«Eu e mais dois miúdos sportinguistas que também fazíamos a colecção de cromos, acho que nesse ano de 1970, fizemos um quadro rudimentar com os cromos colados com água e farinha e oferemos ao Vítor Damas quando ele saiu do autocarro antes do jogo. Foi uma loucura para nós ele ao sair do autocarro dirigir-se a nós e receber o quadro. O jogo foi contra a CUF do Barreiro, a nossa terra, e penso que ganhámos por 2-0. Como não tínhamos dinheiro para os bilhetes lá entrámos de mãos dados com um senhor que para esse efeito fazia de nosso pai.»
Começou por ser o cromo mais valioso da minha colecção de futebolistas, era eu miúdo. Depois ganhou consistência muito real como campeão pelo Sporting - aliás, bicampeão, tendo vencido o título mais cobiçado em 1970 e 1974. Ele - como Agostinho no ciclismo, Livramento no hóquei, Lopes no atletismo - contribuiu em larga medida para me tornar adepto deste clube que tem Portugal no nome.
Ele, o Damas. O dos gestos felinos. O das defesas impossíveis. O da elegância à prova de bala entre os postes. O guarda-redes por excelência, com 19 anos de Sporting, produto da formação leonina muito antes de haver Academia de Alcochete. Campeão de iniciados, campeão de juniores, campeão sénior.
Sportinguista de camisola e do coração. Sem deixar de respeitar os emblemas rivais - algo que hoje, para muitos, parece quase impossível. O que saiu para voltar - com a certeza de que devemos regressar sempre aos lugares onde fomos felizes. Tão respeitado pelos adversários que até Eusébio chorou copiosamente no dia triste do seu funeral.
Vítor Damas. Deixou-nos faz hoje vinte anos. Cedo de mais. É sempre demasiado cedo quando vemos partir os nossos ídolos, os nossos heróis, os nossos campeões. «Todas as mortes são prematuras», escreveu Jorge de Sena, ás da literatura que torcia não sei por que clube nem isso interessa.
Alguns craques que passaram pelo Sporting tornaram-se quase sinónimos desta centenária e gloriosa agremiação que une milhões de adeptos de todas as gerações nas mais remotas partes do globo. Peyroteo, Hilário, Yazalde, Jordão, Manuel Fernandes. E o grande, enorme, gigante Vítor Manuel Damas Afonso de Oliveira, nascido em 1947 e falecido a 13 de Setembro de 2003. Ainda com tantos sonhos por realizar, mas tendo cumprido o último: assistiu à inauguração do novo Estádio José Alvalade.
Está hoje perpetuado na porta n.º 1 e na baliza sul do estádio, também como nome de rua situada ali bem perto. Mas permanece imortalizado, sobretudo, na memória e nos afectos dos sportinguistas.
O cromo mais precioso da minha caderneta de miúdo. Jamais o esquecerei.
Transcrevo, com a devida vénia, um texto de António Alfarrobinha publicado no facebook, no grupo Bola de Catchu. Vítor Damas saiu do Sporting, regressou e dá hoje, justamente, o nome a uma baliza e à porta número 1 do Estádio José Alvalade. Não passou por metade do que o Rui Patrício passou.
Qual é o problema dos sportinguistas com o Rui Patrício, mesmo?
A fotografia da equipa do Sporting refere-se a um jogo com o Benfica para a Taça de Portugal, disputado em 28 de Março de 1976, que os leões venceram por 1-0. Mas, independentemente desta vitória, tratou-se de uma época (1975-76) muito conturbada para os leões. Irregularidade no Campeonato, interdição de Alvalade devido a uma invasão de adeptos na Tapadinha, insucesso na Taça UEFA logo na 2ª eliminatória, desilusão nas meias finais da Taça de Portugal com o Vitória de Guimarães. Foi o ano dos assobios a Vítor Damas em Alvalade.
A “lei de opção” tinha sido revogada em 1975, o guardião leonino era titularíssimo e estava no último ano de contrato como Sporting. Por essa razão poderia sair do clube no final da época se assim entendesse. Atento, Pinto da Costa, já comprometido com Américo de Sá para ser o director do Departamento de Futebol do FC Porto, tentou contratar Damas. Era um pedido de José Maria Pedroto, o futuro treinador.
O Sporting recebeu o Académico de Coimbra no Estádio de Alvalade, no dia 13 de Março, e aos 24 minutos do jogo os “estudantes” já tinham marcado três golos. Damas estava irreconhecível, desconcentrado, e quando o topo sul começou a assobiá-lo ruidosamente despiu a camisola e pediu ao treinador Juca para ser substituído. Saiu para os balneários debaixo de uma vaia monumental. Para um guarda-redes de futebol, um dia mau na baliza é um dia de crucificação. Mas aquilo foi bem pior.
