Cumprem-se hoje seis anos da conquista épica da Taça de Portugal, a minha primeira, e à data única, final no Jamor.
A estória conta-se em poucas palavras: a jogar com menos um desde os 15min e a perder por 2-0 à meia hora de jogo, o Sporting bem que se esforçava mas não conseguia reentrar na discussão do troféu. Para milhares de adeptos, soava a desfecho visto um par de anos antes, frente à Académica.
À entrada para os últimos 10 minutos, um mar de gente abandonava, pesarosa, o seu lugar ao sol, abrindo uma vistosa clareira. A derrota iriaa consumar-se dentro em pouco. Eis senão quando, ao minuto 83, Slimani, num excelente movimento de pés a afastar dois adversários, atira para o fundo das redes, devolvendo a fé à torcida leonina. Vamos lá Sporting, ainda temos cerca de 10 minutos (considerando os descontos) para empatar isto!
Atingido o tempo regulamentar, entrávamos nos descontos. Passa um minuto e nada. Passa o segundo minuto e o tempo para fazer o golo do empate a encurtar cada vez mais. Mas está escrito nos livros que as conquistas épicas se fazem de momentos improváveis e eis que o central Paulo Oliveira, num longo passe ainda antes da linha do meio campo, consegue colocar a bola em Fredy Montero, que, de forma caprichosa, coloca a redondinha novamente no fundo das redes adversárias. Estava feito o empate e com ele a explosão no vulcão do Jamor!
O que se seguiu também entra para as imagens incríveis desta jornada: milhares de adeptos a regressarem ao estádio e aos seus lugares, e as claques a vaiarem-nos com uma enorme assobiadela.
No prolongamento o resultado permaneceu inalterado e tudo se viria a decidir na marcação por pontapés de grande penalidade, arte em que o Sporting era especialista e onde não desiludiu. Eficácia leonina, aliada à intercessão de São Patrício e ao desacerto bracarense, ditaram a conquista de mais uma taça de Portugal para o pecúlio leonino. Foi uma autêntica Taça de Campeões, pelo modo glorioso como foi conquista. Os jogadores, ao contrário de milhares de adeptos, nunca deixaram de acreditar na reviravolta.
Recordo hoje, com emoção, o abraço caloroso e emocionado que um sportinguista, que não conhecia de lado nenhum, me deu, assim que o Montero fez o 2-2. São muitas e gratificantes as memórias que enchem o coração de cada vez que recordo esta final.
Aproveito para desafiar o leitor a partilhar algum momento igualmente especial que viveu nessa ou noutra final, envolvendo o nosso Sporting.
"Ele rodopiava, ele saltava ao eixo entre oponentes que o apertavam, ele mantinha-se de pé, tal qual Maradona, mesmo quando carregado em falta. Ver Balakov jogar era como assistir a uma prova de 110 metros barreiras em que todos os obstáculos iam sendo fatalmente superados até à meta, o golo.
Assim foi certa noite de sonho no Bonfim, quando sozinho destruiu o Vitória(?) - deixando atónita a multidão nas bancadas - pegando na bola, com a sua abençoada canhota, ainda no seu meio-campo (iludindo logo aí dois oponentes), resistindo posteriormente a carga dura, não cedendo miraculosamente à já antecipada queda, antes de preparar nova diabrura, com troca de pés driblando dois adversários em simultâneo(!), passando entre eles, para, de seguida, contornar o desamparado guardião da virtude vitoriana, encostando suavemente para golo com o pé direito. Um monumento! Uma bala humana com um destino certo, a baliza. Aliás, "Bala" ficaria para sempre o seu epíteto, nas "cov(as)" ficavam os que ousavam tentar contrariá-lo.
De vez em quando amuava e "desaparecia" do jogo, queria o contrato melhorado. Mas, regressava ao seu nível (e que nível, senhores). Por vezes, sebastianicamente, como naquela noite de nevoeiro feito de fumos de claques, quando disparou um míssil de pé direito(!) - sim, embora esquerdino de Ouro, não era manco do outro pé - apontado directamente ao aungulo superior esquerdo da baliza do benfiquista Silvino Louro. Bem, nesse dia, louros só para Balakov -"que grande golo!" -, diria Sousa Cintra, em directo, ainda a procurar o seu lugar na Tribuna, aquando do golo madrugador que estreou uma nova forma de filmar os jogos de futebol em Portugal, com muitas câmaras e repetições de diversos ângulos, da SIC. Já para definir este búlgaro, só havia um ângulo, um encómio: genial."
