Datas gloriosas no historial leonino. Há precisamente seis décadas, o Sporting Clube de Portugal conquistava a Taça dos Vencedores das Taças. Derrotando em dois tempos o MTK, da Hungria. Primeiro na final disputada em Bruxelas, a 13 de Maio (que terminou num empate 3-3). Dois dias depois, na finalíssima em Antuérpia, que funcionou como tira-teimas: vencemos 1-0 e levantámos o caneco, ainda o nosso maior título futebolístico no plano internacional.
Honra aos heróis de 1964, felizmente vários dos quais ainda entre nós - como Hilário, Pedro Gomes, José Carlos, Mário Lino, Pérides e Figueiredo. Outros já desaparecidos do nosso convívio mas eternos na nossa memória, como Alexandre Baptista (falecido há poucas semanas), Joaquim Carvalho, Fernando Mendes, Géo, Osvaldo Silva e João Morais - autor do célebre "cantinho do Morais" que deu golo directo faz depois de amanhã 60 anos. Vale a pena recordá-lo a partir do 1:20 deste vídeo.
Esforço, dedicação, devoção e glória.
ADENDA: Um dos heróis dessa conquista foi Mascarenhas: 11 golos marcados, rei dos artilheiros nessa edição 1963/1964 da Taça das Taças. Também se distinguiu Figueiredo, com 6 golos.
«Na véspera, a 14 de Maio de 1964, Morais (na foto, em pontapé acrobático) tinha sonhado que daria a vitória ao Sporting na finalíssima da Taça das Taças frente aos húngaros do MTK de Budapeste, na marcação de um canto directo. De resto, o antigo jogador confessou a premonição ao DN, há semanas. No dia seguinte, o sonho tornou-se real.
A equipa leonina era capitaneada por Fernando Mendes, que levantou o troféu em Antuérpia, Bélgica. Neste conjunto de atletas também pontificavam outros nomes, casos de Carvalho, Pedro Gomes, Alexandre Baptista, José Carlos, Hilário (não jogou a final, devido a lesão), Pérides e Osvaldo Silva, entre outros. Há 41 anos, o Sporting conquistou o seu primeiro triunfo numa competição europeia de futebol.
Anselmo Fernandez, arquitecto, era o treinador do clube de Alvalade na época. Mascarenhas, Figueiredo, Geo e Dé foram os restantes quatro jogadores que integraram o onze inicial leonino. O dia 15 de Maio de 1964 ficará ligado, para sempre, à história do futebol português.
O 'CANTINHO DO MORAIS'. O êxito europeu do Sporting, materializado com o famoso "Cantinho do Morais", viria a ser "imortalizado" no disco lançado na altura, aproveitando o relato radiofónico da jogada, feito por Artur Agostinho, então em trabalho para a Emissora Nacional. A música, que resulta do golo decisivo apontado por João Morais, era interpretada por Margarida Amaral.»
«“Não escolhi a França. A emigração clandestina fazia-se para lá”. A avó materna arranjou-lhe o dinheiro [1]. “Pediu-o emprestado a uns senhores. Disse-lhes que precisava de comprar duas vacas. Os animais nunca apareceram, claro, e eles ficaram chateados. Mas pagámos tudo que devíamos durante o ano seguinte”.
Os três homens deixaram Louriçal do Campo no início de outubro, ao fim da tarde. O ponto de encontro era nas traseiras do posto de eletricidade que ficava a mais de dois quilómetros da aldeia. O passador tinha pedido que não levassem muita coisa. “Fugi para a França como se fosse para a festa, com o fato e os sapatos de domingo, sem casaco. Levava às costas um saco de pano com duas sandes que a minha mãe me tinha feito e na mão uma pasta de couro com dois pares de meias e 300 escudos em dinheiro (119 euros aos preços de hoje)”.
A primeira hora de viagem foi feita de táxi. O passador recebeu todo o dinheiro de uma vez. “Comprometeu-se a levar-nos novamente sem receber mais dinheiro caso fossemos presos”. Deixou os três homens a 20 quilómetros da fronteira, na Serra da Malcata. Grande parte do caminho até França seria feita a pé. “Acho que a viagem durou uns 23 dias, mas perdemos a noção do tempo”. Atravessaram a fronteira naquela noite, sozinhos, e dormiram ao relento. O passador voltou para conduzi-los a uma casa numa aldeia perdida, quase abandonada. De vez em quando, dava-lhes chouriço, pão e chocolate. No fim do mês, quando entraram no comboio em Hendaia, receberam uma lata de sardinha. “Nunca na minha vida passei tanta fome. Chegámos a lutar uns com os outros por comida. Transformámo-nos em animais”.
