Tiro sueco derrubou muralha algarvia
Portimonense, 1 - Sporting, 2
Gyökeres, mesmo sob marcação cerrada, voltou a brilhar: por vezes cansa só de o ver
Foto Luis Forra / Lusa
A expressão "estacionar o autocarro" parece ter sido inventada por Paulo Sérgio. O treinador do Portimonense - que passou há mais de dez anos por Alvalade, sem deixar saudades - adoptou nesta recepção à nossa equipa um sistema hiper-defensivo. Espécie de 6-3-1, anichando os seus pupilos numa extensão máxima de 25 metros, deixando toda a iniciativa atacante ao Sporting. Dois defesas receberam a missão de patrulhar Gyökeres a tempo inteiro, roubando-lhe espaço de manobra e remetendo-o a zonas mais recuadas.
Muralha própria de equipa pequena, receando ser goleada em casa pelo onze que pratica melhor futebol da temporada.
Funcionou, mas só até ao intervalo. O primeiro tempo decorreu com os nossos jogadores à procura de uma fresta naquela muralha, sem sucesso. O melhor que conseguiram foi já no tempo extra, quando Edwards rematou forte mas por cima.
É verdade que anteontem nos faltavam três titulares: Coates estava ausente por lesão, Gonçalo Inácio e Morten cumpriam castigo. Mas isto não explica a nossa lentidão de processos neste primeiro tempo nem a inoperância do corredor direito do Sporting, onde Edwards e Geny por vezes se atropelavam e o moçambicano parecia estar já com a cabeça na selecção do seu país, que representará nas próximas semanas.
Também não explica a incapacidade de gerarmos perigo nos lances de bola parada, que apareceram em catadupa: dez cantos nos primeiros 45 minutos, igualando o registo máximo da prova até ao momento.
Rúben Amorim soube puxar pelos jogadores na prelecção que lhes fez ao intervalo. Surgiram com outro ânimo no excelente tapete verde de Portimão. Beneficiando também dos primeiros sinais de fadiga física revelados pela turma algarvia. Aí o eficaz Sporting desta Liga 2023/2024 voltou à tona.
O nosso ponto forte era o corredor esquerdo, com boa articulação entre Matheus Reis e Nuno Santos. Pedro Gonçalves, novamente remetido ao meio-campo, tentava infilitrar-se entre linhas, beneficiando da solidez posicional de Morita: o japonês brilhou como n.º 6 improvisado num dos seus melhores desempenhos de sempre ao serviço do Sporting. É um dos jogadores mais completos deste plantel. E um dos obreiros deste percurso vitorioso que já produziu 19 triunfos em 25 partidas nas quatro frentes futebolísticas e nos confirma no comando do campeonato à entrada deste ano novo.
Algo que não acontecia desde 2021. Sabemos o final feliz dessa história.
A insistência foi tanta que acabou por produzir bons frutos. Num magnífico passe teleguiado de Pedro Gonçalves aproveitando uma das raras ocasiões em que Gyökeres dispôs de espaço de manobra em posição frontal. O sueco, letal como poucos, não perdoou: num par de segundos, meteu-a lá dentro. Inaugurando o marcador naquele minuto 59. Confirma-se a tendência: cumprimos 15 jornadas sem nunca ficar em branco.
Lá teve Paulo Sérgio de tirar o autocarro do parque de estacionamento, procurando enfim - também ele - esticar o jogo. Aproveitando sobretudo deslizes defensivos dos nossos. Houve três. À primeira, o Portimonense marcou. Na cobrança de um livre a punir falta desnecessária de Diomande na meia esquerda e o mau posicionamento da barreira. Depois, aos 78' e aos 85', brilhou Adán ao fazer a mancha e cortar ângulo de remate aos adversários que se isolavam. Beneficiando, no primeiro lance, da preciosa ajuda de Eduardo Quaresma.