*reacção de um portista ao ver Balakov jogar pela primeira vez...
Balakov foi, provavelmente, o jogador mais genial que vestiu a camisola verde-e-branca do emblema do Leão rampante. Por motivos que a mim (e certamente a muitos de Vós) me escapam nunca foi campeão pelo Sporting, inclusivé quando jogou ao lado de Figo, Paulo Sousa e Cherbakov, num meio-campo que se dava ao luxo de "sentar" Peixe, Capucho, Filipe e Pacheco (outra equipa). Com este meu texto pretendi captar a genialidade deste búlgaro proveniente do ETAR Tarnovo, sendo certo que os genios não se circunscrevem a um rectângulo de papel, umas palavras. Se uma imagem vale mais que mil palavras, a genialidade valerá bem mais do que mil imagens. Os sportinguistas e o futebol muito devem a este ENORME jogador que, durante 5 anos, encantou as bancadas de Alvalade (e não só). Espero que tenham gostado!
Nota final: por lapso, na evocação de Uchoa não referi os nomes dos vencedores do Quiz(2) sobre esse jogador. Aqui ficam, com as minhas desculpas: Antonio Ramos (primeiro prémio) e João Santos (menção honrosa), os nossos leitores que acertaram.
Quando meti na cabeça este projecto de recordar antigos jogadores do Sporting através da elaboração de pequenas estórias, pensei em juntar um nome a uma letra do abecedário (k,w, y, incluídos). Se nalguns casos tive excesso de oferta de nomes face a uma determinada letra - problema resolvido, em parte, com a inclusão adicional de 2 Bolas de Ouro europeus, 1 Bola de Prata europeu, 1 Bota de Ouro (para além de Yazalde), 1 "cantinho de Antuérpia" e 1 Matador (Acosta), perfazendo um total de 32 jogadores -, quando cheguei à letra "U", engoli em seco durante horas até que me lembrei de Uchoa, o misterioso e pouco preponderante Uchoa, porque as estórias que aqui escrevo são mais do que a descrição de grandes feitos, da glória eterna. Pequenas façanhas, tristes desventuras de gente que se entregou com esforço, dedicação e devoção serão também radiografadas neste espaço.
"A importância de se chamar...Uchoa"
" 'U' què(?), perguntará o leitor. Uchoa!
Paulo Uchoa realizou apenas 2 jogos pelo Sporting no campeonato de 1982/83 e, inicialmente, foi a única razão pela qual dei Graças a Deus por o ter feito, caso contrário não conseguiria alocar um nome de um jogador nosso à letra "U". Mas, à medida que fui procurando informação na internet, o mistério sobre este homem foi adensando-se e a curiosidade aumentando...
Passo a explicar: eu tinha memória de um jogo a que assisti no velhinho Alvalade, em que Uchoa marcou o que na altura constatei ter sido um golaço, ao Rio Ave, recebendo a bola a meio do campo do adversário, fintando um oponente com um túnel efectuado com o pé esquerdo, para depois, com o pé direito, enviar uma bomba directamente ao ângulo superior esquerdo (na projecção do nosso ataque) da baliza do estupefacto guardião vila-condense. Ora, tendo agora verificado que só realizou duas partidas e sabendo que tinha tido o privilégio de assistir a um golo seu, e que golo, quis saber mais sobre o Homem, convencido de que as escassas aparições de verde-e-branco não seriam condizentes com o seu valor futebolístico.
Aqui chegados, devo dizer que encontrar notícias sobre Paulo Uchoa na "net" é tarefa quase tão condenada ao fracasso como a esperança de ver pinguins a banharem-se em praias algarvias...
