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És a nossa Fé!

A voz do leitor

«Peyroteo jogou no tempo em que o sistema táctico dominante era o 2x3x5. O futebol vivia para o golo. Actualmente, os sistemas tácticos têm um pendor muito mais defensivo. Sem pretender beliscar a memória de Peyroteo, até porque, sem nunca o ter visto jogar, o meu pai ensinou-me a gostar dele, não tenho qualquer dúvida de que os números de Cristiano Ronaldo são muito difíceis de alcançar, desde logo o facto de estar há 20 anos na ribalta do futebol.»

 

António Goes de Andrade, neste postal

Peyroteo e Fábio Vieira

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Peyroteo faria hoje 105 anos, o mais eficaz goleador de sempre e, provavelmente, o melhor jogador africano de todos os tempos.

Para Peyroteo bons remates eram aqueles que faziam a bola entrar na baliza, os outros eram maus.

O futebol mudou muito.

Hoje bons remates são quase todos, tentar sacar faltas é valorizado, tentar jogar bem é suficiente para se ter a nota máxima.

O jogador do Arsenal com nota mais elevada n' A Bola foi Fábio Vieira [FV]e o que fez ele: "tentou agitar a direita do meio-campo", tentou mas não conseguiu, digo eu. "Bons remates aos 50' e 64'", bons remates, zero golos. Já a simular faltas, FV esteve muito bem, ao nível de Taremi. "Coates não fez falta sobre FV [23'] que voou para relvado, originando o contacto com o central do Sporting", ficou um amarelo por mostrar, acrescento eu. "FV provocou o contacto com Diomande [87'] que estava parado e nada fez para infringir. O médio foi reincidente " , segundo amarelo e expulsão perdoados.

O que diria Peyroteo a um "jogador" como Fábio Vieira?

A 9 de Setembro de 1940...

... era noticia:

Sporting-Athetic Aviacion_1940.jpg

«Abertura da temporada

Os campeões de Espanha foram batidos facilmente

Sporting, 5 [Peyroteo (2), Cruz (2) e Pireza] - Athetic Madrid, 1[Pruden]

 

A jornada de abertura da época de 1940-41 ainda que revestida de importância pela natureza dos contendores, não forneceu a luta que se esperava.

A equipa visitante não chegou para criar dificuldades ao Sporting.

Os campeões da Liga de Espanha evidenciaram falta de preparação. O conjunto raras vezes ligou com entendimento e faltou energia- e folego para impor andamento vivo, que pelo menos costuma ser a nota saliente da primeira meia-hora destes jogos de abertura.

O futebol espanhol acusa ainda o efeitos das provações que os seus homens passaram durante a guerra. Todos os sectores da actividade do País vão a caminho da recuperação desejada, mas notam-se claramente as dificuldades a vencer para conseguir tal objectivo.

Não é de estranhar por isso que o Athletic não tenha podido corresponder á expectativa.

Além das dificuldades acima indicadas, fez-se sentir tambem com nitidez o handicap do terreno duro.

O Campo do Lumiar parecia um court de tenis.

Habituados aos terrenos de relva, os jogadores visitantes mostraram-se notavelmente embaraçados no primeiro quarto de hora.

Foram lentos, dominando a bola com dificuldade. despachando mal e levantando o jogo em demasia.

Ao intervalo havia 1-0, mas só a falta de remate do ataque do Sporting não permitiu que a diferença fosse mais expressiva.

Na segunda parte o jogo teve um pouco mais de animação.

O Sporting fez três goals de enfiada no breve espaço de três minutos e sete minutos depois o marcador passava para 5-0.

Como havia ainda mais de vinte minutes por jogar supôs-se que os visitantes iriam sofrer- desaire mais pesado, mas precisamente nessa altura, em vez de se entregarem os homens do Athletic reagiram com vontade e equilibraram melhor a partida.

Aproveitando faltas de actuação da defesa do Sporting os madrilenos apresentaram-se algumas vezes em frente da baliza de Azevedo, e com mais segurança no remate podiam ter ido além do ponto de honra que conseguiram marcar a cinco minutos do fim.

Sob a arbitragem de Carlos Fontaínhas, os dois grupos alinharam os seguintes elementos:

Athletic: Guiilermo; Mesa (cap.) e Cabo: Gérman e Escudero; Enrique, Arencibia, Gabilondo (no segundo tempo Urquidi), Muñoz (substituído por Pruden, aos 25 minutos, por se ter magoado), Campos e Vazquez.

Sporting: Azevedo; Barrosa (substituído aos 20 minutos por Rui de Araújo) e Cardoso; Paciência, Gregório e Marques; Mourão (cap.), Ferreira, Peyroteo, Pireza e Cruz.

 

* * *

 

O Sporting levou a bola à baliza do adversário logo na primeira descida, e podia ter feito um goal logo ao primeiro minuto. Peyroteo fez uma boa fuga pela ponta direita, centrou com boa conta, mas Mourão e Cruz falharam lamentavelmente o remate só com o guarda-redes na sua frente.

Azevedo só aos dez minutes entrou em acção para defender um bom tiro de Muñoz.

Na altura do primeiro quarto de hora, uma mão intencional de Mesa, a cortar um passe perigoso, forçou o arbitro a assinalar uma grande penalidade que Cruz não soube transformar, apontando por forma que Guillermo pôde mergulhar por terra e defender.

O único goal do primeiro tempo foi marcado aos 20 minutos por PEYROTEO.

Centro bem medido de Cruz e entrada oportuna de cabeça do avançado-centro do Sporting. A bola faz tabela no poste e segue ao seu destino, surpreendendo o guarda-redes que se lançou já atrasado.

A sete minutos do intervalo, o interior esquerdo espanhol. Campos, tentou um remate a cerca de trinta metros, apanhando Azevedo desprevenido. A bola bateu na barra, ficou quasi sobre a linha, mas não entrou.

Perto já do intervalo houve ainda um remate perigoso de Pruden, que Azevedo defendeu com dificuldade.

Os primeiros dez minutos do segundo tempo foram mornos e pareciam indicar que o resultado não se desnivelaria muito não obstante a superioridade demonstrada pelo- Sporting.

O Sporting animou-se porém com um segundo goal marcado per CRUZ ao doze minutos e fez mais dois a seguir, o terceiro aos treze minutos novamente por CRUZ e o quarto por PIREZA aos quinze minutos.

Os dois goals do extremo esquerdo do Sporting foram magnifico«. O primeiro do lado esquerdo e com o pé direito, imparavel. O segundo, apontado quasi da extrema direita-onde aparecera como por encanto - com o pé esquerdo, remata a cair sobre d angulo da baliza e em que Guillermo teve grandes culpas.

Mas se os dois goals de Cruz tinham sido fartamente aplaudidos, o de Pireza, com um excelente remate à entrada da área, mereceu plenamente a ovação que o público lhe dispensou.

O quinto e último goal do Sporting marcou-o PEYROTEO aos 22 minutos, aproveitando uma fase à boca das redes, com a bola abandonada.

Mourão deu o toque e Peyroteo confirmou, barrando bem a entrada de Mesa.

Aos 30 minutos, o avançado-centro espanhol é carregado pelas costas dentro da grande área, mas o arbitro não atende as justas reclamações dos visitantes.

Cinco minutos tiepois Vázquez foge bem, faz um excelente cruzamento ao seu colega da direita, mas Enrique, com a baliza vista, perde a oportunidade.

Finalmente aos 40 minutos, e novamente em fase iniciada por Vázquez - o mais perigoso avançado do Athletic - surge o único goal dos visitantes.

Vázquez fez o lançamento da bola da linha lateral e o avançado-centro PRUDEN, mal marcado pela defesa do Sporting, pode acercar-se da baliza e rematar com boa direcção. Azevedo nem esboçou sequer a defesa.

 

* * *

 

O Athletic acusou pouco treino, estranhou o terreno e alguns dos seus homens não estão devidamente apetrechados sob o ponto de vista de condições físicas.

Não devemos esquecer, na apreciação do seu trabalho, as grandes dificuldades que a Espanha atravessou e está ainda atravessando.

O guarda-redes GUILHERMO. embora com culpas em dois dos goals sofridos, mostrou valor e decisão

MEZA é seguro, mas está pesado demais. Sustentou hem o embate com Peyroteo. Pouca direcção no shot. Levantou muito a bola.

COBO fraquito. Na linha de médios falou a experiencia de GERMÁN, que deu boa luta ao trio central, e teve algumas aberturas bem vistas aos extremos, sobretudo a Enrique, mas de que este não soube tirar partido.

GABILONDO foi o que melhor bateu a bola em terreno duro, e foi o elemento que mais nos agradou na defesa.

ESCUDERO e URQUIDI, ambos diligentes, foram dos mais uteis,

Na linha de ataque VÁZQUEZ foi o mala efectivo e o mais perigoso. Domina bem a bola e sabe centrar.

CAMPOS deve ter estado abaixo do seu normal, porque não correspondeu ás referencias

que temos lido a seu respeito.

MUNOZ e PRUDEN denunciaram shot fácil, mas o fraco rendimento do conjunto não lhes permitiu pôr mais vezes à prova essa qualidade.

ARENCIBIA serviu por vezes com precisão, revelando bom domínio de boia, mas não se mostrando muito afoito na luta de perto.

ENRIQUE foi o mais fraco dos avançados. Recebeu muito jogo em excelentes condições - pois o defesa contrário deu-lhe muitas largas-mas não soube dar-lhe o necessário seguimento. Em vez de caminhar para a baliza voltava atrás, para passar com o pé esquerdo, impondo assim um compasso de espera que só favorecia a colocação da defesa do Sporting.

 

* * *

 

O «onze» lisboeta fez uma partida multo aceitável para começo de época.

Na defesa os melhores elementos foram Azevedo, Cardoso e Gregorio.

Rui de Araújo ainda cumpriu multo satisfatoriamente. quando entrou a substituir Barrosa (reserva).

Na linha da frente o extremo esquerdo Cruz foi o mais valioso. Peyroteo esforçado ao máximo, mas muito vigiado pelos adversários e vitima da standardização do sistema de ataque do Sporting, em que lhe cabe sempre tarefa igual.

Pireza com o mesmo assombroso domínio de bola. mas por vezes lento demais, travando um pouco o ataque.

Ferreira esteve pouco feliz a passar, fazendo gorar por isso -algumas descidas.

Mourão podia ter tirado mais partido do defesa fácil que defrontou.

 

RIBEIRO DOS REIS»

 

In.: Os Sports. dir. Raul de Oliveira, nº 2395 de 9 de Setembro de 1940.

Africano de cor branca e verde

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Ontem, José Manuel Delgado, falava de Muller e a propósito (ou a despropósito) veio Eusébio à baila.

Não se percebe a razão.

Para falar de um avançado eficaz no clube e na selecção que não andou a saltitar de emblema em emblema como Muller, Delgado deveria, teria de ter referido Peyroteo.

Os números de Peyroteo tanto na selecção como no clube são esmagadores quando comparados com Eusébio.

Peyroteo no Sporting; 332 golos em197 jogos, média 1.68 golos por jogo; na selecção, 14 golos em 20 jogos, média de 0.70 golos por jogo.

Eusébio no Benfica, 715 golos em 727 jogos, média 0.98 golos por jogo, na selecção, 41 golos em 64 jogos, média 0.64 golos por jogo.

Será Peyroteo alvo de uma espécie de racismo ao contrário?

(o e-mail de Delgado está aí, para quem quiser dizer ao sr. José Manuel que os sportinguistas não andam a dormir)

As armas e os campos assinalados

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Ao contrário do que se pensa a iniciativa de atribuir nomes aos campos não foi inventada por este presidente nem por esta direcção.

Não me recordo de ter existido nenhuma polémica em 2017, apesar de como constatamos, na imagem, Câmara Municipal de Lisboa parecer mais importante que Sporting Clube de Portugal e o apoiante, o comissionista de honra de Luís Filipe Vieira; Fernando Medina, parecer mais importante que o (na altura) presidente do Sporting Clube de Portugal; Bruno de Carvalho.

Como vemos se a ideia for guerrear encontramos sempre argumentos.

"E cada qual no seu campo, em cada campo uma flor, a ver a banda passar cantando coisas de amor"

Como se dizia em Maio do ano que nasci: Faz amor, não guerra (make love not war)

75.º aniversário d'«A Bola»

Hoje o jornal «A Bola» celebra o seu 75.º aniversário.

Permitam-me que vos deixe aqui um texto de um dos seus fundadores e figura maior do futebol português: Cândido de Oliveira. Trata-se do texto que prefacia o livro «Memórias de Peyroteo».

 

«Fernando Peyroteo foi, sem dúvida, o nosso mais extraordinário avançado-centro. Não terá sido porventura o avançado-centro mais popular, por nunca ter jogado no Benfica que é, sem dúvida, o clube de maior projecção nas camadas populares, tanto por ter sido desde a sua origem um clube restritamente português, outro tanto, se não ainda mais, por adoptar a camisola vermelha, a cor que exerce mais demorada e mais agradável sensação na retina do espectador. Mas, sem ter sido tão popular como Vitor Silva e Espirito Santo (dois excelentes jogadores da mesma posição, ambos do Benfica) conseguiu ser, na opinião geral, o mais notável de todos os avançados- centro devido à sua extraordinária propensão para a tarefa Principal desse posto, e que é, como sabemos todos, o poder de remate à baliza. Bastará recordar que durante a sua carreira de jogador do Sporting e da equipa nacional, carreira que foi prematuramente interrompida, ele marcou 700 golos -uma enormidade! E se ele tem continuado a jogar, como podia e devia ter sucedido, alcançaria por certo o magnifico record de um milhar de golos!

Realmente, Peyroteo retirou cedo de mais devido a um conjunto de circunstâncias que não vem ao caso referir. Possuía apenas trinta anos e, como se diz na gíria do futebol, tinha tudo bom. Efectivamente, estava então não só na plena posse das suas excepcionais faculdades atléticas mas possuía, ao mesmo tempo, uma integridade funcional e técnica absoluta, resultante não só da experiência adquirida, mas do facto invulgar, em futebolistas e sobretudo em avançados-centro, de não ser portador de qualquer das lesões articulares ou musculares que tradicionalmente inferiorizam o jogador a partir de certa idade ou de longa permanência no jogo.

Fernando Peyroteo, deixou de jogar pouco tempo depois de termos dado por finda a nossa missão no Sporting, como orientador da equipa, que foi chamada dos cinco violinos. A saída de Peyroteo, como não podia deixar de ser, afectou notavelmente a capacidade realizadora da linha de ataque e os dirigentes sportinguistas pensando, generosamente, que o nosso regresso poderia traduzir-se por um acréscimo de poder da equipa, no decurso dum jantar oferecido pelos corpos gerentes ao malogrado Dr. Ribeiro Ferreira, solicitaram-me que regressasse à equipa. Sinceramente convencido de que não era a falta da nossa colaboração a causa dos insucessos, manifestámos a impossibilidade de anuir à solicitação, ao mesmo tempo que acentuámos: “ Vão buscar o Peyroteo, que é, afinal, o que mais está faltando à equipa - e tudo se recomporá!” Esta solução, ao que parece, não foi ou não era muito viável, Fernando Peyroteo não voltou ao jogo e, com ele, desapareceu do nosso futebol - da equipa do Sporting e do onze nacional - a peça mais influente do ponto de vista dos resultados!

