplo de humildade, de solidariedade, de partilha, de alguém que sabe que o colectivo é sempre mais importante do que os egos individuais e que é reconhecido a quem para si trabalha.
Tenor "Tudo ao molho...": Bas Dost