A Direcção do Sporting entendeu suspender o guarda-redes. Duas semanas depois, houve o dérbi com o Benfica para a Taça de Portugal e Matos foi o escolhido para o substituir. Antes do jogo, titulares e suplentes juntaram-se para a fotografia com um ar circunspecto, algo sombrio. Faltava o capitão de equipa.
No final da época, Damas transferiu-se para o Racing Santander, e não para o FC Porto que tanto o assediara. Regressou a Portugal em 1980, defendeu a baliza do Vitória de Guimarães e do Portimonense e entre 1984 e 1989 voltou a jogar de leão ao peito. Em 2009, foi atribuído o seu nome à baliza sul, cuja simbologia vem do velhinho Alvalade. E onde por coincidência se verificaram os acontecimentos naquela partida com o Académico. Uma homenagem justíssima, apesar de póstuma.
Na fotografia, os jogadores leoninos antes do dérbi:
Em cima - Matos, Amândio, Da Costa, Vítor Gomes, Tomé, Laranjeira, Fraguito, Barão, José Mendes e Pinhal;
Em baixo - Libânio, Baltazar, Marinho, Chico Faria, Manuel Fernandes e Nelson.
Faz hoje 48 anos. Hilário e Vítor Damas ergueram bem alto a Taça de Portugal conquistada em campo pelo Sporting no Jamor. Contra o Benfica de Eusébio e Simões.
A primeira Taça em liberdade. Tinha mesmo de ser nossa.
O Sporting tem o melhor histórico de formação em Portugal. Ponto.
Ontem, contra o PSV (4-0), estavam em campo dois jogadores que tiveram um comportamento miserável para com o clube que os formou - Bruma e Ilori. E estes tiveram sucessores à altura no baixinho Podence e no rastejante Rafael, que rescindiram um contrato ao primeiro aceno de um cheque (apesar de ele vir, respectivamente, da liga grega, onde presidentes de clubes entram em campo com pistolas, e do 6.º ou 7.º clube em França, o equivalente ao nosso Rio Ave). A favor de Podence, Patrício e William, o facto de o processo ter terminado com a sua venda (o rastejante Rafael, a quem desejo uma curta e triste carreira, nem isso). Mas este não é um post sobre esse processo, em que tantas forças se uniram para prejudicar o clube.
Nos últimos anos, muita gentinha sem respeito pelo Sporting tem saído da Academia. O Clube não tem formado gente à altura da sua dignidade. São disso exemplo os tristes Bruma e Ilori e os miseráveis Podence e Rafael.
Dá, por isso, um gozo ainda maior ver um jogador da formação que sabe falar e sabe estar à altura do clube que representa. Como as palavras captadas pelo Edmundo Gonçalves bem atestam. Tal como outras que lhe tenho ouvido.
Bem-vindo ao Clube, Max. Que enorme exibição. Uma decidida saída aos pés (de Bruma, ironias do destino...) , que evitou o 2-1 na primeira parte (e os estados de nervos da equipa, que tão mau resultado têm dado). Que enormes reflexos na segunda parte, evitando o 3-1. Que consistência e inteligência a lançar o jogo (algo que falta a Renan como água no deserto).
Presumo que muitos conheçam esta colectânea, desconheço a sua autoria, acabo de a encontrar. É absolutamente extraordinária, 50 defesas de Damas. Um guardião espantoso - e dá para imaginar a mega-estrela que seria hoje. E ocorre-me a questão, não seria possível restaurar estas imagens? Um trabalho para o arquivo global mas, também, para o museu do Sporting. Se com melhor qualidade que material museológico seria, que atracção!
Vitor Damas, o meu maior ídolo desportivo na meninice, teria feito agora 70 anos. Vi esta defesa aos meus 10 anos, naquele preto-e-branco das para hoje tão modestas transmissões. E nunca mais a esqueci. Damas era soberbo.
"IN MEMORIAM" do grande, do enorme, Vítor Damas, a quem dedico esta pequena estória que escrevi:
"O Leão Branco"
"Há um antes e um depois de Vítor Damas. Nas peladas de rua ou em terrenos baldios, nos relvados do futebol profissional.