Pouco tempo adiante Peyroteo realizou a “festa de despedida” e coube-nos a dura tarefa de dizer algumas palavras, nesse momento, em jeito de elogio… fúnebre! Não temos, agora, possibilidade de reler o que então dissemos, mas na nossa memória perdura, e perdurará sempre, a lembrança de havermos dito: “Muitos anos hão-de passar antes de surgir no nosso futebol um avançado-centro com as excepcionais qualidades técnico-atléticas de Fernando Peyroteo”!

Já vão decorridos quase dez anos e, sem menosprezo pelos seus sucessores no onze nacional e no onze de clube, ainda não se vislumbra um jogador à altura de preencher cabalmente o seu posto, revelando um idêntico poder de remate e uma tão portentosa propensão para marcar golos - de qualquer forma! Repetimos, esta observação não deve ser entendida como traduzindo menos apreço pelas qualidade técnico-atléticas dos raros ávançados-centro de boa qualidade que o nosso futebol tem possuído desde que Peyroteo desapareceu dos campos de futebol. Não. Por exemplo, José Águas, outro angolano como Fernando Peyroteo, tem sido sem dúvida, quando em plena forma, um excelente avançado-centro, com um poder, facilidade e precisão de remate muito apreciável, mas - eis a questão! - ainda não atingiu o conjunto de qualidades (especialmente poder de remate, poder atlético e endurance) que celebrizaram Peyroteo e o tornaram, a um tempo, o maior inimigo dos guarda-redes e o avançado mais policiado pelos jogadores de defesa.

Dez anos depois de ter “arrumado as botas de futebol” Fernando Peyroteo, à maneira dos grandes internacionais, decidiu-se a reunir em livro as suas memórias de futebolista e desejou, amavelmente, que fôssemos nós a escrever algumas palavras em jeito de prefácio.

Desejamos confessar a nossa satisfação pelo encargo e só lamentamos que este contributo em nada valorize o seu livro de memórias, que aliás está apresentado Por si próprio, dada a projecção do seu autor nas camadas desportivas nacionais, as quais não podem, decerto, deixar de aguardar com viva curiosidade uma obra recheada de sugestivas evocações da afortunada carreira futebolística do nosso mais notável avançado-centro. A nossa anuência, por isso mesmo, não possui outro significado que não seja manifestarmos de novo a nossa sincera e constante admiração pelo talento futebolístico de Peyroteo, o jogador português mais notável como avançado-centro que conhecemos até hoje - e desde os tempos já muito distantes “ das balizas às costas”!

As memórias de Peyroteo, por certo, não podem ser, acima de tudo, uma alta afirmação de pendor literário-desportivo, ò que aliás também acontece com os livros de memórias de alguns jogadores ingleses de grande nomeada, apesar de não poucas vezes, quanto a estes últimos, esses livros não terem dispensado a colaboração literária de jornalistas desportivos… E no caso de Peyroteo, foi ele próprio que delineou a obra e redigiu integralmente as páginas que vão decerto surpreender agradável mente o leitor, quanto mais não seja pelo magnífico repositório de factos, de episódios, de lembranças e de ideias originais que o enformem.

Dentro das suas caracteristicas particulares, que admiravelmente reflectem o temperamento e o espírito do autor, as memórias de Fernando Peyroteo são tão aliciantes que, não temos a menor dúvida, hão-de prender tão vivamente a atenção do leitor que o livro será lido numa verdadeira galopada. E para esse verdadeiro êxito muito há-de contribuir a circunstância de Fernando Peyroteo ter moldado o seu livro, de sorte que ele ganha aqui o aspecto de pura biografia e logo a seguir surge um aspecto novo, de evocação de factos e episódios vividos, a lembrança dum jogo, dum golo, dum pequeno incidente, duma saborosa anedota, de tudo um pouco, e sempre com uma nota atraente de cunho pessoal, sadio e jovial.

Este livro de Fernando Peyroteo resiste vitoriosamente a um confronto com os livros semelhantes publicados pelos mais notáveis jogadores de outros países. Nenhum conhecemos mais susceptivel de cativar o espírito dos afeiçoados do futebol e de o suplantar pela originalidade ou pela escolha de motivos capazes de provocar interesse, curiosidade ou, até, um bem humorado sorriso.

A figura de Peyroteo, como futebolista e, mais, como homem de desporto, não sai diminuída sob qualquer aspecto deste seu esplêndido livro que, estamos certo, constituirá o que, em síntese, costuma chamar-se um autêntico êxito de livraria.

Em resumo: a leitura deste curioso e valioso livro de memórias de Fernando Peyroteo há-de contribuir também para se perceber melhor a sua figura de avançado-centro de classe excepcional, as suas ideias pessoais sobre o jogo, os casos e os homens do futebol e, mais ainda, há-de fazer compreender que, realmente, há motivo para deplorar que ele não tivesse prolongado a sua portentosa carreira de jogador até ao limite das suas magníficas e invulgares faculdades futebolísticas!

Finalmente, há que agradecer-lhe a lembrança deste livro que permite reviver com frequência e amplidão a figura do avançado-centro n.º 1 de Portugal - até ao presente!

 

Cândido de Oliveira»

 

In: Peyroteo, Fernando - Memórias de Peyroteo. 5ª ed. Lisboa : [s.n.], 1957 ( Lisboa : - Tip. Freitas Brito). pp. 9-12

 

<< Memórias de Peyroteo (32)

Os melhores golos do Sporting (29) - A

Alda Teles na sua escolha sobre os melhores golos do Sporting, refere aqueles que Peyroteo marcou contra o Leça num jogo ocorrido a 22 de Fevereiro de 1942.

Lamenta-se o Pedro Correia, no comentário que deixou, «não haver registo filmado desses golos».

Numa ida a uma biblioteca pública lembrei-me de solicitar a leitura de um jornal da época para ver o que sobre esse jogo foi escrito. Deixo aqui a transcrição.

 

Para a Alda e para o Pedro.

 

"No Lumiar

Os «Leões» esmagaram o adversário e fizeram goals para todos os paladares: Sporting, 14 – Leça, 0.

 

O sacrifício dos clubes de menos valor, ante o Sporting, continuou ontem com o Leça… 14 goals sem resposta – e é tudo quanto haveria a dizer do desnível entre algumas equipas que concorrem à prova e, mais concretamente, da diferença entre o Sporting e os de Leça da Palmeira.

Peyroteo o magnífico avançado-centro da equipa nacional, fêz só por si nove «goals» - para todos os gostos. Refastelou-se com o 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 12.º e 14.º ou seja, quatro no primeiro tempo e cinco no segundo.

Que dizer, repetimos, desta avalanche de «goals»?

É na verdade difícil segurar os avançados leoninos, a jogar em campo largo, com os recursos técnicos de que dispõem e poder de remate que supera de longe os de qualquer outra equipa. É difícil, na verdade. Mas é incontroverso que o volume dos resultados conseguidos pelo Sporting ante certas equipas só é possível porque êsses mesmos adversários estão longíssimo de poderem corresponder ao esfôrço que lhes exige um prova dura como é o Campeonato Nacional, e longíssimo, também, do valor necessário a tal emprêsa.

O Leça e está precisamente nestes casos. É possível que a equipa valha alguma coisa no pequeno campo que possue na linda vila que lhe dá o nome e que suba mais ainda quando o grupo dos seus adeptos a acarinhe e ampare. Mas – só isso. A jogar fora de casa, contra as equipas mais qualificadas, há-de sofrer resultados esmagadores ou, quando não os sofra, terá que levantar as mãos aos Céus…

Equipa atlèticamente bem constituída – talvez a mais forte depois da dos campeões – joga, contudo, o futebol embrionário que fêz as delícias da nossa gente há uns bons vinte anos.

Em tôda a tarde, a equipa não desenhou um ataque em forma, qure [sic] dizer, nem uma única vez conseguiu fazer perigar as rêdes de Azevedo. Pode até dizer-se, sem faltar à verdae, que o resultado seria igual se Azevedo lá não estivesse.

Claro – desta forma o Sporting não teve a mais ligeira preocupação. Para tudo ainda ser mais fácil, fêz o seu primeiro «goal» ao primeiro minuto e levou a mesma vida descansada e a fazer «goals» até ao último minuto de jôgo. Peyroteo, como dissemos, fêz nove dos catorze tentos. Soeiro, fêz dois (o 1.º e o 5.º); Daniel, de recarga, também molhou a sôpa (10.º); Canário, fêz outro o (11.º) e, finalmente o defesa Cardoso, à falta de outro trabalho que lhe exigisse, fêz o penúltimo da série.

O ataque sportinguista foi, como não podia deixar de ser, a formação mais em evidência no terreno. Ante um adversário temeroso do seu grande nome, os dianteiros leoninos embrulharam constantemente a defesa dos visitantes sem que fôsse necessário grandes pressas e grande esfôrço. Jogaram com tôda a naturalidade – e bem. Mourão e Cruz foram, a nosso ver, os melhores, logo seguidos de Canário. Peyroteo fêz nove «goals» - muito mais, portanto, do que era sua obrigação.

Os médios acompanharam de perto o ataque e deram jôgo jogável, constantemente. Daniel vai-se afirmando dia a dia o jogador que a equipa precisava. Paciência e Marques, bem.

Os defesas e Azevedo – descansaram.

O Leça foi inferior – talvez, mesmo inferior a si próprio. Jaguaré, na balisa [sic], foi impontente para evitar a mais severa derrota que o grupo terá obtido até hoje.

Os restantes nada fizeram que mereça referência.

 

Os «teams» alinharam:

Sporting: Azevedo; Rui e Cardoso; Paciência, Daniel e Marques; Mourão, Soeiro, Peyroteo, Canário e Cruz.

Leça: Jaguaré; Godinho e Waldemar; Juca, Elísio e Rocha Lino; Chelas, Nini, Lúcio, Quecas e Joaquim.

Arbitrou o sr. Palma Soeiro – com pouca felicidade.”

 

In. STADIUM, n.º 513, 23 de Fevereiro de 1942. p. 5.

 

--

 

Ilustra esta peça jornalística uma fotografia com a seguinte legenda: “SPORTING – LEÇA – Mais um «goal» do Sporting, o 6.º, obtido por Peyroteo sôbre passe de Cruz…”

Nesta foto podemos observar um jogador do Leça em plano de fundo vestido «à Sporting» enquanto Peyroteo, sendo a foto - naturalmente - a preto e branco, aparece com um camisola em tons de cinza - presumo verde, calções e meias pretas.

A estreia de Peyroteo

Com a devida vénia ao Rui Miguel Tovar, autor do livro Fome de Golo, de onde é extraído o texto seguinte:

“...Está lançado, o rapaz. E o Sporting, já agora. A estreia dá-se a 12 de Outubro de 1937, nas Salésias. É um Benfica-Sporting para o torneio triangular. Szabó liga os pés a Peyroteo com gesso e dá a receita: «Muita atenção, sinhores: a avançado-centro jogar Fernando. Rapaz novo, não ter experiência de jogo. Sinhores mais velhos ajudar para ele, bem de clube. Não fazerem malandragem. Não ter graça nenhum. Brincadeira custar dez por cento para sinhores. Atenção de jogo, sinhorés.» Resultado? Cinco-três para o Sporting, com dois golos de Peyroteo. «Embora não tivesse feito um grande jogo, nem outra coisa seria de esperar em campo relvado, que pisava pela primeira vez, botas com pitons, que nunca usara, e companheiros que quase não conhecia, também é verdade que não fiz aquilo a que se chama figura de urso.» 

Inicia-se a lenda.”

In “Fome de GOLO, Os grandes goleadores do futebol português”, de Rui Miguel Tovar

 

Post scriptum:

- o treinador do português macarrónico era József Szabó;

- uma estreia com vitória de sabor especial... como o que sentimos na passada 4.ª feira!

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Memórias de Peyroteo (32)

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«ALGUNS ESTÁGIOS DA EQUIPA NACIONAL DE FUTEBOL

 

Fui convocado vinte vezes para fazer parte da nossa Selecção Nacional de Futebol, facto que me deu tempo de sobejo para apreciar como se cuidava da preparação da nossa equipa, com vista aos jogos internacionais.

Nomeado o seleccionador, eram-lhe prometidas todas as facilidades de modo a cumprir-se o plano de trabalhos estabelecido. Porém, escolhidos e convocados os jogadores para iniciarem os treinos de conjunto, surgiam as primeiras dificuldades: alguns dos jogadores, alegando razões de vária ordem, não compareciam, e outras vezes eram os próprios clubes a não os dispensarem, receosos de que os rapazes se aleijassem ou, mesmo, para não quebrarem o ritmo de preparação e treino da equipa do clube. E se compareciam à “chamada”, antes disso eram aconselhados a não se empregarem a “fundo” a fim de evitarem qualquer lesão…

Por tudo isto e, ainda, por outros motivos que me dispenso de referir, as sessões de treino da Selecção Nacional eram efectuadas utilizando meia dúzia (?) de jogadores tidos como “indiscutíveis”, de mistura com suplentes e, não raras vezes, para se formar equipa, recorria-se a elementos do chamado “grupo treinador”.

Decorridas umas escassas semanas de treinos quase todos realizados neste jeito, a equipa nacional seguia para o estágio, que tanto importava ser num magnífico hotel do Estoril ou Sintra, como na Colónia de Férias do Pessoal das Companhias Reunidas Gás e Electricidade, na Venda do Pinheiro.

Tantas vezes fiz parte da Selecção Nacional que, afastado dela há meia dúzia de anos, não experimento a mínima dificuldade em descrever o regime seguido nesses estágios, no respeitante às sessões de preparação física, treinos de futebol, alimentação, alojamento, etc. Com ligeiras alterações de ano para ano, o programa era mais ou menos este:

Das 8 às 9 - Ginástica;

Das 9,30 às 11,30 - Passeio - marcha (footing);

Das 12 às 13, aproximadamente - Almoço;

Das 13,30 às 15,30 - Descanso;

Às 15,30 - Passeio - marcha;

As 19 - Jantar

Das 22,30 às 23 horas - Recolher (deitar e silêncio…)

E cumpria-se? - perguntará o leitor. Eu conto: nos dias de treino de conjunto, a ginástica fazia-se no próprio campo de jogo, e porque não estavam presentes todos os componentes da equipa, impossível se tornava ensaiar esquemas de jogo-de resto o grupo representativo do nosso futebol ainda não estava escolhido e entrava-se naquilo a que eu chamava “o vira da Selecção”: trocava-se o extremo direito pelo esquerdo, substituia-se agora um médio, o defesa central passava depois para a ala direita, o interior esquerdo passava para extremo por troca com um “provável”, o defesa direito “virava” para a esquerda e, terminado este magnífico treino de conjunto, “virávamos” todos para o balneário, sendo a última volta do vira dada no sentido do hotel, porque o treino havia “puxado a reacção” para o almoço e a rapaziada tinha um apetite devorador… Após o almoço, os seleccionados descansavam; das 15,30 às 19 horas davam um passeio a pé e o regresso coincidia com a hora do jantar.

Recordando os bons tempos passados, vejamos qual a constituição normal das refeições, ou melhor, qual o regime alimentar e como se comportava e o que fazia a rapaziada durante as horas… vagas.

Por estar mais vivo na memória, tomarei por exemplo o que se passava na Venda do Pinheiro, onde o Pedro - excelente rapaz e óptimo mestre de cozinha - nos deliciava com os mais saborosos e bem apresentados manjares.

