Quatro vezes mais tempo do que o presidente do Sporting.
Quando António Salvador chegou à liderança do Braga, em Fevereiro de 2003, o presidente leonino era António Dias da Cunha. Depois dele vieram Soares Franco, José Eduardo Bettencourt, Godinho Lopes, Bruno de Carvalho, a direcção interina de Torres Pereira e Sousa Cintra, agora Frederico Varandas.
Seis.
No Sporting, o passatempo preferido de muitos adeptos é o tiro ao presidente que está. Para depois vir outro que logo começa a ser alvejado desde os primeiros dias.
Há sempre um D. Sebastião qualquer oculto algures no nevoeiro. Nos últimos dias, alguns voltam a falar muito em João Benedito, que anda desaparecido há cinco anos.
Enfim, isto explica em larga medida porque vamos decaindo enquanto outros se robustecem.
Às vezes comparo muitos adeptos do Sporting aos movimentos de extrema-esquerda que a seguir ao 25 de Abril gritavam «Revolução já!» de rua em rua.
Sem perceberem que isso não era apenas utopia: era uma tontice.
Tenho a pretensão de que a culpa é de parte a parte.
Por um lado, temos o jogador. Forma-se no clube e tem uma ligação muitas vezes de mais de dez anos. Entraram enquanto putos e viveram o clube de uma forma que nós não conseguimos, por dentro. Eles sabem o que correram pela glória do clube nos seus determinados escalões.
É óbvio que os seus pais, muitos deles vindos de situações sociais e económicas totalmente complexas, assim como os seus agentes, com a ganância de contratos luxuosos que vêem em cada puto um novo Ronaldo de contratos bilionários, ficam todos na expectativa que este atinja a idade do contrato profissional, para assumirem o plantel principal e as primeiras boas coroas.
Quando começam a ser preteridos por outros jogadores que vêm de fora, começam a estudar formas de dar a volta à situação, através de vendas antecipadas pelos valores irrisórios que temos vindo a assistir. Eles, os "putos", pouco melhor sabem, confiando naqueles que os representam nas mesas de negociações.
É fácil falar de fora, que deviam ficar, dar o murro na mesa. Muitos têm pouco mais de 18 anos quando começam a ver o primeiro contrato com seis algarismos e mal sabem ainda pensar por si próprios...
Por outro lado, temos os treinadores.
Poucos são Rúben Amorim, Alex Ferguson ou Paulo Bento. São, aliás, uma raridade, os treinadores-formadores! Desta forma, para clubes formadores, como são a maioria dos portugueses, são precisos os treinadores certos para potenciar jovens.
A maior razia do Sporting veio com a contratação milionária de Jorge Jesus, consequentemente tapando a porta, à formação, da via de acesso ao plantel principal e à capacidade de valorização a curto prazo que sempre lhes cantaram ao ouvido durante anos e anos...
Assim, a porta de saída é o caminho mais rápido e, talvez, o mais fácil.
Por último, os presidentes.
Estes querem dos seus jovens o máximo rendimento possível com a sua venda. Tudo bem, nada contra. Porém, devemos ter a capacidade de perceber o ponto em que o clube se encontra, no mercado.
O Sporting tem passado por uma das suas maiores travessias do deserto. Quando algum clube estrangeiro negoceia connosco, é normal que pense que com meia dúzia de tostões nos conseguem levar todos os possíveis craques. Está lá o presidente para defender os interesses do clube, neste sentido. Não podemos é, também, deixar que um presidente perca o fio à meada e não consiga perceber o real momento da instituição.
Manter-se intransigente em exigir cláusulas de rescisão por jogadores que já estão a atingir o pico da sua performance é desmedido. Colocar cláusulas de rescisão absurdamente elevadas em jogadores que são bons mas apenas isso é perigoso, porque coloca a possível mobilidade profissional daquela pessoa em risco.
Tem igualmente de haver alguma transigência nas negociações e não emprenhar pelos ouvidos de quanto este jogador vale aos olhos dos adeptos (verdadeiros apaixonados pelo clube mas não entendidos nestas matérias).
Também queria o Bruno Fernandes a ser vendido por 120M, mas não era o valor de mercado correcto para ele, nem para o Sporting, nem para mais ninguém.
Adrien, Rui Patrício, William deviam ter saído pós-Euro'16 e mantiveram-se mais dois anos, à espera do tão propalado contrato milionário que Bruno de Carvalho tanto queria para enaltecer a sua presidência. Teve a de João Mário, mas depois foram apenas desastres atrás de desastres.
Resumindo, foi uma tempestade perfeita para termos, actualmente, "ratos", "traidores", "seres de esgoto" que estiveram às ordens do clube durante mais de dez anos mas que se viram impedidos de prosseguir as suas carreiras profissionais por desvarios e intransigências de pessoas que deviam ser profissionais.