Antes dele, quando um grupo de rapazes traquinas se juntavam para "jogar à bola", ninguém queria ir à baliza. Os garotos eram Figueiredo ou Eusébio, mais remotamente, Peyroteo ou Espírito Santo, nunca guarda-redes. Por isso, o engenho dos rapazolas criou a figura do guarda-redes avançado, limitando os danos de quem era incumbido de tão maçadora quão castradora missão. Mais tarde, nova engenhoca dos petizes, o "keeper" ia rodando entre todos os compinchas para não penalizar, por muito tempo, qualquer um deles.
Até que surgiu Damas. Como outrora dizia Comte, "tudo na vida é relativo, e isso é o único valor absoluto". Damas foi o maior porque maior era Eusébio e vice-versa, tal "yin" e "yang", dois seres que se complementavam e davam corpo à sua existência, em que o "yin" era Damas, com a sua elegância e sapiência na baliza que transmitiam grande tranquilidade à equipa e aos adeptos, e o "yang" era Eusébio, com a sua vigorosa acção criativa digna de um Rei. Se Eusébio era o Pantera Negra (cientificamente, mutação genética de uma Panthera, designada por "melanismo", Damas era o Leão Branco ("Panthera Leo", mutação genética oposta ao melanismo, designada por "leucismo").
Quando em 9 de Novembro de 1969, Damas realizou a "parada do campeonato", ajudando o Sporting a ser campeão, com uma defesa por instinto após cabeçada de Eusébio, não foi só o Pantera Negra que, já festejando de braços abertos, ficou incrédulo. O estádio inteiro "se levantou" para aplaudir, consciente de que tinha assistido a uma impossibilidade física, como se outra dimensão tivesse penetrado no nosso Sistema Planetário. Eusébio teve consciência desse momento e imediatamente, como grande desportista que era, correu a abraçá-lo, contribuindo para elevá-lo à imortalidade.
Este duelo perduraria até Eusébio "pendurar as botas", o que, acto contínuo, foi seguido por a saída de Damas do Sporting, rumo à Espanha, quiçá por falta de motivação, por sentir que o grandioso combate jamais se repetiria.
Assim acabariam 9 anos de expoente máximo, de fábula, de encantamento, embora Damas ainda tenha regressado, anos depois, para cumprir 5 boas épocas.
Outro momento de Ouro, viveu-o em Wembley, ao serviço da Selecção Nacional, em 20 de Novembro de 1974, aguentando estoicamente, com 6 grandes defesas, um empate a zero do Portugal "dos pequeninos" (Octávio, Alves, Osvaldinho,...) contra os super-favoritos ingleses. Uma dessas defesas ficou conhecida nos "media" britânicos como "a defesa do Século " e foi mais ou menos assim: perda de bola na esquerda da nossa defesa, por Osvaldinho, contra-ataque inglês, bola em Gerry Francis, isolado na área, pela direita, simulação de remate e cruzamento para trás onde apareceu David Thomas a encostar, a meia altura, para a baliza deserta (Damas ficara a tapar o primeiro poste e a hipótese de remate). Eis que surge então Damas, felino, o Leão Branco, em extensão inimaginável, a sacudir a bola na exacta projecção dos postes perante a descrença do jogador inglês.
Com a emergência de Damas, nas peladas, em balizas improvisadas com malas da escola, já todos queriam ser Damas e imitar o ídolo, o mito, a sua elegância, agilidade, elasticidade, diria até, plasticidade entre os "postes".
E nos relvados do futebol profissional, todos os guarda-redes se inspirariam nele, herdando o seu estilo proactivo em detrimento de uma doutrina antiga mais reactiva, passando a ser mais intuitivos, instintivos e antecipativos, tentando adivinhar o movimento do avançado adversário.
Que saudades de ver Vítor Damas, o Eusébio do Sporting nas sabias palavras de outro grande, Carlos Pinhão. Devido a ele, eu também FUI, SOU e SEREI DAMAS."
Este foi um dia grande para o Sporting. Por vários motivos:
- O presidente Bruno de Carvalho colocou esta manhã, solenemente, a primeira pedra do futuro pavilhão João Rocha, tantas vezes prometido por outras direcções e tantas vezes adiado. E comprometeu-se a uma data já traçada para a conclusão da obra: Dezembro de 2016;
- Dois campeões sportinguistas passam a partir de agora a figurar na toponímia lisboeta, dando nomes a ruas nas imediações do estádio: José Travassos e Vítor Damas. A cerimónia de descerramento das placas contou com a presença do vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina;
- A equipa principal de futebol, reforçada por jogadores do Sporting B, trocou hoje Alcochete por Alvalade, fazendo um treino aberto no nosso estádio presenciado por cerca de quatro mil adeptos - três dos quais foram escolhidos para se associarem aos jogadores no relvado;
- Bruno de Carvalho assinalou também hoje o segundo aniversário da sua posse como presidente do Sporting com uma extensa entrevista ao Record em que deixa bem claro que contará com Marco Silva para a próxima temporada oficial de futebol.