Esquema do horário de trabalho, refeições e sua composição

 

8 horas da manhã; - quadradinhos de chocolate e… uma hora de corta-mato, no decorrer do qual fazíamos alguns exercícios de ginástica. A seguir, quem achava conveniente fazia a barba e tomava um duche, mas também se podia lavar simplesmente a cara e ficar prontinho para o pequeno almoço, constituído por café com leite, pão com manteiga, compota, fruta ou sumo de laranja e, se o “cliente” quisesse, podia (em vez de tudo isto ou depois de tudo isto) pedir umas fatias de carne assada ou fiambre…

Depois do pequeno almoço, organizava-se um torneio de basquetebol ou voleibol entre equipas formadas, geralmente, por elementos do Sporting, Benfica e Belenenses. Os jogadores dos outros clubes, por serem em número reduzido, não chegavam para formar conjuntos, ficando como suplentes às outras equipas e, os restantes, enquanto duas turmas disputavam o renhido jogo, ora faziam “claque*’, ora contavam anedotas brejeiras para fazer rir os mais sizudos ou, alheando-se dos jogos, passeavam, pacatamente, pelas redondezas do edifício. A paródia acabava pouco antes do meio dia, para dar tempo aos preguiçosos que ainda não tinham feito a barba e, aos outros, para lavarem as mãos.

O almoço constava, invariavelmente, de:

Peixe: assado, frito ou cozido, acompanhado de batatas ou saladas de alface, tomate, etc. Às vezes surgia a riquíssima “bacalhoada com todos”;

Carne: bifes com batatas fritas, carne guisada com batatas ou assada, ou de qualquer outra maneira - ao gosto, talvez, do nosso Pedro, e que bom gosto ele tinha!!!

Como sobremesa, salvo erro, queijo, frutas várias e, por vezes, doce. Seguidamente, um cafezinho que, ou era servido - se assim se desejasse - na sala de jantar ou, então, a rapaziada ia ao café da terra tomá-lo. Depois, cada qual fazia o que lhe desse na real gana. Uns dormiam uma soneca, outros ouviam telefonia; havia um que “arranhava” umas coisitas no piano, jogava-se o loto e, às vezes, muito às escondidas - com uma sentinela a espreitar, não viesse alguém que proibisse e castigasse - jogavam o burro americano a “feijões sonantes” ou “papéis verdes de vintes”…

As 15,30 íamos para o pinhal e, logo que podíamos, sentávamo-nos à sombra das árvores e fazíamos… crítica! Ali é que era ouvir dizer mal - e bem… pudera não! - do regime dos estágios, de alguns dirigentes do futebol, dos males de que sofria - e infelizmente ainda sofre - o nosso desporto favorito e, como diria um espanhol, “de outras cosas más... Fervilhavam anedotas, trocávamos impressões sobre jogos passados e os futuros, recordávamos os marotos dos árbitros e chegávamos quase sempre à conclusão de que todos os jogos perdidos se deviam às más actuações dos homens do apito!!!

Se do passeio voltávamos relativamente cedo, ainda havia quem, antes do jantar, bebesse um sumo de laranja, comesse uma ou duas bananas, ou então, numa visita à cozinha, o bom Pedro sempre arranjava uma “sandwich” de qualquer coisa boa e apetitosa. Entretanto, o relógio marcava as 19,30. Ao jantar tínhamos sopa, um prato de peixe e outro de carne, frutas e doce. Mas se alguém não tivesse gostado do peixe ou da carne, arranjava-se outra coisa. Ovos? Uma “tortilha”? Ordem para a cozinha e o Pedro executava-a sempre de bom grado, prontamente. Quanto ao vinho, servia-se em garrafinhas individuais de três decilitros, mas porque uns bebiam pouco ou nada, os outros - alguns, claro - aproveitavam os restos e ainda as garrafinhas dos jogadores que, por qualquer motivo, faltavam às refeições. Entenda-se, no entanto, que não se exagerava na bebida. Depois do jantar, uma nova visita ao café, tomava-se uma “bica”, acompanhada de uma bebida mais forte - por estarem habituados a isso - jogava-se uma partidinha de bilhar e… vamos embora porque já são dez e meia. Às 11 horas, mais ou menos, a rapaziada entrava nas camaratas, não para dormir porque ainda era cedo - lá em casa deitavam-se mais tarde… -e havia muito que fazer… Por exemplo: endireitar a cama, que aparecera posta ao contrário; fazê-la de novo porque o lençol estava à “espanhola”, ou colocar os ferros no seu lugar para não darmos um trambulhão, pois a cama estava posta em “sentido” !!! Aos que tinham a infelicidade de adormecer rapidamente, pintavam-se-lhe façanhudos bigodes. Aí por volta das onze e meia, estando já alguns rapazes com apetite, enviava-se um emissário ao amigo Pedro, e lá vinham umas “ Sandwiches” de carne assada (segundo se afirmava, alguns rapazes, lá em casa, estavam habituados à ceia).

Na camarata dos “sportinguistas”, o Jesus Correia era o “apaga a luz”, porque o interruptor estava junto da sua cama. Aí por volta da meia noite o Necas fazia funcionar o aparelho por ordem do nosso “capitão de equipa”, e à excepção de um travesseiro vindo do “exterior” ou do “interior” que atravessava, pelo ar, a escuridão do quarto para cair em cima de um pacato futebolista, o “resto era silêncio”…;

Passou-se um dia na Venda do Pinheiro; no outro…”vira o 'disco e toca a mesma”- como por lá se dizia!

É verdade que nem todos os estágios decorreram do mesmo modo, não sendo minha intenção criticar agora o que se fazia há meia dúzia de anos. Tudo isto serve apenas para ilustrar a minha discordância com alguns estágios da Selecção Nacional - tal como se faziam no meu tempo, não lhe encontrando outro benefício que não fosse o de permitirem a cura de mazelas físicas, o que, diga-se desde já, era muito pouco… E por não concordar com eles, fui alvo dos mais desencontrados comentários, alguns mais picantes e salgados do que os suculentos cozinhados confeccionados pelo Mestre Pedro!

A minha ausência causava engulhos não só a alguns jogadores como, também, a uns tantos dirigentes e ao público que, por ser o “Zé Pagante” dos campos da bola, se julgava no direito de criticar os meus actos, aliás sem curar de saber dos motivos do meu procedimento. Claro que os colegas, dirigentes e alguns adeptos do futebol que, directamente, me falavam no caso, ficavam completamente esclarecidos e, no geral, acabavam por me dar razão.

O pomo da discórdia resumia-se nisto: “Pois se os outros seleccionados vão para o estágio, porque não havia de ir eu?” Diziam-me em tom de conselho ou censura: “Não vês que a tua atitude pode não ser compreendida pela grande maioria dos teus companheiros de equipa e daí resultarem desentendimentos entre vocês todos? E se todos procedessem como tu, o que sucederia?”. E foi exactamente por pensar nos efeitos da reação de alguns colegas, que estive quase um mês num hotel do Estoril - um mês de almoços e jantares opíparos, porque o resto do dia era absorvido, em Lisboa, pelos meus afazeres verdadeiramente profissionais-eu e outros companheiros de equipa. Foi, ainda, pela mesma razão que estive vários dias na Venda do Pinheiro - duma vez quinze dias seguidos. De resto, ia para estágio à quarta ou quinta-feira, para “acamaradar” com a rapaziada, fazer ambiente e regressava à segunda-feira.

Se, naquele tempo, pudesse responder clara e publicamente à observação-censura…”e se todos procedessem como tu, o que aconteceria?” - responderia apenas isto: era o melhor que poderia suceder à equipa! Explico porquê: em minha modesta opinião que, claro está, poderá não ser a melhor e mais acertada, tal como decorriam alguns estágios da Selecção Nacional de Futebol, eram prejudiciais aos jogadores e, consequentemente, à equipa nacional. Seguia-se uma orientação a todos os títulos inadequada, imprópria e, por vezes, até condenável, nos capítulos da higiene alimentar e preparação atlética, independentemente de ocorrerem outros factores não menos condenáveis e que, por razoes bem compreensíveis, não desejo relembrar.

Apresentava-se como razão fundamental dessas concentrações da equipa nacional a necessidade de submeter os jogadores a uma raciona] e cuidada preparação físico-atlética, por se entender, talvez, que nos seus clubes os jogadores não eram rodeados dos cuidados indispensáveis. Mesmo que assim fosse, era lógico pensar-se que chegariam quinze ou vinte dias de estágio para se conseguir tão almejado e útil fim? Em meu entender, não. E para melhor se preparar a equipa nacional, seria benéfico sujeitar os jogadores, durante quinze ou vinte dias, a um regime de treinos inteiramente diferente daquele que lhes era imposto nos seus clubes? Creio também que não. Mesmo que os responsáveis pela preparação da equipa nacional considerassem enfermiça, defeituosa ou insuficiente a preparação dos jogadores nos seus respectivos clubes, seria aconselhável aumentar, intensificar, forçar a preparação atlética dos seleccionados nos quinze dias que durava o estágio e antecediam a realização de um jogo de futebol com a responsabilidade de um encontro internacional? Salvo melhor e mais abalizada opinião, eu discordo! Se pelo contrário, nos seus clubes os jogadores estivessem sujeitos a preparação considerada violenta - o que, na verdade, não se verificava - seria aconselhável fazê-la baixar, repentinamente, no curto prazo de quinze ou vinte dias? Creio que não. A indiscriminada higiene alimentar, a sobrecarga nesses quinze dias, não seria propícia a desequilíbrio orgânico, más digestões, aumento ou diminuição de peso - por vezes inconvenientes? Creio que sim.

Todos nós sabemos o que nos acontece quando, uma vez por outra, vamos jantar fora, num hotel ou restaurante. A mudança de ambiente, a profusão de luzes, o movimento, os pratinhos com rolinhos de manteiga espalhados sobre a mesa, a convidativa apresentação das travessas onde nos é servido o peixe ou a carne, a gentileza dos criados, tudo, enfim, contribui para que nessa noite de paródia se coma e beba mais do que é normal. Aos rapazes escolhidos para constituírem a Selecção Nacional de Futebol, acontecia a mesma coisa, quando entravam em estágio.

Ninguém se convence, nem eu quero insinuar, que os rapazes, só pelo facto de haver muito e bom, apanhavam indigestões ou bebiam em demasia. Nada disso, entenda-se. Apenas se passava com eles aquilo que acontece a qualquer cidadão pacífico que, uma ou outra vez, muda de ambiente, janta ou almoça fora de casa e, mercê de variadíssimos factores concorrentes, ultrapassa a bitola normal.

Do que não me restam dúvidas - sendo este o meu ponto discordante - é que o conjunto de circunstâncias verificado nos estágios, alterava, repentinamente, os hábitos dos jogadores, facto que, quanto a mim, não gerava benefícios. Quase se pode dizer que quando o indivíduo começava a aclimatar-se ao novo regime, quer dizer, quando desapareciam os efeitos do período transitório, realizava-se o jogo e findava o estágio. Claro que em quinze ou vinte dias muito pouca coisa útil se pode fazer e alguma coisa se fez nalguns períodos de estágio - mas, na maioria deles, a “mecha não dava para o cebo”…

Na realidade, os seleccionados disfrutavam, roesse lapso de tempo, de comodidades excepcionais, vivendo quinze dias como se lhes tivesse saído a sorte grande. Dispor de quarto com casa de banho anexa; descansar após o almoço, comodamente sentado num confortável “maple” de hotel de primeira classe, situado na maravilhosa Costa do Sol; gozar de mesa farta e, por fim, tomar o café no “hall” do hotel, servido por criados fardados, tudo isto, na nossa terra, constitui luxo dispensável, sobretudo para se atingir o fim em vista, com o estágio de atletas. É que a brusca transição prejudica em vez de beneficiar. Admite-se, porém, que aos jogadores fossem oferecidas todas essas comodidades, sobretudo no tocante a alojamentos: bom quarto e boa cama. Contudo, embora muitos jogadores saibam cuidar de si próprios relativamente à higiene alimentar, esse importante pormenor não pode, nem deve, deixar-se ao critério do atleta. Porquê? Não vejo necessidade de repetir algumas passagens do que atrás deixei escrito.

Ora, eu evitei sempre desfrutar de tantas comodidades. Preferi manter a disciplina, a regra, o método que a mim próprio impus, no meu modesto lar, durante todo o tempo em que pratiquei desporto, e confesso não estar arrependido ainda hoje.

Fui censurado e a minha atitude comentada em vários tons. Afinal, de que lado estava a razão?

Também, enquanto joguei futebol, fugi sempre dos “banquetes” logo após o jogo entre as duas equipas. Tal facto, claro, como não podia deixar de ser, deu ocasião aos mais desencontrados e azedos comentários… E por que não gostava eu de assistir a tais festanças? Di-lo-ei em poucas palavras: depois de hora e meia de esforço físico, de tanta emoção, de tanto desgaste de nervos, não me parecia aconselhável sentar-me a uma mesa e vá de comer uma sopa de camarão, uns filetes de pescada com molho de “mayonaise”, escalopes de vitela com batatas salpicadas, muito bem temperadinhos, etc., tudo isto regado a bom vinho. Depois café e conhaque; aos brindes, espumante, licores e outras bebidas que tais…

Não, amigos. Depois dos jogos… o melhor será uma refeição cuidada, higiénica, em nossa casa, em sossego, em ambiente limpo do fumo de bons cigarros e óptimos charutos…

É certo - e já o afirmei - que o jogador deve saber cuidar de si, pelo que, nos “banquetes de confraternização”, deveria limitar-se a comer pouco e beber pouco também, ou, mesmo, nada. Creio que isso seria tarefa algo difícil. É que sempre aparece quem nos convide a brindar pela Suíça - se o jogo foi com os helvéticos e… um “Arriba Espana” é inevitável… O melhor é não ir lá…»

 

In: Peyroteo, Fernando - Memórias de Peyroteo. 5ª ed. Lisboa : [s.n.], 1957 ( Lisboa : - Tip. Freitas Brito). p 203 - 2011

Faz hoje um ano

 

Fernando Peyroteo nascera exactamente cem anos antes. Foi o maior goleador de sempre do futebol português.

Deixei aqui a evocação, nesse dia 10 de Março de 2018:

 

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«Vencedor de cinco campeonatos nacionais, quatro Taças de Portugal e sete campeonatos de Lisboa para o Sporting. Disputou 393 jogos com a camisola leonina em 12 épocas (1937-49), tendo marcado 635 golos (média de 1,61 por jogo, imbatível até hoje). Ao longo da carreira disputou 432 jogos marcando 700 golos (1,62 por jogo). Só no campeonato nacional de 1947/48 marcou 43 - recorde que durou mais de um quarto de século, até aos 46 golos de outro sportinguista, Yazalde, no campeonato 1973/74.

Fernando Peyroteo jogou vinte vezes pela selecção nacional, marcando 14 golos. É, ainda hoje, o português com melhor média de golos na selecção: 0,7 por jogo.

Outros máximos:

- É o jogador português com mais golos registados na história do nosso campeonato: 331.

- Foi ele quem mais golos marcou desde sempre num só jogo do campeonato: nove contra o Leça, em Fevereiro de 1942.

- Autor de mais golos consecutivos numa só partida do campeonato: cinco ao Vitória de Guimarães, também em Fevereiro de 1942.

- Marcou quatro golos num só jogo 17 vezes.

- Marcou cinco golos num só jogo 12 vezes.

Foi um dos melhores do mundo da sua geração. E só não se distinguiu ainda mais no capítulo internacional devido à II Guerra Mundial (1939-45).

Merece o Panteão, ninguém duvida.»

