Triunfo indiscutível no lamaçal de Arouca
Arouca, 0 - Sporting, 3
Geny festeja o golo acabado de marcar - o segundo do Sporting, acalmando e alegrando adeptos
Foto: Manuel Fernando Araújo / Lusa
Os profetas da desgraça, que nunca faltam no Sporting, já tinham avisado: este iria ser um jogo muito complicado, dificilmente sairíamos incólumes de Arouca.
Havia razões para isso: a equipa local havia vencido seis dos sete desafios anteriores, incluindo a recepção ao FC Porto, concluída com categórico triunfo por 3-2. Não por acaso, encontra-se em sétimo lugar no campeonato.
Confirmou-se: o jogo foi mesmo difícil. Mas sobretudo pelas péssimas condições do terreno: parecia muito mais um pântano do que um relvado de futebol. É inacreditável como a Liga permite que espectáculos desportivos de âmbito profissional decorram em cenários destes. Estamos no Inverno, sim. Tem chovido bastante, ninguém duvida. Nada disto torna mais tolerável que um desafio do campeonato português ocorra em condições semelhantes, pouco propícias a "notas artísticas", muito propícias a lesões.
Por caprichos do calendário, esta partida foi ensanduichada entre dois os dois jogos do nosso embate com a Atalanta, dos oitavos da Liga Europa. São momentos da temporada em que os jogadores actuam com precauções redobradas, por vezes entram desconcentrados - já a pensar no desafio seguinte ou ainda deslumbrados ou entristecidos com o desafio anterior. Há que trabalhar com eles, portanto, também no plano psicológico.
Pois a prova foi superada - e até com distinção, por muito que isso custe àquela minúscula falange, cada vez mais diminuta, dos putativos sportinguistas que torcem pelo insucesso da equipa movidos apenas pelo ódio visceral a Frederico Varandas e Rúben Amorim.
A esmagadora maioria dos adeptos não nega apoio nem aplauso aos jogadores, chova ou faça sol. Foi o que aconteceu neste domingo (também eleitoral) em Arouca, onde não faltaram vozes de incentivo ao onze leonino do princípio ao fim do encontro. Conscientes, como estamos todos, de que aquele obstáculo tinha mesmo de ser superado. Para consolidarmos a liderança isolada do campeonato e reduzirmos a distância que nos separa do título mais ambicionado do futebol português.
Com Pedro Gonçalves de regresso ao onze e Gonçalo Inácio já de novo sentado no banco, começámos cedo a construir esta vitória. Aconteceu num lance exemplar de futebol colectivo - prova inequívoca da robustez anímica da equipa. Três protagonistas desenharam linhas de geometria perfeita no maltratado tapete do Arouca: Trincão domou a bola para a deixar bem colocada em Matheus Reis, este lançou-a com precisão para Gyökeres e o craque sueco encarregou-se do resto, como só ele sabe.
Primeiro golo, estavam decorridos 19 minutos.
O Sporting concedeu iniciativa à turma anfitriã sem se desligar do objectivo em mente nem abdicar do controlo territorial, cortando linhas de passe ao adversário. Com a dupla Morten-Morita sempre em alta rotação e o corredor esquerdo blindado. Apenas o direito foi registando sobressaltos - pela incapacidade de Geny, muito adiantado, fechar lá na frente e pelo insólito nervosismo de Eduardo Quaresma, anteontem em dia não. De tal maneira que o treinador decidiu substituí-lo ao intervalo, trocando-o por Gonçalo. Fez bem.
O jogo foi decorrendo nesta toada, não isenta de incerteza: a qualquer momento um dos três talentosos espanhóis do Arouca podia metê-la lá dentro num lance fortuito, ameaçando bloquear um triunfo que se esboçava mas estava ainda longe de garantido. Isso só aconteceu já no período suplementar, quando Geny a meteu lá dentro num golpe de génio, bem ao seu jeito: inflectiu da linha para o corredor central, deixou dois adversários para trás e disparou uma bomba sem defesa possível.