Eis, no entanto, que me deparo com a sua situação actual: 62 anos e Professor de Educação Física na Universidade do Grande Rio (Unigranrio), em Duque de Caxias, estado do Rio de Janeiro. Três quartos de hora de pesquisa(?) mais tarde e com a mesma persistência com que a coelha anã que ofereci à minha filhinha insiste em roer as bancadas da nossa cozinha (será que o local a qualifica como animal "doméstico"?) fez-se finalmente luz, e um nirvana se apoderou de mim: o homem é real e tem um passado no Brasil que certifica o golaço que lhe vi marcar.
Em 81, um ano antes de chegar a Lisboa, Uchoa foi campeão brasileiro, jogando a maior parte dos jogos a titular, como defesa direito, num time (Grémio de Porto Alegre) que tinha o mítico Emerson Leão (mundiais de 74 e 78) entre os postes, Paulo Isidoro (Mundial de 82), no meio-campo e o ex-colega de Paulo Futre no Atlético de Madrid, Baltazar, no ataque. Como se não bastasse, relegou para suplente um jogador, Paulo Roberto, que Telé Santana levaria consigo para Espanha, suplente de Leandro no escrete.
Aqui fica a curiosidade: o Grémio bateu na final, jogada a duas mãos, o São Paulo, treinado por Carlos Alberto Silva (esse mesmo), vencendo por 2-1, em casa, e por 1-0, fora. Uchoa foi titular no primeiro jogo (disputado em casa) e defrontou uma equipa composta pelo recém-falecido (Mundial 82) Valdir Peres (o "careca"), na baliza, Óscar (capitão da selecção de 82), na defesa, Zé Sérgio (extremo fantástico) e Serginho - titular da Canarinha em Espanha face à ausência do lesionado Careca, não o guardião, mas sim o avançado que viria a jogar no Nápoles de Maradona e não era careca -, no ataque. E ainda, Marinho Chagas, a Bruxa, o Diabo Louro, o Canhão do Nordeste, o homem vindo de Natal, dotado de fortíssimo remate, que actuava como defesa esquerdo, subia, subia, subia no terreno e depois só voltava no Natal (o outro, o Cristão) para irritação dos seus treinadores; que na estreia como profissional, por um anterior clube, o Botafogo, deu um lençol a Pelé seguido de um túnel que deixaram o Rei à beira de um ataque de nervos. Internacional e titular no Mundial de 74 (ao lado de outro Marinho, Peres, nosso velho conhecido), jogador irreverente e playboy (gabava-se de ter tido um caso com uma princesa europeia), acabaria por sucumbir ao alcoolismo...
Bom, esta crónica(?) já vai longa e, para terminar, vou dizer apenas que, apesar de António Oliveira o ter utilizado pouco, Uchoa foi jogador com estatuto no Brasil, deve ter a melhor média de golos por jogo de todos os defesas direitos da história do Sporting e safou-me a letra "U". Obrigado Uchoa, Professor Uchoa!" .
Este Post não pretende apenas homenagear Fraguito, ele é uma elegia ao futebol, um repto para que os mais novos inquiram pais e avós e não deixem cair no esquecimento a memória deste grande tecnicista que realizou 9 épocas (!) de Leão ao peito. Um homem que, com uma honrosa excepção, não passa na TV, nos jornais, nas rádios, um jogador quase olvidado por sócios, adeptos e simpatizantes do Sporting. Se estamos à espera que os outros valorizem o que é nosso, nunca evoluiremos. Fraguito está vivo, a Norte, em Vila Real, e pelo calvário de lesões que teve de suportar na sua carreira, pela sua humildade, pelo seu carácter e, principalmente, pelo seu virtuosismo merece, em vida, o nosso reconhecimento. Nesse sentido, tentei imprimir algum ritmo a esta pequena estória, para que, quem nunca o viu, sentisse o texto como se estivesse no estádio. Vocês dirão se fracassei (ou não), nessa difícil tarefa...
"MENINO DO RIO"
"...E la ia ele, cabeça levantada e olhos de falcão, sempre à procura de fazer nova presa, um passe teleguiado para golo.
E para economia de recursos (e descanso da canhota) o pé direito a trabalhar, parte de dentro aqui, parte de fora, acoli. Quaresma? Quaresma ainda não era nascido e já ele espantava meio-mundo como o Rei das Trivelas.