Memórias de Peyroteo (31)

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«PORTUGAL - ESPANHA

Portugal, 1 - Espanha, 1

Estádio Nacional 20-3-49

 

Equipa Portuguesa: - Barrigana; Virgílio, Felix e Serafim; Canário e Francisco Ferreira; J. Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano.

 

No Jornal “A Bola” de 21-3-49, acerca deste Portugal - Espanha, Ribeiro dos Reis escreveu o seguinte:

“O encontro de ontem no Estádio Nacional foi um autêntico jogo de “Taça” a eliminar, em que a vitória se busca por todos os processos, legais ou ilegais, aceitáveis ou condenáveis. Houve de tudo: a entrada violenta ou com o pé ao alto para magoar; a agressão clara a pontapé, depois da bola já passada: “queimar” tempo com bolas para fora do rectângulo, provocar a demora na execução dos castigos, não se colocando à distância regulamentar; ficar estendido no rectângulo, a simular acidente grave, para gastar tempo ou enganar o árbitro sobretudo em lances desenrolados na área de grande penalidade. Houve, até, descortesias, perfeitamente dispensáveis quando dos lançamentos da linha lateral. Em ambiente desta natureza, não é possível jogar bem”.

Não me parece necessário acrescentar muita coisa - ou mesmo nada - ao comentário do distinto jornalista Ribeiro dos Reis e meu prezado amigo. Em poucas palavras ficou tudo dito. Sim, porque dum jogo em que impera a maldade e a descortesia, apenas se deveria exigir uma derrota para cada equipa.

Enfim, um encontro para esquecer !!!

Fui eu o autor do golo do “team” Nacional. De resto… nada mais fiz digno de registo neste Portugal - Espanha de péssima recordação … E como foi este o meu último jogo internacional, não poderei dizer que fechei com “chave de ouro” a minha carreira na equipa das “cinco quinas”…»

 

In: Peyroteo, Fernando - Memórias de Peyroteo. 5ª ed. Lisboa : [s.n.], 1957 ( Lisboa : - Tip. Freitas Brito). p 203

Memórias de Peyroteo (30)

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PORTUGAL - ESPANHA

Estádio Nacional 11-3-94

Resultado: 2-2

 

A 11 de Março de 1945, fiz o meu segundo jogo contra a Espanha e o sétimo na ordem cronológica de internacionalizações. Novamente empatámos a duas bolas mas, desta vez, não houve dúvidas e registou-se, justamente, que fui eu o autor dos dois golos da equipa portuguesa.

Este jogo Portugal - Espanha seria o primeiro encontro internacional a disputar no nosso magnífico Estádio Nacional e, como sempre, a população dos dois países viveu mais um grande acontecimento desportivo. Duas semanas antes do desafio já não havia bilhetes e os próprios jogadores se viram embaraçados para conseguir satisfazer as “encomendas” dos amigos. Para servir pessoas amigas que não acreditariam na minha impossibilidade de arranjar bilhetes, fui obrigado a socorrer-me de um contratador “amigo” que, por muito favor, me vendeu duas bancadas a cem escudos cada uma!…

O mesmo entusiasmo e espectativa dominavam os adeptos do futebol.

A nossa selecção perdeu uma boa oportunidade de ganhar à Espanha porque, desta vez, realmente, os espanhóis' nos enviaram uma equipa de fracos recursos, embora no país vizinho se dissesse que ela estava em óptimas condições, composta por elementos de classe e categoria comparáveis aos grandes Zamora, Langara, Regueiro, Quincoces, etc. Viriam a Lisboa jogadores capazes de realizar uma exibição demonstrativa do incontestável valor do futebol espanhol. Felizmente para nós tais afirmações não correspondiam à verdade, e digo felizmente porque, se assim fosse, teríamos sofrido uma das maiores derrotas. A nossa equipa não estava convenientemente preparada, bastando di2er que, em quase três meses de pseudo-preparação, nem uma só vez fizemos um treino no qual tivessem tomado parte os jogadores que defrontaram os espanhóis! E isto mais por culpa dos clubes a que pertenciam os jogadores convocados, do que por culpa do seleccionador. Assim foi e assim continua a ser. Mas adiante.

Empatámos um jogo que poderíamos ter ganho. Os espanhóis, jogando a medo, chegaram a estar a ganhar por 2-0! Calcule-se, pois, o que nós valíamos!!! Depois, mais pontapé, menos pontapé, mais corrida, menos corrida, lá conseguimos empatar… ,

Para alguns, joguei mal mas… fiz os dois golos da nossa equipa, cabendo-me ainda a sorte - que se transformou em glória inapagável dos anais do futebol português - de marcar o primeiro golo contra estrangeiros no Estádio Nacional.

Não quero alongar-me em considerações acerca da forma como a nossa equipa foi preparada para este jogo, já porque o tempo decorrido lhe fez perder o interesse, como também porque, referindo tudo em seus pormenores, teria de escrever um livro só para recordar os meus vinte jogos internacionais. Darei a vez aos jornalistas, transcrevendo o que alguns deles escreveram a meu respeito, a propósito do XV Portugal - Espanha em futebol:

 

Diário de Lisboa de 11-3-45:

“O avançado-centro com uma “cabeça” magistral fez o “goal”, o mais lindo “goal” da tarde. Uma ovação espantosa premeia o lance”

E mais adiante:

…”O avançado-centro leonino, num remate estupendo, conse guiu o 2,° golo e, com ele, o empate, sem quê a estirada de Eiza' guirre salve a situação.”

O jornal “O Século”, pela pena do seu redactor desportivo, ofereceu aos leitores o balanço dos meus sete jogos internacionais começando por escrever em título:

Sele jogos internacionais com oilo golos é o aclivo do popular avançado-centro Peyroteo, que neles foi o único português a marcar

“Fernando Peyroteo, avançado-centro do Sporting, autor das duas bolas marcadas no XV Portugal - Espanha é, hoje, sem dúvida alguma, o jogador verdadeiramente indispensável à equipa nacional. Sobre este assunto, não há a menor discordância nos meios futebolísticos.

É o avançado-centro ideal, no jogo moderno, em que a primeira missão ou mais alta qualidade a exigir do eixo do ataque é a de ter um grande poder de realização na zona de remate,

“Avançado-centro atlético, duro, combativo, com espírito de sacrifício para o choque insistente com os defesas e, sobre tudo isto, marcador de bolas, é, na verdade, uma exigência do futebol moderno, em todos os países. Zarra, Mundo, Campanal, Langara e outros grandes jogadores valorizaram-se por essas características. Em Portugal porém, depois de dois avançados-centro estilistas, de grande nomeada, Vítor Silva e Espírito Santo, apareceu um avançado-centro de tipo moderno, - verdadeira máquina de marcar bolas. E não tem sido pequena a sua tarefa na equipa do Sporting-e sobretudo na equipa de Portugal. Sem Peyroteo, tanto aquele clube como a equipa nacional perdem, com qualquer formação, sessenta a oitenta por cento do seu poder de ataque, a despeito de, hoje, ser lugar comum, em todas as equipas contrárias, este conceito: é preciso anular Peyroteo se queremos vencer…

“Realmente, tanto nos jogos de clube, como nos jogos internacionais, a preocupação dominante está em “marcá-io” estreitamente, de modo a evitar que ele consiga atirar à baliza. Nos jogos recentes, com o Atlético Aviación e com a equipa de Espanha, foi visível que o popular avançado-centro jogou sempre com “sentinela à vista” I Por vezes, a barreira de oposição era formada por dois ou três adversários. E isto, compreende-se bem, dificulta em extremo a sua missão, donde não ser difícil concluir-se, quando não marca, que nesse dia, Peyroteo se apagou um pouco… Mas, isso, nada tém de extraordinário. Aquilo que afinal surpreende é que, apesar de tão vigiado, de tão marcado e, às vezes, tão mal tratado pelos adversários, ele consiga ainda marcar tão elevado número de bolas.

“Anteontem foi autor dos dois pontos da equipa portuguesa - as duas bolas que fizeram o resultado. Mas a sua colaboração à equipa nacional espelha-se melhor nos sete jogos internacionais em que tomou parte.

A sua estreia de internacional realizou-se em Frankfurt, no jogo com a Alemanha, em que se empatou a uma bola - marcada por Fernando Peyroteo, Na semana seguinte, jogou-se em Milão o Suíça-Portugal, para o Campeonato do Mundo, em que se perdeu por 2-1 -sendo ele o marcador da única bola dos portugueses. No Portugal - França, em Paris, venceram os franceses por 3-2 - sendo as duas bolas marcadas por ele. Nos dois últimos Portugal - Espanha em que se empatou por 2-2, no domingo, e em 1941, das duas vezes foi ainda Peyroteo o único marcador. Dos sete jogos contra a Suíça - em Lausana e em Lisboa, - não marcou uma única vez, devendo, ainda, estar lembrada a severa marcação de que ele foi alvo por parte do famoso Minelli.

“Peyroteo é, assim, a pequena máquina de marcar bolas para o Sporting - e para a equipa nacional. Mas esta qualidade está ainda valorizada pela circunstância deste jogador nunca recorrer ao jogo violento ou irregular para marcar, É, ao mesmo tempo, um jogador correctíssimo e, tanto, assim que, há anos, recebeu o prémio da sua correcção desportiva, tendo sido enviado pelo “Século” a Londres para assistir ao maior espectáculo futebolístico do Mundo: a final da Taça de Inglaterra. Os desportistas portugueses, nessa altura, prestaram homenagem ao seu espírito desportivo, elegendo-o como <o jogador mais digno do magnífico prémio que este jornal instituiu para premiar o culto da ética desportiva. E agora, não há motivo algum para se dizer que ele não tem conservado as mesmas .excelentes qualidades desportivas.

“Peyroteo, em verdade, é um bom desportista e um magnífico avançado-centro, como já tivemos ocasião de verificar no jogo de anteontem.”

Penso que esta interessante resenha se deve a um grande mestre de futebol, cujo nome é de todos nós bem conhecido e que, ao tempo, tinha a seu cargo a secção desportiva do grande jornal O “Século”. Mas o mestre, falível como todos os homens, enganou-se ao afirmar que fui eu o marcador do golo português no nosso jogo contra a Alemanha, em Frankfurt; na verdade, esse golo foi marcado pelo Pinga. Tais enganos acontecem sem maldade, e por eles não vem mal ao Mundo!…

 

Cerca de dois meses depois deste jogo no nosso magnífico Estádio Nacional, seguimos para Espanha a fim de disputarmos novo prélio a 6 de Maio de 1945.

Não conhecia a cidade de La Coruna nem podia supor que o povo dessa linda terra era tão acolhedor, tão amigo dos portugueses e tão hospitaleiro. Os futebolistas que compunham a equipa nacional, atendendo à sua popularidade, foram alvo de carinhosas manifestações dé simpatia, mas o povo de La Coruna envolveu, no mesmo fraterno abraço, todos quantos acompanharam os nossos jogadores,

La Coruna estava em festa! Houve feira e touradas, nas quais tomaram parte os maiores matadores de Espanha. Respirava-se alegria, boa disposição, felicidade, Que boa gente, que bons amigos foram ali encontrar os portugueses nesta digressão por terras de Cervantes! Jamais a esquecerei, por tantas amabilidades e gentilezas que recebemos. Não me faltasse o espaço e muito teria de recordar, mas a finalidade deste livro é a de falar em futebol…

Perdemos por 4-2 o XVIII Portugal - Espanha em futebol.

A nossa equipa poderia ter vencido o encontro? É verdade que sim. Mas se o resultado nos tivesse sido favorável, seria lógico acreditar na nossa superioridade futebolística? Não e não! O futebol espanhol foi sempre e continua a ser superior ao nosso, e o facto de, neste jogo, as coisas poderem ter sido, talvez, resolvidas a nosso favor nos primeiros trinta minutos, em que os portugueses, jogando bem, perderam algumas ocasiões de fazer golos e, mesmo, depois do intervalo, quando o. marcador acusava 2-1 e F. Ferreira não transformou uma grande penalidade que nos daria o empate, tudo isso não chega para negar a incontestável superioridade dos nossos adversários.

Daqui não há que fugir: os espanhóis cedo compreenderam que o profissionalismo é indispensável ao progresso do jogo; sem jogadores inteiramente profissionais - orientados, claro está, por orgânica futebolística capaz - o futebol não passará de uma brincadeira de rapazes mais ou menos jeitosos para darem pontapés na bola. O problema- no país vizinho - foi encarado a sério e os resultados surgiram naturalmente - nem podia ser doutra maneira. Pena foi, porém, que na ilusão de que os modernos processos de jogo destruiriam a tradicional “fúria espanhola”, os técnicos espanhóis não tivessem acompanhado os progressos da táctica do jogo. Erro incompreensível e que Jevou a equipa nacional espanhola a sofrer tremendos desaires…

Por cá, a quando da realização do XVIII Portugal - Espanha, que jogámos na Corunha em 6 de Maio de 1945, continuava a pensar-se, como num sonho, que a guerra civil havia destruído o futebol espanhol e dava-se, como amostra, a fraca exibição da equipa que defrontámos dois meses antes no Estádio Nacional!!

Depois do jogo, vá de nos lembrarmos dos remates a razar a trave ou a bater nela, as defesas de sorte do guardião espanhol, uma grande penalidade que se perdeu e mais algumas que o maroto do árbitro não marcou, etc., etc… O costume… Quando, afinal, perdemos em La Coruna porque a equipa adversária nos foi superior e porque o futebol do País que defrontámos era e é - não tenhamos dúvidas nem ilusões! - melhor do que o nosso.

No que respeita à minha exibição nesse jogo, limito-me a dizer que, mais uma vez, fui o autor dos dois golos da equipa nacional portuguesa, e a transcrever parte de um artigo escrito por Cândido de Oliveira:

- “…Quem esteve na Corunha pôde confrontar, durante os 90 minutos, a classe dos cinco avançados espanhóis e dos cinco avançados portugueses e concluir: a diferença é flagrantemente favorável aos espanhóis. Peyroteo é, entre os portugueses, o único que pode ombrear com os espanhóis; os restantes, não”.

Javier Barroso, presidente da Federação Espanhola, afirmou: “Peyroteo simplesmente espantoso!” (Revista “Stadium”)

 

Portugal, 4 - Espanha, 1

 

Pela primeira vez na história do futebol dos dois países, Portugal venceu a Espanha ein jogo oficial por 4-1, em Lisboa, no dia 26 de Janeiro de 1947.

É certo que em encontros anteriores, o nosso grupo representativo poderia ter batido o da Espanha, mormente nos dois jogos realizados em Lisboa, empatados a duas bolas e, mais recentemente, no que se disputou na linda cidade de La Coruna, do qual os espanhóis sairam vencedores por 4-2. Mas, se de qualquer desses encontros a nossa equipa tivesse saído vencedora, não seria acertado atribuir a vitória à maior valia do futebol lusitano em confronto com o espanhol. Os nossos adversários apresentaram-se nesses encontros melhor preparados física e tecnicamente do que a grande maioria dos jogadores portugueses, e já me referi às razões que justificaram essa superioridade. Apenas num só ponto os portugueses deram clara indicação de supremacia: na táctica do jogo.