Houve explosão de entusiasmo entre os sportinguistas naquele minuto 91. E maior ainda foi o júbilo aos 90'+6, quando Morten ampliou a vantagem no último suspiro do encontro. Golo oferecido com mérito por Gyökeres ao médio, melhor em campo. Afinal fora o dinamarquês a iniciar a jogada com espectacular recuperação de bola lá mais atrás. Como já fizera no início da construção do segundo golo.
Foi muito saboroso, este triunfo debaixo de chuva no lamaçal de Arouca. E precioso na rota que trilhamos rumo ao título. Jogo a jogo, seguindo um dos mandamentos de mister Amorim. Ele sabe muito bem que esta é uma das fórmulas para motivar e blindar um balneário.
Ninguém mais do que ele mereceu estes três pontos no seu 200.º desafio de leão ao peito. Só podemos desejar que venham muitos mais.
Breve análise dos jogadores:
Israel - Quarto jogo seguido a titular. Vai consolidando a presença entre os postes, com alternativa viável ao lesionado Adán. Duas intervenções importantes, com segurança. Manteve as redes intactas.
Eduardo Quaresma - Muito intranquilo, foi acumulando erros como lateral direito, tentando compensar o adiantamento de Geny. Perdeu a bola, perdeu duelos, sofreu um túnel. Acabou por não regressar do intervalo.
Coates - O péssimo estado do terreno era pouco recomendável ao capitão, que tem um joelho "em obras". Cumpriu a missão, como referência do nosso jogo aéreo. Mas saiu aos 67', com queixas físicas.
Diomande - O melhor da defesa leonina: recuperou a excelente forma anterior à participação no campeonato africano. Fez três posições (esquerda, direita, meio) sempre em alto nivel, Secou Mújica, goleador do Arouca.
Geny - Tinha ordens para actuar como extremo, sem descer na ala. O entrosamento com Quaresma não funcionou. Muito melhor no segundo tempo. Aos 90'+1 marcou o golo da tranquilidade. Espectacular.
Morten - Melhor em campo. Crucial no domínio do meio-campo, tanto na recuperação como no passe de ruptura. Foi ele a iniciar o segundo e o terceiro golos, roubando a bola. Foi ainda ele a marcar o terceiro golo.
Morita - Violinista e carregador de piano em simultâneo: concilia as melhores características dum médio. Objectivo, sem complicar, vai unindo as pontas soltas. Forma parceria perfeita com Morten.
Matheus Reis - Grande partida do ala esquerdo: superou os duelos, ninguém passou por ele. Momento culminante desta bela exibição: a assistência para o golo inicial, desbloqueando a partida.
Trincão - Atravessa bom momento, como se comprovou na sua pré-assistência no lance do primeiro golo: combinação perfeita com Matheus. Mas aquele lamaçal era pouco propício ao seu futebol artístico.
Pedro Gonçalves - Regressou de lesão pouco inspirado. O péssimo estado do terreno em nada o ajudou a exibir o seu habitual talento futebolístico, nomeadamente na criação de lances de ruptura.
Gyökeres - Já faltam adjectivos para o elogiar. Desta vez bastaram 19 minutos para a meter lá dentro. Aos 90'+6 ofereceu o terceiro a Morten. Galovic tentou travá-lo, mas muito a custo: o sueco é imparável.
Gonçalo Inácio - Fez toda a segunda parte, vindo de lesão. Como central à esquerda, sua posição natural. Deu ao bloco defensivo a consistência que lhe faltou com o intranquilo Quaresma em campo.
St. Juste - Substituiu Coates aos 67', remetido também à sua posição natural: central à direita. Cumpriu com zelo, fazendo uso da velocidade, sua principal arma. Até ver, desta vez vai resistindo.
Paulinho - Entrou para o lugar de Trincão no minuto 67. Mais entroncado do que o colega, como as circunstâncias exigiam. Destacou-se numa entrega perfeita para Geny: era o inicio do segundo golo.
Daniel Bragança - Saltou do banco para render Morita aos 67'. Manteve, no essencial, a nossa superioridade no meio-campo. Notável, a sua regularidade exibicional.
Nuno Santos - Entrou aos 90', substituindo Pedro Gonçalves. Ainda a tempo de ver marcar dois golos do Sporting, embora sem participar em nenhum.