E a multidão ululante, animada por os Vapores do Rego, jovens estudantes brasileiros que iam a Alvalade tirar a "especialização".
E ele - que saíra em bebé para o Brasil, donde só voltara aos 15 anos, depois de 5 anos a jogar (e ganhar) no Fluminense - a deslumbrar no relvado, ao ritmo do samba que lhe encantava o corpo.
E eis que ergue a batuta e toda a equipa gira à sua volta numa mágica dança que é um pagode para os olhos.
E o povo reza, reza para que os seus joelhos não cedam hoje - sete operações aos joelhos são muito mais do que a conta para um homem - porque merece ver todo o sumo extraído da uva deste senhor jogador nascido no Douro Vinhateiro.
E todos na bancada recordam no seu subconsciente aquele jogo internacional em que, junto à linha de fundo, usou os pés como tenazes - o mexicano Cuauhtémoc Blanco ainda não era nascido - e golpeou a bola por cima de 2 adversários incrédulos com o que viam, para depois centrar com precisão de regra e esquadro para Yazalde finalizar.
"Ecce homo"! Samuel Fraguito, o Menino do Rio, Estrela da Abobeleira, génio e homem do futebol de rua ou de praia. De Copacabana, com amor (por o "belo jogo")!"
Gostaria de deixar aqui uma palavra de apreço para homens como Vítor Cândido ou Francisco Figueiredo que, em A Bola TV, têm tendo resgatar a memória de grandes vultos, alguns esquecidos, do futebol português, como é, sem sombra de dúvida, o caso de Fraguito. Por ser da mais elementar justiça, a eles e à A Bola, aqui deixo a minha vénia, até porque todos sabem que nem sempre concordo com a linha editorial do jornal / TV da Travessa da Queimada.
Por último, e conforme prometido, relembrar aqui os nossos leitores vencedores do Quiz sobre Fraguito, os únicos que acertaram: JHC (primeiro lugar) e Puro (menção honrosa).
Com este meu texto, aqui deixo a minha singela homenagem ao jogador que foi e ao que podia ter sido se a vida não lhe tem sido madrasta. Sergey Cherbakov, um jogador vibrante, com uma explosão fantástica e bom remate, elemento de um quarteto de meio-campo que integrava ainda nomes como Paulo Sousa, Krasimir Balakov e Luis Figo. Um "Dream Team" que, pasme-se, nunca foi campeão. Talvez um dia saibamos porquê...
"O Leão que veio do frio"
"Chama-se Cherbakov, é ex-soviético e ex-jogador de futebol. O seu último clube foi o Sporting, que o perdeu - ele também perdeu a sua carreira desportiva - devido a um estupido acidente de viação, motivado por uma noite em que, inconscientemente, arriscou tudo perder numa roleta russa de inspiração dionisíaca que o deixou paraplégico da cintura para baixo.
Vi pela primeira vez o Sergey jogar no velhinho Mário Duarte, em Aveiro, um campo acanhado inserido num jardim público, detalhe premonitório que anunciava o nascimento de uma bela flor do canteiro leonino.
A sua técnica (aliada à sua robustez e boa capacidade de remate) rapidamente me conquistou, mas ainda havia quem duvidasse...
Um dia, a vinte e quatro de Novembro do ano de mil novecentos e noventa e três, Cherbakov subiu ao Olimpo onde só os deuses se passeiam. Jogava-se uma partida da UEFA, em Alvalade contra o Casino Salzburg, e o nosso Cherba apostou as "fichas" certas. O seu golo foi um "all-in" que definitivamente afastou quaisquer vozes críticas: à saída do seu meio-campo, recebeu de pé esquerdo, serpenteou pela direita, aguentou o peso do primeiro adversário sobre o seu ombro, serpenteou pela esquerda, agora suportando a carga de um segundo austríaco pelas costas, a todos fugiu, imponentemente, como se tudo fizesse parte de um plano divino já pré-definido que qualquer contrariedade apenas atrasaria, e disparou um míssil daqueles provenientes da Guerra Fria, ansioso por finalmente se libertar, explosivo, que só parou nas redes. Golo!