As equipas espanholas utilizaram processos tácticos antiquados, semelhantes aos que quase todas as equipas do Mundo adoptaram antes do advento do WM, apenas com a “variante” de fazerem recuar o médio centro e um médio lateral, entregando-se ambos à permanente vigilância ao avançado-centro português; no respeitante à tarefa imposta aos restantes componentes da equipa, o sistema táctico assentava em processos que o moderno WM destronara. Quer dizer: enquanto os médios, interiores e extremos espanhóis sofriam as consequências de uma marcação cerrada, imposta pelos modernos sistemas tácticos - quando se defende a própria baliza, claro está - os nossos interiores, alternadamente, os médios e extremos gozavam de relativa liberdade, o que, evidentemente, causava dificuldades à equipa espanhola. Só a comprovada inferioridade técnica e atlética de grande parte dos nossos jogadores em relação à dos espanhóis impediu a derrota destes.

Poderá agora objectar-se que, tendo as nossas equipas beneficiado de certa liberdade de movimentos, mercê das deficiências tác- ticas dos nossos adversários, não_ seria ilógico pensar-se e admitir-se a vitória da equipa portuguesa! É exacto; e por isso mesmo já disse que poderíamos ter ganho alguns dos jogos disputados imediatamente a seguir ao fim da guerra civil, quando os espanhóis estavam já mais ou menos bem preparados técnica e atlèticamente, mas inferiores a nós quanto aos sistemas tácticos baseados no moderno WM que os portugueses praticavam com razoável acerto e conhecimento. Mas a verdade é que a táctica está em tudo dependente do maior ou menor apetrechamento técnico dos jogadores, e os espanhóis, à maior capacidade táctica dos portugueses, opuseram sempre um muito superior conhecimento dos pormenores da técnica do jogo - boa finta, bom toque e domínio de bola, óptimo jogo de cabeça e, a culminar, remate fácil, rápido, fulgurante - tudo isto assente numa capacidade físico-atlética impressionante: boa corrida, bom tempo de entrada à bola (antecipação), bons no jogo alto e… fôlego de gato!

Sendo assim, aceite-se, com verdadeiro sentido das realidades futebolísticas, que a maior capacidade técnico-atlética dos jogadores espanhóis, anulava e vencia a melhor táctica dos portugueses, só não acontecendo isso quando a sorte e tantos outros imponderáveis do jogo penderam para o nosso lado.

As considerações que acabo de fazer acerca dos encontros disputados anteriormente pelas equipas de Portugal e da Espanha podem, à primeira vista, parecer descabidas neste momento em que mais apropriado seria apreciar o que se passou no XIX Portugal - Espanha, até mesmo porque, ao referir-me, a seu tempo, aos anteriores prélios, deveria ter abordado, também, e com maior clareza, o único ponto em que chegámos a ser superiores aos espanhóis: táctica de jogo. Porém, julguei ,mais aconselhável guardá-lo para agora, evitando, tanto quanto possível, repetições escusadas e, até, para que os elementos que me ajudarão a estabelecer certos pontos de contacto entre os jogos de então e os actuais, estejam mais vivos na memória de todos nós.

Ficou dito e, quanto a mim, sobejamente provado, que o futebol espanhol, no respeitante ao poder atlético e capacidade técnica dos seus jogadores, era muito superior ao nosso, superioridade que vinha sendo notada desde os tempos dos Zamoras, dos Regueiros, Langaras e tantos outros grandes futebolistas.

Durante muitos anos as duas equipas adoptaram processos tácticos idênticos, e como os espanhóis eram tecnicamente mais perfeitos, aliando à técnica, ou seja, à execução, um superior poder atlético, o prato da balança tinha, fatalmente, de pender para o seu lado. Mas à medida que o tempo foi passando e o futebol evoluindo, começou a notar-se que a anterior supremacia espanhola não era tão acentuada como em épocas mais distantes. É que os espanhóis acompanharam a evolução técnica do jogo e sempre cuidaram da preparação física dos seus atletas, mas mantiveram os mesmos processos tácticos, ao passo que os portugueses, melhorando um pouco no capítulo técnico do jogo, embora esbarrando com dificuldades de toda a ordem, não podendo, por isso, atingir o mesmo grau de perfeição técnica, valiam-se, de mistura com vontade e querer, de sistemas tácticos para dificultar a acção dos seus eternos rivais.

O futebol deu um grande passo em frente quando da alteração dás suas leis, relativamente ao “fora de jogo”, alteração que motivou o estudo e adopção do célebre WM de Chapman.

 

Abro aqui um parêntesis para esclarecer os leitores menos conhecedores, de que David Jack, antigo”jogador inglês e autor do livro intitulado “ Soccer”, afirma ter sido Buehatt o criador do WM e que Chapman apenas o passou dá teoria à prática.

Retomemos o fio da meada.

Algum tempo depois de já noutros países o WM ser um facto, os nossos orientadores técnicos e treinadores apadrinharam-no e as nossas equipas (qual delas a primeira?) passaram a utilizá-lo. A partir desse momento -com os espanhóis ainda arreigados às antigas tácticas - a selecção nacional portuguesa começou a impor-se e a baixar o nível de supremacia espanhola.

Cada equipa com suas qualidades e defeitos, entrámos no relvado do Estádio Nacional na tarde de 26 de Janeiro de 1947 para disputarmos o XIX Portugal - Espanha.

A Espanha perdeu e perdeu bem! O resultado de 4-1 dispensaria comentários ao jogo se os números, em futebol, não fossem, muitas vezes, enganadores, e, neste encontro, assim aconteceu. Derrotámos o adversário por 4-1, mas se no final do jogo o marcador acusasse um saldo a nosso favor de 6 ou 7 golos, não havia razão para se reclamar da justeza do resultado!

A turma espanhola era muito melhor do que as que defrontámos nos jogos empatados a duas bolas e, porventura, um tanto superior à apresentada na Corunha. Todos os jogadores se mostraram óptimos no controle da bola, no passe curto, jogo de cabeça, bom toque de bola e bons atletas. Mas num pormenor a equipa espanhola foi confrangedoramente inferior - pior até do que nos jogos anteriores: na “ Tácticà”. Começaram o jogo com a formação WM mas a breve trecho compreenderam não estarem à altura de prosseguir. Tentaram, depois, enquadrar-se no sistema táctico do adversário, o que de nada lhes valeu, evidentemente.

Em Espanha nenhuma equipa de clube utilizara, ainda, o WM e, sabido como é que as selecções nacionais são constituídas por elementos vindos das equipas de clube, como poderiam os jogadores espanhóis - por muito bons executantes que fossem - adaptar-se, em poucos minutos, a um processo de jogo que para eles era, apenas, conhecido em teoria? De maneira nenhuma - é a resposta. Foi um erro indesculpável do seleccionador espanhol.

Na meia dúzia de treinos que a equipa representativa da Espanha realizou, experimentou - ao que parece com bons resultados - o nosso já muito conhecido WM, impondo-o à equipa como se fosse para defrontar um conjunto desconhecedor do sistema ou de baixa valia!!! Os nossos amigos erraram no prognóstico, porque encontraram pela frente onze rapazes perfeitamente identificados e integrados no sistema que eles vinham experimentar!

O futebol não permite nem admite improvisações; os nossos adversários para este XIX encontro, não pensaram como nós e, por isso, desceram ao relvado com um sistema táctico improvisado, não tendo em consideração que os antagonistas, por mais experimentados, melhor saberiam tirar partido dessa improvisação… Uma táctica não pode assimilar-se de um momento para ó outro nem dela se tirará pleno rendimento, senão depois de um longo período de experiência e adaptação, maior ou menor conforme a inteligência e condição técnica dos jogadores da equipa.

Vistos os factos, analisados e ponderados à luz do que se passou neste Portugal - Espanha, provou-se a grande vitória dos modernos processos tácticos - WM e suas possíveis variantes - em contraposição aos antigos sistemas defensivos e atacantes. Este um dos aspectos curiosos do prélio de que vimos tratando.

E chegámos ao momento de tirar conclusões acerca dos jogos anteriormente disputados. Não é difícil concluir-se, pois, que os resultados conseguidos pela “equipa de todos nós” -e que não podem considerar-se maus de todo - não assentaram na maior valia do futebol português em relação ao do País vizinho, relativamente aos pormenores físico-atlético-técnicos do jogo. Apenas nos servimos de melhor processo de jogo e com ele pudemos disfarçar um pouco a nossa inferioridade atlético-técnica, mas daí a pensar-se em igualdade ou superioridade do nosso futebol em confronto com o dos espanhóis, vai um grandíssimo passo… Esta é a verdade, que suponho não poder sofrer contestação, pelo menos contestação séria…

Ora, ao referir-me a um anterior encontro entre as duas selecções, escrevi: Mas um dia virá em que os espanhóis encontrem pela frente uma equipa portuguesa atlético-técnico-tacticamente bem preparada. Se isso suceder, então os nossos vizinhos terão muito que contar… assim eles se mantenham agarrados aos antiquados processos de jogo!

Tal pensamento tornou-se, felizmente, em realidade, e a equipa de Espanha perdeu por 4-1, resultado lisongeiro para o nosso adversário, como já disse.

Pois é verdade; para este XIX Portugal - Espanha, foi possível, mercê de excepcional forma em que se encontravam os jogadores, formar-se uma selecção capaz de praticar bom futebol e de levar de vencida o nosso antagonista. Resumindo: Se em encontros anteriores a superioridade da equipa portuguesa foi notória no capítulo táctico do jogo, contra a superioridade atlético-técnica dos espanhóis, donde resultava, muito naturalmente, a supremacia do futebol do País vizinho em relação ao nosso, e uma vez a nossa equipa constituída por jogadores em óptima condição atlético-técnica comparável à dos adversários e tàcticamente a eles superiores, não foi algo difícil vencer por 4-1 essa equipa espanhola. E não foi só vencer: foi vencer e convencer, tanto os espanhóis como todos quantos assistiram a este encontro, da justeza do resultado conseguido pela nossa equipa nacional.

Desta feita pelo menos, o nosso futebol foi algo superior ao espanhol.

E assistiu-se, também, a uma esmagadora vitória dos modernos processos de jogo sobre os antigos…

 

E, agora, falemos um pouco de outros pormenores de equipa que, sem dúvida nenhuma, muito contribuíram para a boa exibição do conjunto português e que, por outro lado, destroçaram a equipa antagonista.

Desde há muito que os grupos espanhóis vinham adoptando o sistema de recuar um dos médios de ataque com o objectivo de reforçarem a guarda ao avançado-centro contrário, já de si confiada ao médio-centro. Por isso, não seria descabido admitir-se que, neste XIX Portugal - Espanha, o processo se manteria, muito embora estivéssemos prevenidos contra a hipótese de o adversário utilizar o WM como base de movimentação e colocação dos seus elementos no terreno. Mesmo assim, quanto a este pormenor, estávamos certos de que os espanhóis não confiariam a um só jogador o “policiamento” do eixo do ataque português e, por via disso, além do estudo e ponderação das forças e fraquezas do adversário, estudámos jogadas que facilitassem, quando bem executadas, a missão do ataque português. Assim, tendo em atenção o recuo do defesa central e de um dos médios de ataque da selecção espanhola, pensou-se em tirar todo o proveito possível da liberdade que tal plano de jogo daria, alternadamente, a cada um dos nossos interiores.

Os esquemas seguintes dão uma mais perfeita noção de como esperávamos que os espanhóis actuassem e do aproveitamento dessa circunstância:

o quadro n.° 1 indica-nos que toda a linha atacante da equipa portuguesa tem guarda à vista, excepto o nosso interior direito, que dispõe de liberdade total; vê-se, também, que o avançado-centro tem atrás de si o defesa-central e à frente o médio esquerdo adversários.

O quadro n.° 2 mostra-nos que o interior esquerdo português de posse da bola, a endossou ao seu companheiro da direita que correu na direcção da baliza contrária, ao mesmo tempo que o interior esquerdo, depois de ter passado o esférico ao seu companheiro, tomou, igualmente, o caminho das redes, deixando atrás dele o médio que o guardava. Entretanto, mais adiantado, o avançado-centro, no intuito de deixar terreno livre para a manobra do interior direito, desmarcou-se para este lado levando consigo o defesa-central - seu guarda permanente.

Por último, o quadro n.° 3, dá-nos o resultado final da jogada: vê-se que o médio esquerdo veio ao encontro do nosso interior direito e que este entregou a bola, rapidamente, ao seu colega da esquerda, mantendo o avançado-centro a mesma posição no flanco direito, obrigando o defesa central a não interferir na jogada, sob pena de falhar na missão que lhe foi imposta; e se o fizesse, deixaria o centro-avançado ém condições de receber o passe e alvejar a baliza.

Deste modo, ora Travassos, ora Araújo, dispuseram da liberdade suficiente para iniciarem e concluírem os ataques da equipa portuguesa, marcando, cada um, dois golos, mas toda a liberdade que lhes foi dada nasceu da preocupação da defesa espanhola que destacou os seus melhores elementos defensivos (2) para anularem a acção do avançado-centro português.

A ideia dos espanhóis, ao recuarem um dos seus médios, tinha como objectivo tirar ao avançado-centro adversário toda a possibilidade de rematar à baliza, contando e esperando que neste jogo, como nos outros, ele recebesse dos seus interiores passes longos, em profundidade que, invariàvelmente, seriam interceptados. Mas se já por três vezes caíramos nesse erro, não era de admitir a repetição e, por isso, se estudou o processo, aliás simples, de contrariar as intenções dos nossos adversários.

Os espanhóis sacrificaram dois elementos da defesa, pondo-os como sentinelas ao avançado-centro português; nós sacrificámos o nosso avançado-centro, impondo-lhe a tarefa de desorientar a defesa espanhola, desmarcando-se e levando atrás de si os seus dois guardas e deixando, por consequência, o terreno livre a Travassos e Araújo - autores dos quatro golos de Portugal. Tanto assim foi que, no final do encontro, o seleccionador, Dr. Tavares da Silva e o treinador Augusto Silva - dois bons amigos - felicitaram-me pela vitória e acrescentaram: - “Cumpriste o teu dever é certo, mas por teres sacrificado as tuas qualidades de bom rematador em favor do plano táctico da equipa, sem azedume nem egoísmo, aqui estamos a dar-te os merecidos parabéns. Da tua actuação resultou o óptimo rendimento dos nossos dois interiores (Travassos estava presente) que permitiu à equipa levar de vencida os espanhóis”.

Sem dúvida, cumpri o meu dever, esforçando-me por colaborar no bom rendimento da equipa; sabe bem, no entanto, verificar que que o nosso sacrifício é compreendido e apreciado.

O distinto jornalista José Olímpio - que não tenho o prazer de conhecer pessoalmente - escreveu o seguinte no jornal “A Bola” de, salvo erro, 27-1-947:

- “Olhe-se, por exemplo, os casos particulares de Zarra e de Peyroteo. Ao primeiro lance de olhos, ambos “fracassaram” (deixai o pobre do galicismo!) na sua missão especial: “marcar tentos”. No entanto, pondere-se nos diferentes resultados que a sua ida ao choque, deliberadamente, deu para suas equipas. Enquanto Zarra não conseguiu libertar, no verdadeiro instante, os seus interiores, graças à relativa perfeição “estratégica” do conjunto português, Peyroteo arrastou consigo toda a defesa espanhola. E disso beneficiaram os interiores”.

Depois, noutro lugar, o mesmo jornalista pergunta:

-”Onde estavam os interiores quando Peyroteo precisou deles?”