O grupo foi crescendo à medida que a viagem avançava - já eram 30 homens quando chegou o momento de cruzar a fronteira francesa. Manuel continuava a ser o mais novo. “Viajámos até Vitória, no País Basco, num camião de gado cheio de esterco, íamos de pé e o cheiro era insuportável. Chegaram de madrugada a outra pequena aldeia. Dormiram num aprisco, entre mais de 100 ovelhas. “Foi um dos momentos mais felizes da viagem, porque nós vínhamos cheiinhos de frio. Metemo-nos no meio dos animais, aquecemo-nos e bebemos leite quente, mungido ali”, recorda. Nesta altura, os sapatos de domingo de Manuel já estavam desfeitos - o passador deu-lhe umas botas de borracha para a travessia dos Pirenéus, mas isso serviu de pouco. “O frio era tanto, o martírio foi tão grande durante aquela semana a caminhar pelas montanhas, que se eu tivesse encontrado um polícia espanhol rendia-me e pedia para voltar”, garante. “O sentimento que mais recordo é o medo. Em certas ocasiões fomos deixados um ou dois dias abandonados. Pensámos que íamos morrer ali. Um dos homens do grupo perdeu-se pelo caminho - nunca chegou a França. Outro esteve quase a ser deitado por uma ribanceira pelos passadores. Via mal e começou a dizer, aos gritos, que não queria avançar. Pedia para o deixarem pelo caminho. Não podia ser: ou seguia ou morria. Vivo podia denunciá-los à polícia”.
Antes de o grupo chegar à estação ferroviária de Hendaia - por onde, entre 1969 e 1971, mais de 300 mil portugueses entraram em França - o passador dividiu o grupo em três, consoante o destino de embarque: Paris, Toulouse e Lyon. Manuel Dias Vaz escolheu o último comboio. “Tinha um primo afastado a viver em Lyon e levava a morada dele escrita num papel. Para além disso, o meu Sporting tinha jogado há pouco tempo contra o Olympique Lyonnais e eu fiquei impressionado com o jogo, embora tenha acabado por nunca ir ao estádio”.
O comboio chegou de madrugada, havia cinco centímetros de neve no chão. “As luzes impressionavam, davam uma ideia de festa”. Na gare, Manuel pediu ajuda para encontrar o endereço do primo. Um autocarro deixou-o quase à porta de uma empresa de construção civil. A mulher ao balcão ligou a um chefe de equipa português para pedir ajuda: “Ele veio. Conversou com ela à minha frente em francês. Só percebi a palavra miséria. Como sabia de carpintaria, decidiram dar-me emprego” Escreveu à família a dizer que tinha chegado bem e que estava feliz. O primo apareceu oito dias depois.»
[1] - Numa reportagem publicada a 4 de novembro de 1966, o jornal católico francês La Croix escreveu que o "salto" podia custar entre 4 mil e 8 mil escudos, 14211 e 2841 euros aos preços de hoje, respetivamente.
In: FERNANDES, Joana Carvalho - A porteira, a madame e outras histórias de portugueses em França. Lisboa : Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2015. pp. 38, 39
...o Sporting perdeu 4-1 em Old Trafford e em Alvalade goleou o fabuloso United por 5-0. Como muitas vezes a minha avó contava, Artur Agostinho gritava, via rádio, "é o fim do mundo em Alvalade". Pelo Sporting jogaram: Carvalho, Gomes, José Carlos, Baptista e Hilário; Osvaldo (3 golos), Mendes, Morais (1 golo), Géo (1 golo), Mascarenhas e Figueiredo. Do outro lado moravam "monstros" como Best, Law ou Bobby Charlton.
Faz hoje 50 anos, o Sporting Clube de Portugal conquistava em Antuérpia a única Taça dos Vencedores das Taças em futebol alguma vez ganha por um clube português. Sem claudicar na final, como acontece com os verdadeiramente grandes.
Parabéns a esses Leões que tão bem souberam honrar a camisola do nosso clube. Vários deles ainda estão entre nós, servindo-nos todos os dias de orgulhosa referência. Entre eles, quatro dos cinco que vemos nesta histórica fotografia: Alexandre Baptista, Pedro Gomes, Figueiredo e Fernando Mendes.