Inesquecível! Cherba começava o caminho que muitos antecipavam o ir levar à Bola de Ouro. Tinha tudo, menos tino. A Perestroika era recente, os excessos da liberdade recém-adquirição compreensíveis e ainda havia os colegas russos do outro lado da Segunda Circular...
Dionísio e os restantes deuses, por um momento, fecharam os olhos e a tragédia aconteceu.
No final, um lamento, o de Cherba ter faltado ao encontro com a sua história, aquela que começara a desenhar nas quatro-linhas. Por ele e por todos nós."
"IN MEMORIAM" do grande, do enorme, Vítor Damas, a quem dedico esta pequena estória que escrevi:
"O Leão Branco"
"Há um antes e um depois de Vítor Damas. Nas peladas de rua ou em terrenos baldios, nos relvados do futebol profissional.
Antes dele, quando um grupo de rapazes traquinas se juntavam para "jogar à bola", ninguém queria ir à baliza. Os garotos eram Figueiredo ou Eusébio, mais remotamente, Peyroteo ou Espírito Santo, nunca guarda-redes. Por isso, o engenho dos rapazolas criou a figura do guarda-redes avançado, limitando os danos de quem era incumbido de tão maçadora quão castradora missão. Mais tarde, nova engenhoca dos petizes, o "keeper" ia rodando entre todos os compinchas para não penalizar, por muito tempo, qualquer um deles.
Até que surgiu Damas. Como outrora dizia Comte, "tudo na vida é relativo, e isso é o único valor absoluto". Damas foi o maior porque maior era Eusébio e vice-versa, tal "yin" e "yang", dois seres que se complementavam e davam corpo à sua existência, em que o "yin" era Damas, com a sua elegância e sapiência na baliza que transmitiam grande tranquilidade à equipa e aos adeptos, e o "yang" era Eusébio, com a sua vigorosa acção criativa digna de um Rei. Se Eusébio era o Pantera Negra (cientificamente, mutação genética de uma Panthera, designada por "melanismo", Damas era o Leão Branco ("Panthera Leo", mutação genética oposta ao melanismo, designada por "leucismo").
Quando em 9 de Novembro de 1969, Damas realizou a "parada do campeonato", ajudando o Sporting a ser campeão, com uma defesa por instinto após cabeçada de Eusébio, não foi só o Pantera Negra que, já festejando de braços abertos, ficou incrédulo. O estádio inteiro "se levantou" para aplaudir, consciente de que tinha assistido a uma impossibilidade física, como se outra dimensão tivesse penetrado no nosso Sistema Planetário. Eusébio teve consciência desse momento e imediatamente, como grande desportista que era, correu a abraçá-lo, contribuindo para elevá-lo à imortalidade.
Este duelo perduraria até Eusébio "pendurar as botas", o que, acto contínuo, foi seguido por a saída de Damas do Sporting, rumo à Espanha, quiçá por falta de motivação, por sentir que o grandioso combate jamais se repetiria.
Assim acabariam 9 anos de expoente máximo, de fábula, de encantamento, embora Damas ainda tenha regressado, anos depois, para cumprir 5 boas épocas.
Outro momento de Ouro, viveu-o em Wembley, ao serviço da Selecção Nacional, em 20 de Novembro de 1974, aguentando estoicamente, com 6 grandes defesas, um empate a zero do Portugal "dos pequeninos" (Octávio, Alves, Osvaldinho,...) contra os super-favoritos ingleses. Uma dessas defesas ficou conhecida nos "media" britânicos como "a defesa do Século " e foi mais ou menos assim: perda de bola na esquerda da nossa defesa, por Osvaldinho, contra-ataque inglês, bola em Gerry Francis, isolado na área, pela direita, simulação de remate e cruzamento para trás onde apareceu David Thomas a encostar, a meia altura, para a baliza deserta (Damas ficara a tapar o primeiro poste e a hipótese de remate). Eis que surge então Damas, felino, o Leão Branco, em extensão inimaginável, a sacudir a bola na exacta projecção dos postes perante a descrença do jogador inglês.
Com a emergência de Damas, nas peladas, em balizas improvisadas com malas da escola, já todos queriam ser Damas e imitar o ídolo, o mito, a sua elegância, agilidade, elasticidade, diria até, plasticidade entre os "postes".