Pelo que ficou exposto, verificou-se que os interiores portugueses gozaram, alternadamente, de plena liberdade de manobra, e isso porque o médio espanhol a quem deveria caber a missão de guardar um dos nossos meias pontas, veio reforçar o “bloqueio” ao avançado-centro lusitano. Ora, dessa movimentação livre de Araújo e de Travassos nasceu a marcação dos quatro golos da nossa equipa. Deu resultado, portanto, o sistema táctico do conjunto da equipa das quinas, mas era lógico admitir, também, que os defensores espanhóis, mormente o médio que recuara, se apercebesse de que deveria cuidar um pouco mais do que até aí do nosso interior!!! E, na verdade, isso sucedeu. Assim, por ter sido hipótese prevista e esperada, assentou-se em que, a partir desse momento, melhor seria começar a utilizar-se o passe em profundidade ao avançado-centro, para terreno apropriado, visto dispor ele agora de maior liberdade. Esta uma hipótese, e, entre outras, mais esta: os interiores e médios lançariam os extremos e estes procurariam enviar a bola para o terreno central de modo a permitir a entrada do avançado-centro de frente para o esférico. Enfim, em tais circunstâncias, seria aconselhável procurar-se uma maior troca de passes de bola entre os cinco da frente, uma vez que os dois interiores já não dispunham da liberdade inicial de manobra. Por outras palavras: seria acertado procurar a colaboração do centro dianteiro de modo diferente daquele que em princípio se fez. E o que sucedeu? A esta pergunta respondeu já, por mim, José Olímpio. No entanto, quero acrescentar que, dentro do campo - e cá fora também - se começou cedo de mais a “viver”, a antegozar a certeza da vitória e se esqueceu o normal seguimento do jogo… É natural que assim tivesse acontecido; pois não era a primeira vez que se ganhava à Espanha?… E de que maneira!!!

Enfim, o que lá vai, lá vai, e o que é preciso é fazer desporto. Tudo o resto são… cantatas e paisagem…

A terminar, um episódio curioso: A Federação Portuguesa de Futebol, que estabelecera um prémio de 3.000$00 (três mil escudos) em caso de vitória da nossa equipa, acabou por aumentá-lo para 5.000$00 (cinco mil escudos)… Não teria sido por iniciativa própria, mas demonstrou boa vontade em atender uma “torcidazinba” feita pelos jogadores junto do Inspector dos Desportos Sr. Capitão António Cardoso, e deste nosso amigo - muito particularmente - aos dirigentes federativos… E ao fim e ao cabo, foram cinco mil escudos -o maior de todos os prémios que recebi em dezasseis anos de futebol! E sabem o que aconteceu? Para satisfazer os pedidos de bilhetes para este memorável XIX Portugal - Espanha, levantei na Federação a bagatela de quatro mil e quinhentos escudos de “papelinhos” de entradas no Estádio; depois, os amigos foram aparecendo, fui entregando os bilhetes e recebendo o dinheiro de cada um dos “clientes” - fora algumas borlas - escudos que fui gastando sem dar por isso… Quando me preparava para receber o chorudo prémio de cinco mil escudos, lembrei-me de que tinha de lá deixar quatro mil e quinhentos escudos. Quer dizer: o prémio não me serviu de proveito. 6 dinheiro recebido por “conta-gotas”, desaparece cómo o fumo dum cigarro. Não tive o prazer de receber, inteirinhos, os famigerados cinco mil escudos de prémio.

Sempre os bilhetes, meu Deus! Malvados bilhetes!!!»

 

In: Peyroteo, Fernando - Memórias de Peyroteo. 5ª ed. Lisboa : [s.n.], 1957 ( Lisboa : - Tip. Freitas Brito). pp. 185 – 203

Memórias de Peyroteo (29)

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« PORTUGAL - ESPANHA

Das vinte vezes que fui convocado para representar Portugal em jogos internacionais de futebol, cinco foram contra a Espanha.

1.º - Em Lisboa, a 12 de Janeiro de 1941. Resultado: Empate 2-2;

2.º - Em Lisboa, a 11 de Março de 1945. Resultado; Empate 2-2;

3.° - Na Corunha, a 6 de Maio de 1945. Resultado: Derrota 2-4;

4.° - Em Lisboa, a 26 de Janeiro de 1947. Resultado: Vitória 4-1;

5.° - Em Lisboa, a 20 de Março de 1949. Resultado: Empate 1-1.

 

Nestes cinco encontros marcaram-se 21 golos, sendo 11 de Portugal e 10 da Espanha.

É curioso notar que embora se trate de número ímpar, cada equipa averbou 1 vitória, 3 empates e 1 derrota, ficando Portugal com a vantagem de 1 golo, pois marcou 11 e sofreu 10. Decerto, não será levado à conta de vaidade dizer que dos 11 tentos, 7 foram marcados por mim.

Se, quando eu era um rapazola de 13 ou 14 anos e jogava futebol na equipa dos miúdos da minha terra angolana, alguém me dissesse que ainda um dia vestiria a camisola dás quinas para um encontro internacional contra Espanha, eu duvidaria do estado mental do… bruxo! No entanto, a minha reacção ao escutar previsão semelhante mas referente a jogos contra quaisquer outras nações, como, por exemplo, a Itália, Alemanha, Suíça, etc., não seria a mesma que contra “nuestros hermanos”. É que, em Angola, mormente em Moçâmedes, não só a rapaziada adepta do-futebol mas todo o povo da terra, vibra intensamente com a realização dos jogos entre Portugal e a Espanha. Pode a equipa portuguesa jogar contra qualquer outra de categoria muito superior à dos espanhóis, que o caso não assume aspecto de acontecimento nacional.

Naquele tempo, as notícias referentes ao futebol metropolitano só chegavam a Moçâmedes quase um mês depois dos factos consumados, já quando, na Metrópole, o caso havia passado à história e ninguém se lembrava das “burrices” cometidas pelo seleccionador quando escolhera os jogadores, nem dos golos “perdidos infantilmente” ou da incapacidade de certo jogador “que já está velho mas tirou assinatura para a selecção…”. Em Angola líamos as notícias referentes ao jogo com tanto interesse como se ele se tivesse realizado na véspera, e daqui se conclui que, lá como cá, o Portugal - Espanha em futebol é sempre um grande acontecimento desportivo.

 

A 12 de Janeiro de 1941 disputar-se-ia em Lisboa mais um jogo de futebol entre as equipas representativas de Portugal e da Espanha. O bruxo de que eu duvidaria, acertou na previsão e a minha estreia neste grande encontro era, agora, uma realidade.

Nas duas ou três semanas que o antecederam não se falava noutra coisa; a procura de bilhetes era extraordinária e o campo das Salésias seria pequeno para acomodar quantos desejavam assistir ao prélio.

O seleccionador escolheu um lote de jogadores com o qual formaria a nossa selecção. Havia dúvidas na inclusão deste ou daquele elemento e alguns jornalistas da especialidade entregavam-se ao trabalho de discordar com o seleccionador quanto a escolha dos jogadores, mas o certo é que, no que me dizia respeito, todos estavam de acordo, felizmente…

Perturbado e enervado por ir jogar contra os nossos vizinhos espanhóis? Não, francamente não. Para mim, tratava-se simplesmente de um jogo internacional, com todas as responsabilidades inerentes a tais encontros sem, contudo, esquecer que perder ou ganhar são consequências lógicas do próprio jogo. No entanto, se é certo que o jogo em si não constituía razão suficientemente forte para me enervar, a verdade é que o público entusiasta do futebol, ao exigir, descabida e incompreensivelmente, do jogador aquilo que ele muitas vezes não pode dar, preocupava-me um tanto. De resto, sobre este assunto, já disse o que penso.

Afinal, o jogo disputado em 12 de Janeiro de 1941 não teve história, assinalando-se apenas que, ao contrário do habitual, em vez de perdermos, empatámos a duas bolas - dois tentos marcados por mim. E já que do encontro pouco ou nada resultou digno de registo, julgo oportuno aproveitar o ensejo para exteriorizar o que sempre pensei acerca do tão decantado complexo de inferioridade da equipa portuguesa quando em jogo contra o grupo nacional espanhol.

Matematicamente, o problema pode ser posto deste modo: em futebol, Portugal está para a Espanha assim como o Olhanense está para o Sporting.

Em primeiro lugar teremos de encontrar o motivo principal, justificativo dos desaires sofridos pela equipa algarvia quando jogava contra o Sporting e que era, sem dúvida, a comprovada diferença de categoria futebolística existente entre as duas equipas.

Que o Olhanense possuía, no meu tempo, alguns jogadores de grande valia é incontestável, mas a verdade manda que se diga que o Sporting estava melhor apetrechado. Ora, se são os bons jogadores que formam as boas equipas, não restam dúvidas de que a do Sporting era em muito superior à do Olhanense e, portanto, sem a menor hesitação, encontro a chave do problema: o Olhanense perdia com o Sporting porque o primeiro era inferior ao segundo.

Poderá argumentar-se que o Olhanense vencera equipas tão boas ou melhores que a do Sporting, mas esta observação não destrói, por completo, o meu ponto de vista e a finalidade a que pretendo chegar.

Reconhecido e provado que a turma algarvia era inferior à dos “leões”, procuremos outros factores concorrentes para inferiorizar a equipa de Grazina frente à de Álvaro Cardoso. Os jogos que os algarvios disputavam perante o público, na sua terra, ou os que realizavam em Lisboa contra qualquer equipa que não a do Sporting, despertavam sempre muito interesse na massa associativa do Clube, independentemente da vontade de vencer que animava os componentes da equipa, mas não estou em erro se afirmar que todos os adeptos do Olhanense não se importariam que a sua equipa mais representativa perdesse todos os jogos de um campeonato se tivessem a certeza de vencer o Sporting Clube de Portugal… Matariam o carneiro que hoje deve estar muito velhinho!!!

Os anseios e as reacções do público olhanense quando a sua equipa defrontava o grupo leonino, eram totalmente diferentes do que sucedia quando o adversário era, por exemplo, o Benfica, o Belenenses ou o Futebol Clube do Porto. Esse ardente desejo de vitória, o prazer e alegria que a derrota do Sporting lhes proporcionaria seria de tal modo forte e grande, que os dominava, os perturbava e fazia esquecer, até, a inegável diferença de categoria existente entre a equipa de que são adeptos e a adversária. Por isso, não poucas vezes, chegaram a gozar, antes da realização do encontro, o prazer de uma vitória que, afinal, embora estivesse plenamente ao seu alcance, se transformou em amarga derrota.

O jogador sabe de tudo isso porque vive o mesmo ambiente, vive dia a dia em contacto com a massa associativa do Clube, conhece os seus desejos, sente-os, vibra com eles e… enerva-se, perturba-se, excita-se mesmo sem o desejar. O jogador sabe, também, que a derrota trará, para os amigos do Clube, um profundo desgosto, e como não lhe bastasse já a responsabilidade do jogo em si, vem ainda a “responsabilidade” de alegrar e consolar a gente da sua querida terra. Embora alguns jogadores admitam a vitória tendo em atenção o melhor apetrechamento técnico, táctico e, porventura, físico do adversário, sentem que, se perderem o jogo, os seus adeptos não lhes desculparão a derrota; a semana seguinte será um pesadelo porque, a toda a hora e a todo o momento, ouvirão falar do desaire sofrido:-”O Olhanense perder outra vez com o Sporting? Então nunca mais ganhamos? Vê lá isso no próximo domingo! Não nos dês esse desgosto; atira-te a eles sem medo! Dá cabo deles; vocês têm que ganhar desta vez…

Ora bem ; chegámos ao ponto: Não será isto o que se passa nas semanas que antecedem um Portugal - Espanha? Não será verdade que se a Equipa Nacional perder um jogo contra a Suíça, a Itália ou o Egipto, o leitor se arrelia menos com isso do que se a rapaziada sofrer uma derrota da Espanha?

Com os jogadores da Selecção Nacional passa-se a mesma coisa do que com os futebolistas olhanenses: Todos ouvem aquelas frases e procuram afastá-las do pensamento mas, por muito fortes de espírito que sejam, não conseguem alhear-se por completo da onda de tristeza - às vezes indignação! - que o grande público fará levantar contra eles se perderem um jogo que “é preciso” ganhar!!! (Como é tão mal compreendida a ideia desportiva!!!) Sendo assim - e assim é na realidade - parece-me que o público contribue, sem querer, para a inferioridade da nossa equipa em jogo contra a Espanha, por que se esquece da inegável superioridade futebolística dos nossos vizinhos e crê, seguramente, na vitória. Chega o dia do jogo, vai para o campo de bandeirinha na mão, supondo que os jogos se ganham só com gritos de incitamento… Surgem as dificuldades, a equipa nacional não dá o “rendimento que se esperava”, baixam as bandeirinhas e ouvem-se os assobios! Que os espanhóis dispõem de um campo de recrutamento de jogadores muito maior do que o nosso; que são 100% profissionais há mais de uma vintena de anos; que mercê desses factos o seu futebol progrediu incomparavelmente mais do que o nosso; que a orgânica do futebol espanhol é muito superior à nossa e, por isso, lhes possibilitou a cuidada preparação de jovens com qualidades, fazendo deles excelentes praticantes da modalidade - de tudo isto o público se esquece lamentavelmente! Quer, deseja, quase exige que os nossos seleccionados façam o milagre de ganhar aos espanhóis!

As manifestações de simpatia dispensadas aos jogadores no decorrer dos jogos são necessárias, dão coragem e os rapazes sabem apreciá-las; apoiam-se nelas para fazerem mais e melhor, mas o ambiente de segura vitória que grande parte dos entusiastas da bola cria à volta do encontro, menosprezando o real valor do adversário e a ideia desportiva, é prejudicial ao público que as criou e aos jogadores. O pensamento de ganhar o jogo está não só no espírito do público como no dos componentes da equipa, mas com uma diferença: os adeptos da bola admitem a vitória como certa, ignorando - ou fingindo ignorar - que o adversário, regra geral, nos é superior; nós, os jogadores, vamos para o campo com vontade de ganhar o encontro, lutamos pela vitória até ao limite das nossas forças, mas não olvidamos o valor da equipa que defrontamos. Se assim sucedesse, o resultado, na maioria dos casos, seria catastrófico -ainda mais desagradável quanto o foram alguns registados nos jogos contra a Espanha.

É dever de ofício nenhum jogador e, consequentemente, nenhuma equipa ignorar o valor do adversário porque, ciente dele, procurará dar-lhe luta explorando os seus pontos fracos. O futebol é um jogo e em jogo tudo é possível.

Os resultados conseguidos anteriormente pela equipa das cinco quinas, pela expressão dos números, podem considerar-se bons e confirmam a “gloriosa incerteza do desporto”, mas não atestam a nossa superioridade técnica e física (preparação atlética). Nas tácticas sim, fomos superiores e, por isso mesmo, pudemos averbar resultados lisonjeiros. Na série de cinco jogos em que tomei parte verificou-se igualdade absoluta no que respeita a vitórias, empates e derrotas, com um golo a nosso favor. Mas os números são, muitas vezes, enganadores.

 

Nasceu triste o dia 12 de Janeiro de 1941, e a tarde era cinzenta, sem sol, antes de chuva impertinente. O campo das Salésias estava completamente cheio daquele público que tinha quase por certa a vitória da equipa nacional porque, em seu entender, os espanhóis estavam a jogar menos do que nós.

A marcha dos campeonatos em Espanha foi prejudicadíssima pela guerra civil que enlutou o País vizinho e amigo, mas à data do encontro que íamos disputar, já o seu futebol se encontrava em franco ressurgimento. A regularidade dos campeonatos oficiais havia trazido aos jogadores espanhóis o indispensável poder atlético e apuramento técnico. Tudo ou quase tudo voltara à normalidade, pelo que os nossos eternos grandes rivais no desporto, estavam bem preparados.

