O Borges que não é de Mirandela, nem viaja de autocarro.
Um Borges argentino que escreve, escrevia.
"El poniente de pie como un Arcángel
tiranizó el sendero
La soledad repleta como un sueño
se ha remansado al derredor del pueblo
Las esquilas recogen la tristeza
dispersa de las tardes. La luna nueva
es una vocecita bajo el cielo
Según va anocheciendo
vuelve a ser campo el pueblo"
Gosto do anoitecer.
Gosto de pensar no anoitecer de amanhã.
Gostaria que amanhã o campo fosse povoado, fosse povo.
Gostaria que amanhã não houvesse tristeza dispersa, que o sonho encha o campo, que seja um grande jogo de futebol.
Que amanhã seja dia de campeão, não de pinhão, nem de Pinheiro.
O Borges que é de Mirandela, anda no autocarro da equipa e não é mágico nem poeta, disse isto na conferência de imprensa.
Eu vi Abril em festa (nasci em Abril)
Abril, Abril, vestido de verde.
Deus quer.
O Sportinguista sonha.
A má arbitragem não nasce.
(a ver vamos)
Adenda (às 23H45)
O Sporting ganhou o jogo apesar do sr. Dias e do sr. Godinho
Alcateia de leões?
O novo jornalismo, o jornalismo que aprendeu os substantivos colectivos com o bando do bosque e o bando do mar (pingo doce).
A primeira imagem é do Record de hoje, p. 13, a segunda foi obtida no sábado, FC Porto e Sporting defrontavam-se num "campo neutro", a terceira é o extracto de um poema de Fernando Assis Pacheco, jornalista e escritor, a sério.
(a emoção do título é minha, o Sporting a perder, o mundo a arder, há dias que correm mal, muito mal)
Deixa-me lá abalar
Jogar futebol é um risco
Eu não quero acabar
Cuma lesão no menisco
Sinto-me falsificado
Mole da contrafacção
Sinto-me desperdiçado
Quero no peito o leão
Sinto-me cópia pirata
Da pessoa que já fuim
Não sou aristocrata
Mas na bola não sou ruim
Deixa-me lá abalar
Jogar futebol é um risco
Eu não quero acabar
Cuma lesão no menisco
Estou uma versão de mim
Jogador comó Buarque
Eu preciso do Amorim
Pra voltar a fazer arte
Leão desprovido de garras
Preso a uma tela de papel
Amorim ou me agarras
Ou vou jogar padel
Deixa-me lá abalar
Jogar futebol é um risco
Eu não quero acabar
Cuma lesão no menisco
Ando em bibelot armado
Um yes man, um sim senhor
Ainda não estou acabado
Posso jogar muito melhor
Quero ir pró Sporting
Ser goleador implacável
Marcar golos não é boring
É uma sensação formidável
Deixa-me lá abalar
E seguir o meu destino
No Sporting quero jogar
Ou então eu desatino
... de Cristiano Ronaldo, A. M. Pires Cabral tem um poema em que podem rever:
«VIOLA NO SACO
Mil luzes acendi - e a radiosa
escuridão prevaleceu intacta.
Mil palavras disse - e o silêncio
reboou nas longas arcadas sombrias.
Mil passadas dei - e o que estava longe
não ficou um milímetro mais perto.
... ... ... ... ... ... ...
Conclusão: é tempo de meter, meu caro,
a viola no saco.»
Cabral, A. M. Pires - Frentes de fogo . Lisboa: Tinta-da-china, 2019. p. 28
É jogar p’ra conquistar!
Quatro bastam, cinco são.
Porque quase não ganhar
Faz perder o coração!
Começou com tremideira.
Foi penoso o seguimento.
E apitadice matreira
Em jogo de sofrimento.
Esforço e dedicação,
Resistir e combater,
Crença e determinação,
Não quebrar e não ceder!
Rebentar com a Pedreira
Em rugido de leão.
Grita a equipa inteira:
«O Sporting quer ser campeão!»
Dário rima com Mário
Mário rima com Dário
João rima com campeão
João, campeão, Dário, também
(é uma rima pobre, a poesia moderna não rima, esperemos que seja nostrodâmica ou bandárrica, vá)
Estendi na relva, na areia e na lama, associações de treinadores e treinadores de todas as cores.
Deverá ser este o espírito do homem do leme, terá de ser este o espírito da malta da nossa nau, hoje, na "terra" do Luís Lisboa.
... uma palavra do universo sportinguista, vista por Louise Glück, Prémio Nobel de Literatura 2020.
«UM MITO DE DEVOÇÃO
Decidido a amar aquela rapariga,
Hades construiu-lhe um duplicado da terra,
tudo igual, até o prado,
mas com uma cama no meio.
Tudo igual, incluindo a luz do sol,
pois não seria fácil a uma rapariga nova
passar tão bruscamente da luz intensa à completa escuridão.
Aos poucos, pensou ele, faço entrar a noite,
primeiro as sombras das folhas agitadas.
Depois a lua, depois as estrelas. Depois sem lua, sem estrelas.