Perderam todos, o clube também!
Texto do leitor RASR, publicado originalmente aqui.
Muitos adeptos do Sporting gastam imenso tempo nas redes sociais a falar de dirigentes e ex-dirigentes. Em comparação, pouco falam dos jogadores, o que me espanta. Em qualquer clube do mundo, só os jogadores são ídolos da massa adepta.
Mas o Sporting é diferente. Também nisto.
Não falta gente elogiando o jogador K e denegrindo o jogador W não pelo mérito ou demérito desses profissionais de futebol e do seu desempenho em campo, mas em função do nome do presidente que os trouxe para o Sporting.
Se vieram com X, só podem ser óptimos. Se vieram com Y, só podem ser péssimos. E vice-versa.
Tanta energia consumida com estas questiúnculas intestinas: dispara-se só para dentro e nunca para fora. Como se o inimigo estivesse dentro de casa. Como se todos os jogadores não fizessem parte do mesmo plantel e não trouxessem o mesmo emblema ao peito.
A crise do Sporting é também uma crise de valores, bem simbolizada nestas discussões sem qualquer sentido.
Alguém imagina, quando Héctor Yazalde chegou a Alvalade, que os adeptos perdessem um minuto sequer a debater os defeitos ou as virtudes de Brás Medeiros, o presidente que trouxe o saudoso craque argentino para o Sporting, ou a comparar esse dirigente com Homem de Figueiredo, seu antecessor na Direcção leonina?
Niinguém. O nosso interesse estava todo centrado nos jogadores, não nos presidentes ou nos vice-presidentes ou nos presidentes das assembleias gerais ou nos presidentes dos conseselhos fiscais ou nos anteriores dirigentes ou em putativos dirigentes que ansiassem ocupar futuros lugares nos órgãos sociais leoninos.
Felizmente a minha cultura clubística começou a ser forjada nessa época. Não queríamos saber quem fora o presidente responsável pela vinda do Yazalde: queríamos, isso sim, ver o argentino marcar golos. E aplaudi-lo sem reservas.
Um tempo em que o Sporting Clube de Portugal era verdadeiramente um clube desportivo (e assim ganhava campeonatos) em vez de se parecer cada vez mais com um partido político (e assim continuará sem ganhar campeonatos no futebol, esteja quem estiver ao leme).
Problema dos dirigentes, dos técnicos e dos jogadores?
Em certa medida sim, mas este é sobretudo um problema de cada um de nós. Quanto mais deixarmos o pior da política infiltrar-se no clube, mais distante ficará o sonho de um dia voltarmos a festejar o título máximo no futebol.
Na avaliação do desempenho de vários presidentes do Sporting tem havido momentos-chave que condicionam a rota posterior dos seus mandatos, marcando-os pela negativa. Todos dominados pela relação conflituosa com treinadores. Em diversos casos, pode hoje concluir-se, nunca mais se recompuseram.
Só para assinalar dois exemplos flagrantes, talvez mesmo os mais dolorosos, basta recordar o afastamento compulsivo de Malcolm Allison, em 1982, quando o técnico britânico acabara de conquistar com brilhantismo a penúltima dobradinha dos Leões, vencendo e convencendo no campeonato e na Taça, e o despedimento sumário de Bobby Robson, em 1993, a pretexto de uma derrota na Liga Europa, quando a nossa equipa liderava o campeonato.
Nem João Rocha, no primeiro caso, nem Sousa Cintra, no segundo, voltariam a recompor-se.
Mais recentemente, outros três presidentes cometeram erros lapidares na relação com os treinadores ao ponto de a partir daí terem andado a pôr remendos, em fuga para diante: de cada vez que pareciam encontrar uma solução, só arranjavam um novo problema.
Três pontos de viragem que estão aqui documentados por terem ocorrido já com este blogue em funcionamento. O primeiro, ocorrido após um ano de mandato presidencial. O segundo, quando estavam decorridos pouco mais de dois anos. O terceiro, quando ainda nem se haviam completado dois meses depois da posse.
Passo a recordá-los, pedindo-vos que me perdoem as autocitações. Creio ser por uma boa causa: só o permanente exercício da memória nos previne contra a repetição de erros semelhantes e sucessivos no futuro.