Quais os motivos para tão exagerado optimismo?

O nosso público tinha ainda bem presente na memória a fraca exibição da equipa espanhola que nos visitara dois anos antes, menosprezando, porém, este pormenor importante: em dois anos, ou melhor, em duas épocas, os espanhóis trabalharam a fundo pelo ressurgimento do seu futebol. Organizaram os campeonatos, disputaram muitos jogos e isso trouxe-lhes o que haviam perdido durante a guerra ^civil: força física e boa execução técnica.

É curioso anotar que se julgava possível a vitória dos portugueses mais pela inferioridade momentânea dos espanhóis, do que pela melhoria ou valor do futebol português, donde se conclui que sempre se considerou o futebol espanhol superior ao nosso…

Os “optimistas”, fazendo juízos errados, anteviam a hipótese de batermos… em mortos! Admitindo que assim sucedesse, para mim, pessoalmente, uma vitória nessas circunstâncias era destituída de valor.

A verdade, porém, é que, com os espanhóis a jogarem quase o seu normal, podiamos ter ganho o encontro de 12 de Janeiro de 1941. O estado do terreno, cheio de lama, prejudicou-nos muitíssimo, beneficiando os nossos adversários que, no seu País, jogam quase sempre em campos encharcados.

Registou-se um empate a duas bolas, tendo as duas equipas jogado francamente mal, não chegando a mostrar o seu valor. Na minha opinião, este encontro não nos deu ensejo para se ajuizar do valor do futebol espanhol nesse momento, mas julgo que não estavam a jogar menos do que nós, apesar das contrariedades e desgraças por que passaram. E que, embora com o terreno enlameado e, portanto, mau para se jogar bom futebol, os espanhóis mostraram-se muito superiores aos portugueses nos pormenores físico-técnicos do jogo, só falhando, como de costume, na organização táctica da equipa, do que resultou preciosíssima vantagem para o grupo português e que permitiu aos seus componentes esconderem um tanto as suas dificuldades técnicas com a liberdade de manobra de que dispunham.

Mas um dia virá em que os espanhóis encontrem pela frente uma equipa portuguesa físico-técnica-tacticamente bem preparada. Se isso suceder, então os nossos vizinhos terão muito que contar… Assim eles se mantenham agarrados aos antiquados processos de jogo!

Para a história desse encontro ficou anotado, nas críticas e comentários, que eu marquei um golo, mas nos apontamentos que possuo acerca da minha vida de futebolista, estão registados como marcados por mim os dois golos obtidos pela equipa nacional.

No jornal “Os Sports”, n.° 2,448, de 13 de Janeiro de 1941, escreveu o meu amigo e jornalista Manuel Mota:

“Carlos Pereira marca a penalidade com um pontapé dirigido directamente às redes. Echevarria defende, atrapalha-se coro a bola e larga-a para dentro da baliza. Quando Peyroteo, aliás oportuno, deu o pontapé, já a bola tinha ultrapassado a linha de “goal”.

Ora, em apontamento à margem do meu “carnet” onde se encontram anotados todos os golos que marquei, lê-se:

“Carlos Pereira atira à baliza, o guarda-redes espanhol larga a bola que caiu sobre o risco fatal, mas não o ultrapassou porque a lama prendeu o esférico. Eu, seguindo a marcha da bola, toqueia-a para dentro da baliza e, só então, o árbitro apitou para “golo”.

Não me foi atribuído um tento que, na realidade, marquei nesse jogo em que tudo me correu mal. Paciência! É um a menos na conta de muitas centenas…

Nesse mesmo número do jornal “Os Sports” um crítico da especialidade escreveu:

“Peyroteo, muito vigiado e sem domínio de bola, não conseguiu corresponder ao que dele se esperava A luta, por vezes irregular, que lhe deram os adversários, deve tê-lo perturbado um pouco…”

Só eu sei e só eu senti essa luta, por vezes irregular, e o desgaste físico causado por ela e pela lama…

Equipa portuguesa: Azevedo; Simões e Guilhar; Amaro, Carlos Pereira e Francisco Ferreira; Mourão, Pireza, Peyroteo, A. de Sousa (Pinga) e João Cruz.»

 

 

In: Peyroteo, Fernando - Memórias de Peyroteo. 5ª ed. Lisboa : [s.n.], 1957 ( Lisboa : - Tip. Freitas Brito). pp. 177 – 184

Memórias de Peyroteo (28)

«PORQUE NÃO FOMOS AO BANQUETE?

 

Na 6.ª feira ou no sábado - vésperas do jogo - o nosso bom amigo e treinador Augusto Silva, procedeu à distribuição dos convites para o banquete a realizar no Avenida Palace Hotel. Lembro-me de que ao recebê-lo, alguns jogadores, no número dos quais me incluo, disseram:

- “Esperem lá por mim! Não sei falar inglês e os dirigentes portugueses decerto não terão prazer em falar-nos. Pelo menos assim o têm demonstrado!…

Depois do jogo, já no autocarro que nos transportaria ao Rossio, apareceu um dirigente para nos “lembrar” que o banquete era às 21 horas no Avenida Palace Hotel e um dos jogadores disse-lhe;

- “Quando quisemos falar consigo, nunca estava na Federação e agora vem lembrar-nos de que há banquete! Mas não tenha dúvidas de que não vou lá!…”

O facto de termos perdido por dez a zero foi o suficiente para se pensar que os jogadores não compareceram ao banquete por terem sofrido tão pesada derrota. Afirmou-se também que a equipa combinara não comparecer 1 Aqui está outra afirmação infundamentada, injusta e, porventura, maldosa. Ninguém combinou coisa alguma a este respeito, nem a derrota influiu na decisão individual tomada pelos componentes da equipa nacional.

O que não nos pareceu acertado foi:

1- A Federação arrecadar seis ou sete centenas de contos e os obreiros dessa receita receberem cem escudos - menos do que qualquer arrumador ou alugador de almofadas.

2.° - Que nos tivessem vendido os piores bilhetes de entrada no Estádio - para as nossas famílias e amigos.

A verdade pura é esta: se os jogadores tivessem merecido um pouco de consideração a alguns dirigentes federativos; se fossem resolvidos favorável ou desfavoravelmente os seus pedidos; se, enfim, os dirigentes federativos não tivessem andado a fugir de nos falar ou de nos atender quando fomos à Federação, posso garantir que mesmo perdendo por vinte a zero, os rapazes teriam ido ao banquete.

Quando o misto “B. S. B.” perdeu por dez a quatro com o S. Lourenzo de Almagro, no final do encontro, momentos antes de entrarmos para o autocarro que nos conduziria à Baixa, estivemos em amena cavaqueira com os argentinos. E se houve banquete -não me recordo - não creio que os portugueses tivessem faltado todos.

Sei até que dois ou três jogadores portugueses acompanharam os argentinos numa autêntica noite de folia por esta nossa encantadora Lisboa.

 

Todos estes factos culminaram com um inquérito efectuado pela Direcção-Geral dos Desportos e os componentes da equipa nacional de futebol foram castigados com três jogos de suspensão pela falta de desportivismo demonstrada com a não comparência ao banquete.

Sem dúvida, a Direcção-Geral dos Desportos teve razão. Sucedesse o que sucedesse, a verdade é que os futebolistas ingleses de nada foram culpados. Por isso, e só por eles, toda a nossa equipa deveria ter comparecido ao banquete de confraternização. Mais tarde, o castigo foi anulado, servindo-nos isso de consolação para tanta… desconsolação sofrida.

Quando fui ouvido pelo instrutor do processo de inquérito, procurei desculpar-me e aos meus camaradas, mas nada consegui porque, na realidade, faltámos ao banquete.

O que aconteceria se, nesse tempo, como jogador que era, tivesse atacado alguns dirigentes do nosso futebol?

Nem quero pensar nisso!

Agora o que podem dizer é que prestei falsas declarações mas até neste ponto só me cabe meia culpa; a outra meia pertence ao Sporting onde fui aconselhado a não dizer toda a verdade e tudo quanto sabia - como medida de prudência porque eu fazia falta ao clube. Era melhor calar, compreendem?

E foi assim, meus amigos: juro que não houve exigências de dinheiro, e que não combinámos faltar ao banquete. Cada um resolveu como lhe deu na real gana e… apanhou três jogos de suspensão.

A história completa deste Portugal - Inglaterra ainda será feita - se alguém quiser ou puder fazê-la. Por minha parte, acabou-se!

No fim de contas todos nós tivemos maiores ou menores culpas, desde os jogadores ao público que impiedosamente nos assobiou!…

Seja em desconto dos nossos pecados.»

 

 

In: Peyroteo, Fernando - Memórias de Peyroteo. 5ª ed. Lisboa : [s.n.], 1957 ( Lisboa : - Tip. Freitas Brito). pp. 176 – 177

Memórias de Peyroteo (27)

«ITÁLIA-PORTUGAL

 Itália, 4 - Portugal, 1

Génova, 27-2-1949

 

Formada por Barrigana; Virgílio, Feliciano e Serafim; Canário e Francisco Ferreira; Lourenço, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano - a equipa nacional de futebol desceu ao rectângulo para sofrer mais uma derrota. Ao fim dos 90 minutos o marcador acusava quatro para a Itália e um para Portugal!

Vitória justa? Punição merecida?

Ao terminar este jogo contra os italianos, recordei aquele outro encontro disputado anos antes, em Milão, contra a Suíça. Em ambos, as arbitragens tiveram preponderante influência nos resultados. O Sr. Mattea, árbitro do Portugal - Suíça, fez tudo quanto podia para “liquidar” o nosso grupo e com uma arbitragem cuja nota saliente foi a flagrante parcialidade a favor dos suíços, conseguiu o seu desejo.

Agora, a 27 de Fevereiro de 1949, no Estádio de Génova, o francês Sr. Sdez, imitou muito bem o seu colega… Não dirigiu o encontro - como lhe competia - preferindo trabalhar a favor da “squadra azzurra”…

Com esta referência não procuro, de modo algum, diminuir ó valor da equipa da Itália nem ofuscar o mérito da sua vitória, mas não me custa admitir que, com uma arbitragem imparcial, o grupo português não tivesse dado melhores provas do seu valor. Remámos contra a maré, até que a descrença nos invadiu, muito embora o público e os próprios críticos desportivos não se apercebessem do nosso desânimo.

A Itália apresentou um grupo equilibrado, um conjunto de bons elementos, atlèticamente bem preparados e bons conhecedores do sistema táctico WM. É inegável terem jogado melhor do que nós, portugueses, mas o resultado poderia ter sido outro…

Ao intervalo Portugal ganhava por 1-0.

No princípio do segundo tempo Barrigana não teve sorte em dois lances - e sofremos dois golos. Feliciano magoou-se e foi “destacado” para o lugar de extremo; esta alteração e a péssima arbitragem do Sr. Sdez abalaram a moral da equipa. Depois… tudo nos correu pelo pior!

A equipa italiana foi superior à nossa, merecendo a vitória sem discussão. Esteve em tarde feliz e mesmo sem a ajuda do árbitro teria ganho a partida, porque jogou mais e melhor.

Admito, sem reservas, que qualquer árbitro cometa erros, mas do- erro involuntário à evidente parcialidade, vai um Mundo de coisas! A parcialidade, nestes casos, cheira a uma coisa muito feia; desonestidade!

 

 

PORTUGAL - INGLATERRA

Portugal, 0 - Inglaterra, 10

Estádio Nacional, 25-5-1947

 

Precisamente na época de 1946/47, quando a Selecção Nacional era constituída por um lote de jogadores em óptima condição física, formando um conjunto de boa capacidade atlética-técnico-táctica, e por isso mesmo, conseguiu as duas primeiras grandes vitórias, que ficaram como mais uma página gloriosa na História do Futebol Por- tugês-batemos a Espanha, em Lisboa por 4-1 e ganhámos à Irlanda, em Dublin, por 2-0 - foi precisamente nessa época que sofremos a mais severa punição em jogos internacionais: Inglaterra, 10 - Portugal, 0.

Uma desilusão! Era lícito esperar-se que no desafio com os mestres ingleses a nossa equipa desse melhor conta de si, ainda que não se esperasse mais uma vitória da turma lusitana porque, na craveira do futebol mundial, os ingleses estavam muito acima de nós, mas como o futebol é um jogo, esse facto permitia acalentarmos esperanças, ainda que fossem vãs, de ganhar aos futebolistas da Velha Albion. Contudo, ninguém pensava na derrota por dez golos sem resposta nem nós, jogadores, julgávamos vir a sofrê-la, muito embora reconhecessemos o valor do adversário e soubéssemos qual a diferença de categoria individual e força de equipa que existia entre as duas turmas. Mesmo assim, não descemos ao rélvado do Jamor antecipadamente batidos, pois todos quantos jogam futebol sabem que nem sempre ganha o melhor…

Está ainda vivo na memória de todos nós aquele jogo em que o Tirsense bateu o Sporting, eliminando-o da Taça de Portugal, desafio em que, felizmente, não tomei parte.

Após os 90 minutos do “Portugal - Inglaterra”, a nossa derrota foi glosada em vários tons. Os “especialistas”, na crítica ao jogo, fizeram as suas considerações, algumas acertadas e comedidas, pondo o dedo na ferida: a incontestável diferença de classe futebolítica.

Também se afirmou que os ingleses jogaram excepcionalmente bem - talvez como poucas vezes o tivessem feito - e a equipa nacional portuguesa, já de si inferior, jogara muito menos do que podia, sabia e estava ao seu alcance. Mas, como sempre acontece, a par dos comentários acertados, fervilharam os boatos tendenciosos, mal intencionados, acerca do comportamento dos jogadores no estágio, em Venda do Pinheiro, chegando ao cúmulo de se dizer que os rapazes haviam feito exigências de dinheiro e, porque a Federação os não atendera, tinham entrado no rectângulo dispostos a jogar para perder, desinteressados do resultado.

Nada há mais falso! Garanto que não houve exigências de espécie alguma. O que se passou pode considerar-se simples e natural nos nossos acanhados meios de incompreensivelmente fingido profissionalismo futebolístico, conta-se em poucas palavras:

Todos nós conhecíamos o valor era “força” da equipa adver- sária, não ignorando as nossas possibilidades. Jogador por jogador, equipa por equipa, admitindo que cada um dos contendores jogasse o seu normal, fácil seria advinhar qual viria a ganhar a partida.

Aos leigos pode parecer que só isto era o suficiente para nos considerarmos batidos no rectângulo, uma vez, que já o estávamos psicologicamente. Mas não levemos as coisas ao exagero; pensemos que os jogadores internacionais não são uns inexperientes nestas andanças da bola. Ter-se na devida conta não só valor do adversário como o nosso próprio valor, não equivale a pensar-se em derrota pura e simples.

Ora, o conhecimento da incontroversa verdade quanto à maior valia da equipa inglesa (quem ousaria negá-la?) levou-nos a pensar não ser desacertado - sem pecado ou crime - pedir ao Seleccionador a sua intervenção, de modo a conseguir que os dirigentes federativos atribuíssem à equipa um “prémio de presença” em jogo internacional e o pedido foi feito por intermédio do nosso capitão de equipa. Portanto, sem mal intencionados atropelos, foi respeitada a escala hierárquica e a ideia teria morrido à nascença se o Seleccionador não estivesse de acordo. Mais tarde disse-nos já ter falado e que os dirigentes haviam prometido “estudar o assunto”. Não se falou mais no caso e aguardámos.

Onde está, pois, a exigência?