Que Perséfone se habitue lentamente ao escuro.
No fim, pensou ele, ser-lhe-á reconfortante.
Uma réplica da terra,
mas com uma excepção: amor.
Não é amor o que toda a gente deseja?
Ele esperou muitos anos,
construiu um mundo, observou
Perséfone no prado.
Perséfone, que amava os cheiros, os sabores.
Quem tem um apetite, pensou ele,
tem todos.
Não é o que toda a gente deseja sentir à noite —
o corpo amado, bússola, estrela polar,
ouvir a respiração tranquila, que significa
estou vivo, que significa ainda
estás vivo, porque me escutas,
porque estás aqui comigo. E quando um se volta,
volta-se o outro também —
Era o que ele pensava, o senhor das trevas,
ao contemplar o mundo que
construíra para Perséfone. Nunca lhe ocorreu
que já nada haveria ali para cheirar,
muito menos para comer.
Culpa? Terror? Medo de amar?
Nada disto podia ele conceber;
nenhum amante o concebe.
Ele sonha, pergunta-se que nome há-de pôr àquele lugar.
Primeiro pensa: O Novo Inferno. Depois: O Jardim.
Finalmente decide chamar-lhe
A Mocidade de Perséfone.
Uma luz ténue ergue-se acima do prado liso,
por detrás da cama. Ele toma-a nos braços.
Deseja dizer-lhe amo-te, nada te ferirá
mas compreende
que é mentira, e acaba por dizer
estás morta, nada te ferirá
o que lhe parece
um começo mais auspicioso, mais verdadeiro.»
Poemas de Louise Glück traduzidos por Rui Pires Cabral
In: Telhados de vidro, n. 12, maio 2009. Lisboa: Averno, 2009. pp. 79 - 81. ISSN: 1646-334-X
«Tudo é tão caro!
Como afinal a vida.
Pedes que te dê
quanto não tenho
para comprar-te.
Se nada pedes
apenas por que eu veja,
nem mesmo com possuir
eu poderei pagar-te.
27/5/1951 »
Complemento ao texto, infra, de Pedro Oliveira .
In: SENA, Jorge – 40 anos de servidão . Lisboa : Edições 70. 1989. p. 69
A noiva já de noiva, a noiva já na igreja
e tu não encontras os atacadores!
Já viste na caixa dos sobejos, na mão dos bocejos? Já viste na gaveta da cómoda? Já viste nas pregas da imaginação?
Ganha os campos, foge, precede-te a ti mesmo como um homem legalmente espavorido por anos de critério, sê repentino como um menino!
Convém-te não encontrar os atacadores?
Há noivas que esperam até murcharem as flores, noivas de pé, muito brancas e já a fazer beicinho…
Procura… Procura sempre, pobrezinho!... Procura mas não encontres os atacadores…
Nem sempre para beijar o véu da noiva são necessários muitos atacadores.
Será que Šporar, Luiz Phellype e TT (Tiago Tomás) não são suficientes?
(Capela de São João Baptista, Esposende)
Ó meu rico São João
O Sporting é o nosso grande amor
Faz do leão campeão
Assim te peço com fervor
"Se trocava o Vinícius pelo Bas Dost? A resposta é um redondo [vocábulo?] não. (...) o Vinícius tem uma abrangência maior em termos de jogo [ai tem, tem, consegue dar porrada com as mãos, consegue fazer entradas a partir joelhos; tem uma abrangência maior, nisso eu e José Gomes estamos de acordo]
Julgo que a luta será até ao fim" [e foi mesmo, no fim do jogo Vinícius depois de ter agredido por duas vezes Acuña ainda teve forças para tentar partir a perna a Jefferson] .
Do braço foge a tresloucada mão
O que restará de ti, homem triste, que não seja a tua tristeza. Fruto sobre a terra morta. Não pensar, talvez... Caminhar ciliciando a carne
E o homem vazio se atira para o esforço desconhecido. Impassível. A treva amarga o vento (...) e o seu crime é cruel, lúcido e sem paixão.
Para memória futura.
Um treinador e o seu labirinto, um treinador que coloca uma pressão incompreensível num jogador, um jogador que não conseguindo provar com futebol a sua "categoria", passa um jogo a agarrar, a esmurrar [daí o Murrais do título] e a pontapear os colegas de profissão.
O QUINTO IMPÉRIO
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz —
Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.
Grécia, Roma, Cristandade,
Europa — os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?
Fernando Pessoa
Este domingo é ao mesmo tempo o primeiro dia da semana e o último do ano.
Votos de um excelente 2018 para todas as pessoas que caminham pela vida sem subornarem e sem se deixarem subornar.
Termino com a partilha de um poema (ligeiramente adaptado por mim).
Afligem-me os pássaros que voam
quando as árvores já não são suas.
A biografia do coração
raramente esquece a queda das folhas.
E o que é o voo para lá do Outono?
Não me digam para guardar
o vento na garganta
ou que as tempestades
são retratos de um hospício.
A vida ensinou-me,
a verdade é um felino
e a hierarquia das garras
só o tempo a sabe.