«O sinal interno que se deu foi profundamente errado. Basta dezena e meia de energúmenos, gritando frases típicas de qualquer reles arruaceiro contra os jogadores e a equipa técnica no aeroporto de Lisboa, para fazer tremer a direcção, levando-a a afastar o treinador e tornar letra morta todos as garantias de continuidade proferidas nos últimos meses. Isto incentiva o pior dos populismos. Energúmenos deste género já levaram outras direcções a rescindir com Bobby Robson e José Mourinho, entre outros técnicos de indiscutível craveira. Se a moda pega, noutro dia qualquer os mesmos indivíduos voltarão a gritar impropérios com o objectivo de atrair as câmaras televisivas e fazer cair o presidente praticamente em directo nos telejornais. E talvez até tenham sucesso.»
«Parece cada vez mais evidente que Marco Silva não permanecerá no Sporting após 31 de Maio. Se vencer a Taça de Portugal, como todos desejamos, a sua saída será um erro colossal da direcção leonina, aparentemente pronta a afastar o único técnico que se prepara para nos dar um título em futebol profissional desde o já longínquo ano de 2008 (quando Paulo Bento conquistou igualmente a Taça de Portugal, seguida da Supertaça). Um erro somado a tantos outros. (...) O experimentalismo contínuo, que não permite sedimentar processos de jogo e modelos tácticos nem criar verdadeira empatia entre adeptos e equipas técnicas, tornou-se lei comum em Alvalade. A instabilidade não vem de fora, vem de dentro.»
«Não sendo ingrato, deixo aqui uma palavra de apreço pessoal ao único treinador que na hora mais difícil se dispôs a encabeçar uma missão quase impossível enquanto outros assobiavam para o lado. Sai como bode expiatório da primeira etapa do pós-brunismo, agora encerrada. A que vai abrir-se - sem atenuantes nem desculpas - é toda do presidente, já sem o treinador de Cintra a servir-lhe de pára-choques. Lenços nas bancadas, haverá sempre - ao menor pretexto. Faz parte da autofagia leonina, reforçada pelo contexto em que emergiu o actual elenco directivo no Sporting. Talvez num futuro próximo possam até multiplicar-se, encorajados pelo que sucedeu na madrugada de hoje, pouco depois de uns quantos acenos de despedida num estádio quase vazio para uma prova que nos é praticamente indiferente.»
Assim pensarão, nesta altura, José Eduardo Bettencourt e Godinho Lopes.
O primeiro, por até ontem ser o autor do pior investimento de sempre do Sporting, Sinama Pongolle. Frederico Varandas supera agora a marca com a aposta, em 10 milhões, num jovem técnico ainda sem o curso de treinador completo e sem uma volta completa na 1ª Liga. É obra!
O segundo, pela gestão desastrada que pauta o mandato de Frederico Varandas. Godinho ainda teve o tino de trazer para a estrutura Jesualdo Ferreira, que ao pé de Hugo Viana...
José Eduardo Bettencourt e Godinho Lopes tiveram o assomo de consciência de não sentirem reunidas as condições e apoio social para cumprirem o respectivo mandato, precipitando eleições.
A Frederico Varandas e respectiva equipa pede-se igual humildade. É que, neste momento, os superiores interesses do Sporting estão feridos de morte.
A sistemática convulsão interna provocada por algumas centenas de sócios, como o ‘Movimento Dar Futuro’, apenas beneficia a concorrência directa.
É verdade que a presente época desportiva do futebol profissional está a ferir o orgulho dos sócios e simpatizantes sportinguistas, mas não é com movimentos para revogar uma direcção eleita há apenas um ano e meio que se chega ao paraíso.
Olhando para a concorrência, onde Pinto da Costa está à frente do Porto há 37 anos e Luís Filipe Vieira há quase 17 anos no Benfica, verificamos que a estabilidade dá frutos. Só nos últimos 20 anos, o Porto conquistou 10 campeonatos de futebol profissional e o Benfica ganhou sete. Já o Sporting, nos últimos 20 anos conseguiu eleger seis presidentes e foi campeão uma única vez.
É verdade que por vezes é necessário interromper um acto legislativo como foi o caso de Bruno de Carvalho, pois os acontecimentos de 15 de Maio de 2018 são imperdoáveis e iremos pagar a factura ainda durante muitos anos. Agora a direcção de Frederico Varandas, que muitas vezes tem em mim uma voz crítica, herdou um tsunami financeiro e um clube que está fora da estrutura que manda no futebol, dominado pelo Benfica e pelo Porto.
Não é preciso ser vidente para perceber que movimentos de instabilidade, como é o “Dar Futuro”, são um autêntico tiro no pé. Este tipo de guerrilha é a verdadeira razão pela qual o Sporting se pode manter no pântano por muitos mais anos.
Eu voto pela estabilidade apesar desta direcção não me satisfazer, pois acredito que só a paz pode devolver o equilíbrio financeiro e permitir que o Sporting volte a ter peso na estrutura do futebol para não ser marginalizado.