- Ainda hoje, Wallyson renovou contrato com o clube até 2021, mantendo-se a sua cláusula de rescisão em 45 milhões de euros.
Um dos melhores escritores portugueses actuais, Bruno Vieira Amaral, apesar da infelicidade de ser benfiquista (no melhor pano cai a nódoa) escreveu isto:
"Eu tinha 10 anos e o sonho de ser guarda-redes. Estava sentado na bancada poente do velho estádio D. Manuel de Melo, no Barreiro. Era o jogo de apresentação do Barreirense. O Sporting foi a equipa convidada mas que como se sabia que não iria levar as maiores estrelas o estádio estava quase vazio. Na baliza à minha frente, estava o guarda-redes, de costas para os raros expectadores. Os colegas, miúdos com idade para serem filhos dele, chutam umas bolas molengas, tentando desenhar com a preguiça de Agosto arcos sobre o guarda-redes, que nem se esforça para chegar às bolas, basta seguir a trajectória com o olhar. Uma sobrevoou a baliza e aterrou duas filas abaixo de onde me encontrava. O guarda-redes virou-se para a bancada e eu atirei-lhe a bola, que não lhe chegou. Atirei-a novamente, então com todas as forças para não o desiludir. Ele segurou a bola e voltou para a baliza, para o lugar que era o dele. Depois de mais alguns remates, recolheram aos balneários e, para mim, o jogo que ainda não começara terminou nesse momento, o momento em que Vítor Damas se virou para a bancada e eu pude admirá-lo na elegância intacta dos seus 40 anos. Nós, benfiquistas, tínhamos o Bento louco, corajoso, cão de guarda; os sportinguistas tinham um príncipe, um guardião. O Damas não era do Sporting, era meu. Era ele que inspirava o meu sonho de ser guarda-redes. Foi a única vez que o vi num campo de futebol, no ocaso da carreira mas, inegável e soberano, ainda era o Damas. Nunca mais me esqueci daqueles minutos."
Nunca vi o Eusébio jogar, mas não me esqueço das lágrimas que verteu, profundamente comovido, no funeral do Vítor Damas, um dos maiores ídolos de sempre do Sporting, a quem chamaram "Eusébio do Sporting", e que disse um dia dever a baliza do Sporting ao "King".
Essa imagem do Eusébio a chorar convulsivamente marcou-me. Prova melhor da sua grandeza e admiração, para além do próprio Benfica, não poderia haver.
A propósito da ultrapassagem, por Cristiano Ronaldo, do número de golos marcado por Eusébio na selecção, a comunicação social, desportiva e não só, tem-se agitado freneticamente nos últimos dias, procurando, tomada de justa indignação, contrariar os ímpios que, manifestando uma impensável e inadmissível ousadia, se atrevem, com malévolo repúdio dos dogmas desta religião, a considerar o jogador do Real Madrid ou Figo, este muito poucos, como o melhor futebolista da história do futebol português. O próprio Eusébio veio a terreiro, compreensivelmente choroso e amuado, queixar-se do crime de lesa-majestade que estará a ser cometido, já que, como é evidente, nunca pensara na iníqua possibilidade de alguém se abalançar a tal blasfémia. Se podemos entender a mágoa do moçambicano, já é mais complicado aceitar a argumentação invocada, cuja inanidade, tendo em conta as suas origens reais, podemos, se é que não devemos, submeter a piedoso silêncio.
Como se conclui da atenção prestada à sucessão de peças jornalísticas sobre o assunto, que, no geral, professam a ideia de que colocar a questão é, só por si, ofensivo da tradição e da memória, da história e da mitologia pátrias e, principalmente, de Eusébio e do Benfica, este arremedo de discussão não tem qualquer possibilidade de fazer nascer a luz, com evidente prejuízo de quem, como eu, aguarda ansiosamente um parecer definitivo e conclusivo sobre a matéria.
Atormentado pela dúvida, decidi, eu próprio, tomar uma posição e proceder, como quase todos os jornalistas, opinadores profissionais e comentadores sortidos, em função da minha paixão clubística. Aqui chegado, a minha opção foi extremamente fácil. Vítor Damas. O nosso extraordinário guarda-redes constituiu-se, para mim, atreito como sou a tiques idólatras, numa figura única na história do futebol nacional e do Sporting. A sua fantástica elasticidade, técnica individual, inclusivamente no momento de sair a jogar com os pés, capacidade de comando dos homens à sua frente, visão de jogo, vontade de fazer bem e de ganhar e praticamente quase todos os atributos que fazem os grandes guarda-redes transformaram-no, auxiliados por incontáveis defesas monumentais e exibições inesquecíveis, até em jogos em que o nosso clube foi goleado, num modelo irrepetível de jogador talentoso e hábil, generoso e de inexcedível dedicação ao futebol e ao clube.