E nos relvados do futebol profissional, todos os guarda-redes se inspirariam nele, herdando o seu estilo proactivo em detrimento de uma doutrina antiga mais reactiva, passando a ser mais intuitivos, instintivos e antecipativos, tentando adivinhar o movimento do avançado adversário.
Que saudades de ver Vítor Damas, o Eusébio do Sporting nas sabias palavras de outro grande, Carlos Pinhão. Devido a ele, eu também FUI, SOU e SEREI DAMAS."
Hoje, público aqui no ÉS A NOSSA FÉ uma pequena estória que escrevi em homenagem ao grande Beto Acosta, o nosso Matador. Com este singelo gesto, quero agradecer o seu contributo decisivo para o título de 2000. Obrigado Acosta.
"Uma última Cruzada"
Era uma vez um clube, mais do que um clube, uma gente, leonina no esforço, na dedicação, na devoção, que há 18 anos (des)esperava por a glória.
Era uma vez um homem, anafadito, engongado, empenado, trintão, cansado de árduas batalhas disputadas em múltiplos continentes, em França, no Japão, na Argentina e Chile.
Nos 2 últimos, lutara por os bastiões da "(Union de) Santa Fé" e "(Universidad) Católica".
Um desafio se propunha a este herói improvável: travar uma última Cruzada em Portugal, no Sporting.
Um dia reuniram-se em Lisboa. O início não foi promissor, uma maleita (ciática) afectava o velho guerreiro. Um ano passou e Acosta (era este o seu nome) regressou à relva Santa de Alvalade com o intuito de a conquistar. Tinha precisamente a idade com que Cristo morreu.
Quando vozes críticas já lhe davam a certidão de óbito, Acosta renasceu como a Fênix, qual "vento que, apesar de velho, continua a soprar".
Da Curva-Sul começaram a ouvir-se cânticos inspiradores que comemoravam as suas proezas e façanhas tamanhas. Sempre em crescendo, até aquele dia, o dia do juízo final, 18 de Março de 2000, em que um pobre e humilde Secretário sucumbiu no pé direito daquele guerreiro, daquele Matador.
A sorte da guerra mudou nessa batalha e o estandarte verde-e-branco ficou bem erguido na frente de outras tribos. Até ao final: a Batalha de Salgueiros.
E de Salgueiros não saímos chorões, antes em Glória, e em cortejo o povo festejou a vitória das nossas cores líderadas por aquele cruzado argentino que em boa-hora nos visitou. E, em sua memória, para sempre ecoará:
"Matador, Matador, Beto Acosta, és o nosso Matador..."
Tendo recebido um amável convite do Pedro Correia, que muito me honrou, início hoje a minha participação no ÉS A NOSSA FÉ. Desde há alguns meses a esta parte, tenho vindo a acompanhar o blog, o qual me captou a atenção pelo alto nível de Autores e pela urbanidade com que se discute o futebol, seja ele jogado nas quatro-linhas (o que mais me agrada), seja nos bastidores. Espero não deslustrar. Posto isto, aqui vai a minha declaração de interesses: sou do Sporting desde pequenino, os meus pais e irmão são do Sporting, os meus sogros, sportinguistas são, e a minha mulher e filhos, também. Não ocupando nenhum cargo público e não tendo responsabilidades em órgãos federativos ou da Liga, serei obviamente parcial.
Outra coisa é a questão da independência. Neste campo, garanto aos leitores que serei independente e não alinhado com qualquer ideia que não emane do meu próprio pensamento, o que não me impede de reconhecer que apoio, anonimamente, Bruno de Carvalho, desde a primeira hora e que lhe vejo óptimas qualidades - voltar a dar energia ao clube, será uma delas - e, também, alguns defeitos. Mas, nunca escreverei por agenda pessoal, pois nunca tive nenhum objectivo de me candidatar a qualquer Órgão Social do clube e apenas pretendo que o Sporting compreenda e vença os desafios ao seu futuro.