É preciso estabilidade, dinheiro e dar tempo ao tempo para voltar a viver tempos de glória.
Reparem no que acaba de acontecer no Brasil: em dois dias consecutivos o Flamengo conquistou a Taça Libertadores e sagrou-se vencedor do campeonato desse país. Em ambos os casos pondo fim a jejuns muito prolongados.
Na hora de celebrar estes triunfos, quem foi vitoriado e aplaudido com toda a energia do mundo pela massa adepta? Os jogadores do Fla, como Gabigol, Bruno Henrique, Arrascaeta, Diego Alves, Arão e Rafinha. E, claro, o treinador Jorge Jesus.
Viram alguém andar com o presidente do clube ao colo? Claro que não: os dirigentes, nestes momentos, ficam sempre em segundo plano. As estrelas não são eles, mas os artistas do relvado e quem os orienta nos treinos e nos jogos.
É uma anomalia haver quem pense e aja de maneira diferente, idolatrando presidentes e relegando os jogadores para o fim da fila. Só vejo disso em Portugal.
Fica a lista, abrangendo os dez últimos presidentes (deixo de fora, propositadamente, Torres Pereira, que exerceu a função interinamente, no Verão de 2018, à margem da época futebolística).
Amado de Freitas (1986-1988)
Supertaça 1987
Jorge Gonçalves (1988-1989)
Nada
Sousa Cintra (1989-1995)
Nada
Pedro Santana Lopes (1995-1996)
Taça de Portugal 1995
Supertaça 1995
José Roquette (1996-2000)
Campeonato 2000
António Dias da Cunha (2000-2005)
Supertaça 2000
Campeonato 2002
Taça de Portugal 2002
Supertaça 2002
Filipe Soares Franco (2005-2009)
Taça de Portugal 2007
Supertaça 2007
Taça de Portugal 2008
Supertaça 2008
José Eduardo Bettencourt (2009-2011)
Nada
Godinho Lopes (2011-2013)
Nada
Bruno de Carvalho (2013-2018)
Taça de Portugal 2015
Supertaça 2015
Taça da Liga 2018
Frederico Varandas (desde 2018)
Taça de Portugal 2019
Taça da Liga 2019
Breves conclusões:
- Quatro destes presidentes (Gonçalves, Cintra, Bettencourt e Godinho Lopes) não venceram qualquer título no futebol profissional;
- Apenas dois dos últimos dez (Roquette e Dias da Cunha) viram o Sporting sagrar-se campeão nacional de futebol;
- Os dois presidentes com mais títulos conquistados foram Dias da Cunha e Soares Franco, ambos com quatro;
- Ao longo deste período, ganhámos dois campeonatos, seis Taças de Portugal, sete Supertaças e duas Taças da Liga;
- No total, só 17 troféus no futebol profissional desde o fim da longa presidência de João Rocha (1973-1986). À média de meio troféu por época. Na última década, apenas cinco.
Não há conquistas duradouras sem estabilidade nem equilíbrio. Tudo quanto não existe no Sporting.
Mais de vinte treinadores desde o início do século. Dezasseis nos últimos dez anos. Vamos no quarto só na era Varandas. E vamos no terceiro presidente em 14 meses.
Já se ouvem por aí gritos para surgir um quarto presidente, vindo sabe-se lá de onde - talvez de uma recente derrota eleitoral. E também para aparecer outro treinador já depois deste, que seria o sétimo desde Maio do ano passado (Jesus, Mihajlovic, Peseiro, Fernandes, Keizer, Pontes e esse tal).
Desculpem-me o desabafo: às vezes parece haver sessões contínuas de alucinação no nosso clube. Só o que gastámos nestes quase 20 anos em indemnizações a treinadores despedidos dava para contratar o Messi.
"Quando vencemos o último campeonato o presidente era aquele gajo alto, não era nada era o da cabelo branco, esse foi o do Paulo Bento forever, pá, não ganhou nada, acho que era este, o que está agora, o Cintra, não foi nada, esse foi antes, vê aí na net... não dá pá, não há rede aqui"
[o restaurante fica numa cave e gosto de lá ir por esse motivo, uma hora sem telemóvel]
Assistia entre o divertido e o intrigado aquela discussão/debate de ideias; quatro sportinguistas entre os 25 e os 35 anos, nenhum deles sabia sem recurso à net quem foi o presidente vencedor do último campeonato.
Faz-nos pensar ou não?
[o restaurante é num bairro popular de Lisboa, relativamente, perto dum núcleo do Sporting e com uma clientela que vai desde os operários da construção, aos aspirantes a músicos tatuados e a uns poucos (muito poucos) engravatados que laboram nas redondezas]
{ Blogue fundado em 2012. }
Siga o blog por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.