Para mim, o grande Vítor Damas, perante cuja memória me comovo e me inclino sentidamente, é o melhor futebolista português de sempre. RIP.
Na Bola diz que faz hoje dez anos, noutros sítios que foi dia 10. Francamente não sei a data certa, lembro-me do minuto de silêncio em homenagem a Damas. Dos mais comoventes que vi em Alvalade. Dobramos aqui o cantinho a assinalar os dez anos e fica assim.
Já muito se tem dito sobre ele e eu, que era criança quando jogou no Sporting, não poderia dizer melhor que quem, adulto, o viu no auge. Mas hoje lembrei-me de uma das memórias do tempo em que vi Damas (não) jogar. E percebe-se já o não.
Cresci, claro, a saber que aquele era o guarda-redes do Sporting, vi-o várias vezes jogar, mas nessa altura, ou nesse jogo, não era Damas o titular. Rodolfo Rodriguez (por isso eu teria 12, 11 anos) devia estar a fazer uma exibição tão boa ou tão má, que me lembro da bancada central chamar naquele tom baixinho mas assertivo: "Da-mas Da-mas". Na altura aquilo pareceu-me um bocadinho malcriado, mas a verdade é que não me lembro de ver uma bancada pedir para entrar um guarda-redes.
Vítor Damas, um dos melhores guarda-redes portugueses de sempre, nasceu a8 de Outubro de 1947 em Lisboa e morreu prematuramente aos 55 anos, em Setembro de 2003. Este mítico jogador, senhor de inaudita elegância dentro e fora dos relvados, fez nada mais nada menos do que 444 jogos oficiais em dezanove épocas ao serviço do seu clube do coração. A sua ascensão à titularidade no primeiro escalão do futebol leonino coincide com a minha tomada de consciência “sportinguista”. Acresce que um guarda-redes destaca-se no campo não só porque se equipa de cor diferente, mas porque assume o solitário papel idiossincrático dum homérico contrapoder – cabe-lhe a missão de se transcender de corpo inteiro, incluindo as mãos, na obstrução do maior objectivo dum jogo que se joga com os pés: o golo. Assim se entende como ele é por natureza um cromo tão difícil, definição que encaixa como luvas no mítico guardião leonino.
Talvez seja por isso que, na perspectiva de uma criança, não só o ponta-de-lança mas também o guarda-redes adquiram tanta importância num jogo ainda difícil de interpretar: tratam-se afinal do primeiro e último reduto do exército no campo de batalha. Nesse sentido, tomar consciência do futebol com protagonistas como Yazalde e Vítor Damas foi um privilégio que sustentou o meu sportinguismo. Nas brincadeiras, “ser o Damas” era o privilégio de ser a antítese de Eusébio, o incontestável ídolo da época, que quando um dia lhe perguntaram qual a sua melhor memória do velhinho estádio de Alvalade, em vez de se referir aos seus golos ou vitórias, aludiu a uma extraordinária defesa do Damas ocorrida em 9 de Novembro de 1969 que então ocasionou a vitória ao Sporting por 1-0. Por estas e por outras é que Carlos Pinhão, histórico jornalista de A Bola, descreveu em manchete o mítico guarda-redes leonino como “o Eusébio do Sporting”. Foi sem dúvida um dos melhores guarda-redes portugueses de sempre.
De facto, Vítor Damas distinguia-se entre os postes pela garra, intuição, agilidade e elegância. Mas fora dos relvados diferenciava-se por uma erudição na época invulgar no meio: sabia exprimir-se como poucos colegas, e a determinada altura manteve até uma crónica regular no jornal do Sporting - um traço que para mim fazia toda a diferença.
Dizem que Damas era irreverente e que tinha "mau perder", que entre os postes era capaz do melhor e do pior de um jogo para o outro. Mas acontece que era um líder da equipa e que do coração sangrava verde e branco até a última gota. Uma qualidade rara nestes tempos: foi desde menino que orgulhosamente envergou e dignificou a camisola verde e branca, com a qual toda a vida se bateu e com que veio a morrer e tornar-se para toda uma geração um verdadeiro ídolo. Assim, decidiu viver para sempre. Quantos contratos milionários isso não vale, Rui Patrício?
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