Estava escrito que não sairíamos do Algarve sem os três pontos. Assim foi: a bola voltou a entrar na baliza certa, coroando a melhor jogada colectiva do desafio, também desenrolada no corredor esquerdo. Com a "gordinha" a girar de Matheus para Nuno e deste para Morita com o internacional nipónico a cruzar para o centro da área: Paulinho, de costas para as redes, pôs a funcionar o calcanhar. Era noite de sorte: a bola tabelou caprichosamente num defesa e traiu o guarda-redes Vinicius. Que cinco minutos antes, num voo espectacular, impedira Morita de marcar.
Paulinho esteve no melhor e também no pior, quando falhou golo cantado após centro milimétrico do suspeito do costume. Gyökeres voltou a terminar um jogo da forma que já começa a tornar-se habitual: parece ter energia para começar tudo de novo.
"Cansa só de ver", deve ter pensado o tristonho Paulo Sérgio. O sueco - melhor em campo - derrubou-lhe a muralha. Bastou um tiro só.
Breve análise dos jogadores:
Adán - Ainda não é desta que o nosso guarda-redes mete os papéis para a reforma. Bons reflexos a impedir golos aos 78' e aos 85'. Sem culpa no que sofreu, aos 68'.
Neto - Fez só a primeira parte, como central à direita. Amarelado aos 34', ficou condicionado. Já tinha abusado dos passes à queima e de falta de fluidez na construção.
Diomande - Supriu ausência de Coates. Seguro excepto em dois momentos: entrada fora de tempo aos 67' (valeu-lhe um amarelo) e falta desnecessária aos 68' (custou-nos o golo).
Matheus Reis - Completou trio de centrais, actuando pela esquerda. Foi o que teve melhor desempenho, articulando muito bem com Nuno Santos. Iniciou construção do segundo golo.
Geny - Titular na ala direita, demasiado discreto. Complicou alguns lances, pecou por falta de entendimento com Edwards. Quando saiu, aos 83', parecia que já não estava lá.
Morita - Com Morten ausente, foi ele o número 6. Mas fez muito mais do que isso: variou flancos com visão de jogo e precisão de passe, recuperou 14 bolas, assistiu no golo 2. Exemplar.
Pedro Gonçalves - Médio de construção, tentou explorar zonas interiores. Marcou mal vários cantos. Mas redimiu-se com espectacular assistência para Gyökeres no primeiro golo.
Nuno Santos - Dinâmico, dominou o corredor esquerdo num constante vaivém à procura de espaços para colocar a bola. Interveio no segundo golo, em passe açucarado para Morita.
Edwards - Apagado no primeiro tempo. Ainda assim, foi dele o nosso único remate digno desse nome (45'+1). Melhorou muito após o intervalo. Ofereceu três golos que Paulinho desperdiçou.
Paulinho - Esteve no melhor (o golo-carambola, de calcanhar, que nos valeu três pontos) e no pior (desperdiçou três ou quatro). Voltou a marcar na Liga após quase dois meses de jejum.
Gyökeres - Quase sem espaço para se movimentar, aos 59' libertou-se enfim do espartilho e meteu-a lá dentro. Nada egoísta, construiu golo para Paulinho (90'+5), mas o colega falhou.
Eduardo Quaresma - Rendeu Neto no segundo tempo. Exibição muito positiva. Deu nas vistas com um carrinho que tirou o pão da boca ao Portimonense, a meias com Adán (78').
Daniel Bragança - Substituiu Pedro Gonçalves, com lesão no pé esquerdo, aos 75'. Pareceu condicionado, no plano físico ou psicológico. Errou passe aos 85': podia ter corrido mal.
Esgaio - Entrou aos 83', rendendo Geny. Jogo importante por simbolismo: foi a 150.ª vez que actuou pela equipa principal do Sporting. Não falhou nenhum dos 15 jogos desta Liga.
Trincão - Entrou aos 90'+1, substituindo Edwards. Só para queimar tempo. Mal tocou na bola.