Uma diferença que não vi ser muito acentuada no jogo que disputámos sábado passado: de um lado, o do Sporting, a equipa entrou em campo com sete titulares portugueses; do outro, o da equipa insular, o onze inicial incluía sete brasileiros. Até no comando técnico das duas equipas esta diferença era notória: treinador português no Sporting e brasileiro no Marítimo.
A revolução tranquila que tem vindo a processar-se no Sporting também passa por isto: prioridade ao mérito e à competência dos profissionais portugueses. Tanto a treinar como a jogar. Porque é possível e desejável, também no futebol, confiar nos valores nacionais. Queremos fazer a diferença igualmente neste plano. Não por acaso, fomos o clube que contribuiu com mais profissionais dos seus quadros para a conquista do recente campeonato que inscreveu o nome de Portugal na nobre galeria dos campeões da Europa.
Este bem podia ser um texto sobre os efeitos da nata dos pastéis de Belém à bulha com os efeitos da farinha dos lados de carnide. Mas é mais uma reflexão sobre o adepto português e vá... ser lampião. O velho do Restelo é uma personagem popular, presente n'Os Lusíadas. Este velho não acredita na fortuna dos navegadores portugueses, acha que vão falhar. Não vão conseguir. Talvez no seu pensamento afundassem a uns escassos metros da costa. Contudo, olho este personagem de uma perspectiva diferente. Uma coisa é o que diz, e outra o que pensa. Tão certo no português, como o Camões ser cego de um olho. E esta é uma bela comparação. Acabamos por não ver bem a realidade onde vivemos. O olho bom faz-nos achar que isto vai ser a bela de uma desgraça. O olho da pala é aquele que nos permite imaginar, o que representa o sonho que todos temos: o sucesso de Portugal e dos portugueses. A derradeira conquista da grandiosidade. Seja como nação, seja na selecção. A taça de um Europeu ou de um Mundial não é mais do que a revelação do V Império no futebol. A união de todos os povos num plano espiritual que os aproxima - transmutando isto para "futebolês" - a união do mundo do futebol em torno do virtuosismo tão bem patente na alma lusa. É tudo muito bonito, mas duvido que o Camões, o Padre António Vieira, o Pessoa ou o Agostinho da Silva legitimassem esta comparação. Mas a verdade, mutatis mutandis, podemos fazê-la para esta finalidade. Sendo assim, os velhos do Restelo continuam tão actuais sendo necessários no futebol e no quotidiano. São eles que alertam, duvidam, mas no fim esperam conformar-se, dizer que estavam enganados e festejar a glória lusitana. Seja pela conquista d'Além mar, seja pelo excesso de bagagem de um caneco na mala.
E perguntam-se, "que raio tem isto que ver com os velhos de Carnide?". E perguntam bem! Velhos de Carnide é uma figura que arranjei de forma a categorizar o adepto da Selecção com origem e natureza lampiã. Parece doença. Há doutrina que a considera. Eu dou o benefício da dúvida, dado que a minha cor é o verde. Ora o velho de Carnide, sendo adepto lampião, é um tipo eufórico. Acha que ganha tudo antes de jogar. Acha que tem os melhores de sempre. Acha que tudo está conta eles, mesmo quando andam todos a favor. Acha que tem um Deus lá no meio do campo, e como é omnipresente e omnipotente está na calha. Gosta de cantar os primeiros dez minutos e com sorte lá pelo 70 (desculpem, ri-me), ou no final do jogo se estiver a ganhar. Acha que não existe equipa nenhuma comparável à sua. Mas aqui reside o problema. É que isto ocorre constantemente antes de começar uma competição. Assim que se inicia - perdendo ou empatando uns jogos - a euforia dá lugar à depressão, os cânticos aos apupos, os elogios à culpabilização, as manchetes dos jornais a linchamentos em horário nobre. E se é assim no clube, e sendo o clube com mais adeptos, a conclusão é lógica: é assim com a equipa das Quinas. Com algumas nuances, é certo. Porque o ódio torna-se ainda mais visceral quando o Sporting não só é a casa-mãe do melhor jogador do mundo (Cristiano Ronaldo, para os mais esquecidos), como é igualmente responsável pela formação de quase metade da equipa. Eles ficam na bolha deles. Deitam culpas a todos, pensando que faltava o Deus deles a jogar e tudo seria diferente, uma vez que os Deuses dos outros não valem chavo.
Revela-se assim o velho de Carnide - o verdadeiro radical da descrença. O puro adepto bipolar que povoa grande parte de Portugal. Infelizmente é este o retrato da nossa realidade. Engraçado será ver, se formos à final ou caso vençamos o Euro, que estes vão ser os primeiros a encher praças, quando antes andaram a encher-nos os ouvidos de baboseiras. É esta a dualidade permanente em que vivemos. De um lado os velhos do Restelo, talvez a expressão da prudência que nos falta à coragem da aventura. Do outro os velhos de Carnide como expressão da falta de prudência existente e do euforismo acéfalo. Enquanto assim for andaremos entre o céu e o inferno. Faltando "cumprir-se Portugal".
Não são só as vitórias. É também a maneira como vencemos. Convencendo.
E é ainda o facto de ganharmos valorizando os jogadores portugueses.
Sábado à noite, no nosso sexto triunfo consecutivo no campeonato, entrámos em campo com sete jogadores nacionais: Rui Patrício, João Pereira, Paulo Oliveira, William Carvalho, Adrien, João Mário e Gelson Martins. Cinco deles formados na nossa academia.
Quatro jogadores do Sporting têm agradado particularmente a Jorge Jesus, segundo relatam repórteres que acompanham a equipa nesta primeira digressão da pré-temporada, na África do Sul:
- Adrien
- André Martins
- Gelson Martins
- Paulo Oliveira
É um bom indício.
Porque nós, sportinguistas, não queremos apenas conquistar novos troféus. Queremos conquistá-los mantendo o essencial da matriz do clube, que passa pela contínua valorização de jogadores formados na Academia de Alcochete. E pela aposta em profissionais portugueses.
Duas faces da mesma moeda.
Leonardo Jardim fez isso em 2013/14, lançando William Carvalho e Carlos Mané na equipa principal.
Marco Silva também fez isso em 2014/15, lançando João Mário e Tobias Figueiredo na equipa principal.
Jorge Jesus vai percorrer igualmente este caminho. É o que todos esperamos.
O mérito não é apenas vencer a Taça de Portugal. É vencê-la com uma equipa em que os jogadores portugueses estão em clara maioria: sete titulares e dois suplentes utilizados. Sete desses nove formados na nossa academia.
Supertaça Europeia, disputada em Cardiff entre duas equipas espanholas. Dos 22 jogadores que entram em campo, cinco são portugueses - e três deles formados na academia de Alcochete, proclamando-se sportinguistas com muito orgulho.
Quem são os cinco portugueses? Cristiano Ronaldo (autor dos dois golos), Fábio Coentrão e Pepe pelo Real Madrid; Beto e Carriço, pelo Sevilha.
Conclusão: houve muito mais portugueses nesta final europeia do que aqueles que entraram em campo no último jogo da pré-temporada do FC Porto. Um zero absoluto.
Pero Vaz de Caminha, na sua carta a D. Manuel, relata assim o primeiro encontro entre portugueses e americanos no Brasil: "Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram". Eh pá, eu cá não repetia a técnica.