Estive a pensar e compartimentarei os meus comentários futuros em cinco rubricas:
- Recordar: espaço onde evocarei e homenagearei algumas das Glórias que tornaram o Sporting grande;
- Hoje giro eu:rubrica onde porei à consideração do leitor o que fariam se fossem o "manager";
- Tudo ao molho e FÉ em Deus: análise bem-humorada (vocês dirão) ao nosso onze, pós-jogo;
- Sustentabilidade: rubrica onde darei novidades sobre as contas do clube e comparativos com os outros;
- Ética: espaço que procurará interpretar os sinais que vão chegando e propor caminhos alternativos para o futuro.
Como o que nos move a todos é o futebol jogado, escolhi para inauguração a rubrica Recordar. Hoje, homenagearei Hector Yazalde, o grande Chirola, o meu primeiro ídolo, à memória de quem, primeiramente, dedico este pequena estória que escrevi, dedicatória extensível a todos os sócios, adeptos e simpatizantes do Sporting e a todos os amantes de futebol que nos visitam diariamente, na expectativa de que os mais velhos se possam rever neste texto e que os mais jovens possam conhecer quem foi este argentino de altíssimo nível futebolístico e humano. Um Senhor!
Aqui vai e desculpem qualquer coisinha: "Um anjo com cara de índio".
"O menino permanecia imóvel, como que hipnotizado, diante do imponente Blaupunkt com gravador de bobines, gira-discos e, mais importante, radio de válvulas onde se podia ouvir a BBC. Nesse dia, 31 de Março de 1974, à rádio não estava sintonizado na popular estação britânica, mas sim na Emissora Nacional. A dupla Fernando e Romeu Correia relatava um Sporting-Benfica, o último derby antes da Revolução de Abril, e a vibração da sua narrativa exercia um magnetismo ímpar no menino.
Eram 15h08 e Portugal inteiro parou: os locutores tentavam descrever, ainda incredulos, o que haviam presenciado. Hector Yazalde, o anjo com cara de índio, desafiara o impossível, qual cavaleiro alado mergulhara em voo rasante entre os pés do Monstro Humberto e do intratável Barros e, a vinte centímetros do solo, cabeceara (!) a bola na direcção da baliza. Golo!
O jogo continuaria, mas já não seria o mesmo. Naquele momento, ao minuto 8, os espectadores no Estádio sentiram-se recompensados por anos de "idas à bola". Yazalde ainda voltaria a marcar e o Benfica até acabaria por ganhar, mas o Jogo, esse, terminara há muito.
A última aparição pública de Marcelo Caetano (Abril estava mesmo ali), a ovação tremenda e, ver-se-ia, tão enganadora, foi simplesmente olvidada, menosprezada. O momento era de Yazalde, o corajoso e temerario Chirola, o Homem que nunca esquecera as suas origens humildes e que sempre que saía de um treino, presenteava todos os jovens desfavorecidos que o abordavam com tudo o que tinha nos bolsos, entretanto previamente provisionados, o colega que, uns meses depois, quando lhe atribuíram um Toyota, como prémio pela Bota de Ouro europeia, decidiu vender o automóvel e distribuir o dinheiro que daî resultou, equitativamente, por todos os colegas de equipa.
Nesse dia, todos queriam ser Yazalde, até os políticos e os capitães queriam ser Yazalde e Yazalde deixou de ser humano para se tornar um mito em Alvalade, génio impulsionado pela sua musa, a bela Carmén, a quem um dia Beckenbauer, no Lido de Paris após a cerimónia de entrega do Bota de Ouro, disse ser a mais bela de todas as mulheres de jogadores de futebol.
E, o menino? O menino imaginava aquele momento do golo, a ousadia do dianteiro, o espanto dos defesas, o desespero do guarda-redes José Henrique, o Zé Gato, que nesse transe perdera a última das suas sete vidas, sendo substituído ao intervalo por Manuel Galrinho Bento (esse mesmo). E o menino sonhava com isto tudo, estado que se prolongou por todo o Domingo.
No dia seguinte, vestiu a mítica camisola verde-e-branca, com o número 9 cosido nas costas (comprada na Casa Senna), bola na mão, e abalou a caminho da escola, confiante de que a partir daí, nada na sua vida seria impossível de alcançar. Aprendera com o melhor..."
{ Blogue fundado em 2012. }
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.