Os jogadores sabiam só terem prémio se ganhassem ou empatassem com os mestres ingleses. Em caso de derrota - que seria o mais provável - apenas receberiam cem escudos, ou seja, o valor de uma diária. Quero dizer: os jogadores recebiam, quando em estágio, cem escudos por dia e se perdessem o jogo com os ingleses só teriam direito ao equivalente a mais de um dia de estágio!

Exigência dos jogadores ou incompreensão alheia?

Se fosse de admitir que a organização do jogo acarretaria “déficit” para a Federação, nem sequer nos atreveríamos a pedir um “prémio de presença”. Mas todos nós sabíamos que muitos dias antes do desafio já a lotação do Estádio Nacional estava esgotada; por consequência, o nosso pedido ordeiro era de considerar.

Entretanto, a Federação começou a distribuir pelos jogadores os bilhetes por eles requisitados em tempo oportuno e desde logo verificámos haver reduções de tal ordem que alguns jogadores recebiam menos de metade dos bilhetes pedidos … para pagar!

Até certo ponto concordei com os “cortes” por saber que a serem atendidos todos os pedidos, a Federação teria de reservar mais de um milhar de entradas só para os sectores denominados “cabeceiras”. Mas a verdade é que, nalguns casos, houve exagero de tesourada, embora se argumentasse, para justificar as reduções, que a lotação se esgotara rapidamente…

A rapaziada exteriorizou o seu desgosto quando recebeu quase metade dos bilhetes requisitados, não só porque desejava servir todos quantos neles depositaram confiança em conseguir a almejada entrada no Estádio do Jamor e ainda porque os que ficavam sem bilhete só admitiam a hipótese de terem sido preteridos por outros mais amigos.

E assim começou a confusão.

Os menos calmos diziam que se todos nós fizéssemos o mesmo, rejeitariam os bilhetes, mas como as opiniões se dividiam, cada um ficou com a quantidade que lhe coube, e apresentamos ao seleccionador a reclamação que julgámos ser justa.

Disse-nos ter falado com os dirigentes mas o certo é que tudo ficou na mesma, salvo um ou outro caso isolado.

Mas o pior aconteceu quando a rapaziada verificou os lugares que lhe foram distribuídos, tanto de cabeceira como de bancada central ou lateral. Apesar de pagarmos como qualquer outro comprador, os lugares eram dos piores: os da bancada central eram junto da lateral e estas o mais próximo possível das cabeceiras! Mesmo ao “avançado-centro” distribuíram bilhetes “às pontas”!

Deste modo, os jogadores pagaram autênticas bancadas laterais ao preço da central e as “quase cabeceiras” pelo custo de bancadas laterais! E pagaram - é bom não esquecer isto.

Estava provado que as famílias e amigos dos jogadores não mereciam tão bons lugares como qualquer comprador de ocasião. Além de tudo isto, ainda apareceram, no estágio, algumas pessoas exibindo bilhetes dos melhores sectores…

Para reclamarmos procurámos qualquer dirigente federativo mas nenhum aparecia, ou se aparecia dava-nos respostas evasivas como esta: “-Vamos ver o que se pode fazer, mas vai ser difícil, porque na Federação há apenas umas dúzias de bilhetes marcados por pessoas que já sabem quais os lugares que lhes foram destinados; vamos a ver…”

Entretanto, começaram a chegar ao estágio os “clientes” dos jogadores e ao saberem que os bilhetes não chegavam para todos, mostravam-se aborrecidos, não acreditando no que dizíamos. Não havia forma de os convencer, chegando-se a trocar palavras pouco amáveis que tinham influência desastrosa no espírito de alguns jogadores em vésperas de tão importante desafio.

Após um dos últimos treinos alguns seleccionados foram à Federação, mas um funcionário superior informou não estar presente qualquer director, mas quando íamos a sair entrou um que amavelmente nos cumprimentou e seguiu para o seu gabinete mostrando assim não querer demorar-se em conversa conosco. Procurámos entrar novamente em contacto com o funcionário superior que nos atendera, mas isso levou seu tempo pois mandou recado pedindo-nos para esperar. Cerca de 15 minutos depois apareceu e com a maior naturalidade perguntou:

- “O que desejam?”

- “Teríamos muito empenho em  falar com o director que entrou há pouco. De resto o senhor já sabia o que pretendíamos…

- “Pois é, mas o director quê entrou há bocadinho já saiu!

- “Então o senhor sabia que desejávamos falar-lhe e não lhe disse nada?”

- “Não; não disse, porque me passou de ideia!

Estamos todos a entender, não é verdade? Decerto não teria havido receio de sermos portadores de qualquer doença contagiosa… Verificada a impossibilidade de entrarmos em contacto com os dirigentes que tratavam da distribuição de bilhetes, resolvemos fazer o nosso rateio e atender os amigos na medida do possível, não sem nos sentirmos descontentes e vexados com a forma pouco atenciosa como estávamos sendo tratados. Numa última tentativa recorremos ao seleccionador mas este, embora dando-nos razão e querendo ajudar, nada podia fazer. Estávamos em presença de um facto consumado.

Ora este estado de coisas não podia, de modo algum, contribuir para a boa e indispensável disposição dos jogadores e foi precisamente a má disposição em que se encontravam que motivou nova diligência recordando o pedido de “um prémio de presença”. Mais uma vez o Dr. Tavares da Silva nos disse ter falado, novamente, com os dirigentes federativos mas que até ao momento nada se resolvera. Nem sim, nem não - antes pelo contrário…

Na noite de sexta-feira anterior ao jogo, Álvaro Cardoso, capitão da equipa, recomendou que não mais se falasse em bilhetes nem em dinheiro. Todos nós nos devíamos entregar apenas à ideia de que no domingo iríamos defrontar uma poderosa equipa de futebol. A camisola das quinas estava acima de todas as questões e nós como desportistas só devíamos pensar em defende-la com todas as nossas forças e saber.

Todos cumprimos, mas a verdade é que não eram boas as relações existentes, nesse momento, entre jogadores e alguns dirigentes federativos. Não era bom o estado de espírito da equipa nacional.

No entanto, todos nós teríamos ficado satisfeitos se a Federação tivesse mostrado desejo, por mais insignificante que fosse, em resolver os nossos problemas. Bastaria para tanto que nos tivessem dado uma simples explicação acerca do motivo por que aos jogadores foram distribuídos , tão maus lugares. E é possivel que nesse capítulo a razão estivesse do lado dela - Federação. Mas não se dignaram dizer-nos uma única palavra de conforto moral; não lhe merecemos a consideração de qualquer resposta aos pedidos feitos por intermédio do Seleccionador, Dr. Tavares da Silva!

É vexatório,' não é? Mas foi assim; paciência!

É necessário esclarecer - repetindo - que ao solicitarmos um “prémio de presença” para o encontro Portugal - Inglaterra, tivemos o cuidado de salientar que se tratava de uma sugestão com a qual, evidentemente, a Federação podia não concordar, e sendo assim, não falaríamos mais no caso, exactamente para que um simples pedido não fosse tomado (?) por exigência.

Mas o silêncio que se fez em volta do nosso pedido não fazia crer nem supor que alguém lhe atribuíra foros de exigência. Dou a minha palavra de honra que isso nunca esteve no espírito dos jogadores e se qualquer dirigente nos tivesse informado da interpretação (errada aliás) que estavam dando ao nosso pedido, afirmo categoricamente que os jogadores não mais falariam nele.

Daqui resultou, como não podia deixar de ser, uma frieza dos seleccionados para com alguns dirigentes federativos; e comentava-se:

- “Eles não nos nos ligaram importância e, portanto, se vierem aqui ao estágio hoje ou amanhã (véspera e ante-véspera do jogo) não falaremos nos bilhetes nem no prémio, mas também não lhes ligaremos nenhuma…”

Era este o estado de espírito dos jogadores e não se pode dizer que fossem eles os principais culpados.»

 

 

In: Peyroteo, Fernando - Memórias de Peyroteo. 5ª ed. Lisboa : [s.n.], 1957 ( Lisboa : - Tip. Freitas Brito). pp. 170 – 176

Memórias de Peyroteo (26)

(retomo)

 

(cont.)

 

«NEM À HORA DA MORTE!….

 

A linha média da Selecção Portuguesa, que deveria jogar em Basileia, no encontro Suíça-Portugal, em 20 de Maio de 1945, constituía sério problema para o seleccionador nacional, Dr. Tavares da Silva.

Eis a incógnita:

O Moreira foi um dos nossos médios de ataque que melhor sabia enviar a bola aos seus companheiros da frente. Nisto não há a mínima parcela de elogio imerecido. Afirmo-o com toda a consciência do que digo e falo em nome da experiência própria.

Porém, catorze dias antes quando, na Corunha, se disputou o jogo contra a Espanha (6 de Maio de 1945) o Moreira revelou certas dificuldades na “marcação” do adversário à sua guarda.

Por isso mesmo e ainda por virtude da chuva que caira na noite anterior ao jogo e encharcara ó terreno, o Dr. Tavares da Silva considerou a hipótese de, contra a Suíça, substituir o Moreira pelo Barrosa.

A constituição definitiva da equipa só nessa noite nos foi comunicada, numa reunião em conjunto, na qual o Dr. Tavares da Silva disse:

- “A equipa de Portugal entra no rectângulo com a seguinte constituição- e citou os nomes dos jogadores, incluindo o Barrosa.

Rematou desta forma: “E joga o Barrosa, não por o considerar melhor do que o Moreira, mas porque o estado do terreno, muito escorregadio, aconselha a utilização de um elemento de carac- terísticas diferentes das do Moreira…”

Naturalmente que o Moreira não gostou, o que, aliás, sucede com todos os jogadores, porque nenhum gosta de ficar a ver o jogo I Pelo contrário, todos desejam defender as cores da camisola das cinco quinas.

Mas o seleccionador assim o decidira, não havendo, pois, mais nada a discutir. As ordens cumprem-se!

Decerto o Moreira não dormiu toda a noite, facto que se daria comigo em iguais circunstâncias. Jogador da melhor têmpera, homem que sentia o jogo, com ele vibrava e gostava, sinceramente, do futebol, não achou bem que o Dr. Tavares da Silva o substituísse pelo Barrosa.

Intimamente estava convencido de que era melhor do que o seu substituto. Ele tinha a sua opinião mas o seleccionador via o problema de maneira diferente.

Ora, na manhã do grande encontro, ainda muito cedo, o Dr. Tavares da Silva que, decerto, tal como o Moreira, não dormira bem, saiu do seu quarto a fim de dar um passeio, aproveitando a frescura da manha, mas reparou que no átrio do Hotel, sentado num “maple”, estava o Moreira, com cara de poucos amigos…

O seleccionador apercebeu-se donde provinha a sua disposição, o ar tristonho e o aborrecimento do nosso bom camarada Moreira, e resolveu ir conversar com ele, para o animar.

Dirigindo-se-lhe, disse:

- “Deixa lá isso, Moreira. Não penses mais no caso. Hoje joga o Barrosa, noutro desafio jogas tu. O futebol é assim. Não te aborreças…”

O Moreira ouviu tudo sem encarar o Dr. Tavares da Silva mas quando este acabou o “discurso”, o nosso famoso médio de ataque levantou a cabeça, fixou bem o seleccionador e tal como se falasse a um* inimigo, respondeu:

- “O senhor poderá ter muita razão mas tome bem nota disto: O Barrosa, nem à hora da morte, há-de passar tão bem a bola à linha da frente como eu! Ouviu bem? Pois é isto mesmo que lhe digo!…

Duas horas depois e quando a rapaziada apareceu no “hall” o Dr. Tavares da Silva queria mas não conseguia contar o que o Moreira lhe havia dito. Ria-se de tal maneira que pouco se entendia. Desejava contar mas o riso, as gargalhadas francas e alegres, não o deixavam articular uma palavra completa.

Só mais tarde conseguiu contar a “ocorrência”…

Não se pode negar certa graça e profundeza na imagem do Moreira:

- “O Barrosa, nem à hora da morte…

Mas o Moreira tem, ainda, melhor. Aquela dos pés elásticos em vez do “slip” é de sonho. Pena é que a não possa contar.»

 

 

In: Peyroteo, Fernando - Memórias de Peyroteo. 5ª ed. Lisboa : [s.n.], 1957 ( Lisboa : - Tip. Freitas Brito). pp. 169 – 170

Fernando Peyroteo

Tenho andando, neste espaço, a dar a conhecer em vários excertos, através das suas memórias, a vida de uma das nossas maiores glórias, Fernando Peyroteo, que este ano celebraria o seu centenário.

Mémórias de Peyroteo é o livro.

Contudo, tendo em conta o triste momento, único, que o nosso clube está viver, não compatível com a grandeza que esta figura impar merece, suspendo esses textos.

Este Sporting, digo antes, os dirigentes do actual Sporting não são dignos de Fernando Peyroteo... e de todos os outros "peyroteos, azevedos, travassos, jesus-correias, albanos, vasques, stromps, jorge-vieiras, jordões, manueis fernandes, hilários, damas, carlos-xavieres, etc., etc., etc. ..." que teve.

 

Memórias de Peyroteo (25)

 

(cont.)

 

«O V Portugal - Suíça em futebol, disputado em Basileia a 21 de Maio de 1945, terminou com a vitória dos suíços por 1-0- Perdemos bem e os nossos adversários ganharam melhor.

Analisando e comparando sector por sector, fomos inferiores no ataque e iguais na defesa. A meio campo ainda trocámos passes interessantes e fizemos algumas jogados de mérito, mas próximo da área suíça tudo se embaralhava… O “ferrolho suíço” perturbou a avançada portuguesa. De resto, a equipa suíça jogou quase toda ela sobre a defesa, procurando contra-ataques rápidos, de surpresa.

A nossa defesa, sim, trabalhou muito e jogou bem, cometendo, apenas, um erro, ou melhor, teve um momento de hesitação e sofreu o golo que ditou o resultado: na marcação de um livre, os nossos defesas hesitaram em qual deles devia guardar o interior suíço; entretanto a bola partiu e ele, sozinho, com um ligeiro toque, fez o golo - um tanto sem brilho mas que contou como se tivesse nascido de uma óptima jogada…

De resto, há sempre um pormenor que nos leva a perder a maioria dos jogos internacionais: a falta de classe, a falta de verdadeira categoria internacional da maior parte dos elementos que formam a equipa nacional portuguesa. Por carência de intuição para o futebol? Não! Muito têm feito os rapazes escolhidos para defenderem as cores da bandeira nacional no respeitante a competições desportivas internacionais, especialmente em futebol. O mal é outro, vem de longe, é o problema de sempre: as deficiências de “orgânica”.

 

Ainda há bem pouco tempo tive o prazer de conversar com o Francisco Ferreira - o grande “ Chico” do Benfica - e, como não podia deixar de ser, recordámos os grandes desafios entre o seu e o meu clube, os maus resultados da nossa equipa nacional - do nosso tempo é claro - e até o “penalty” que o “Chico” falhou no jogo contra a Espanha, na Corunha. Contristado, como se o caso se tivesse passado ontem, o “Chico” disse: “Se eu tivesse marcado aquela “batata”, os espanhóis, daí por diante, eram “canja”… Atirei para fora e levámos 4 “batatas” contra 2! Mas eles eram melhores do que nós!!!”

Recordámos várias peripécias dos nossos jogos internacionais e, entre eles, o que disputámos em Basileia - não propriamente acerca do jogo, mas sobre o regresso da equipa nacional. Eu conto: Como já disse, para a Suíça fomos de avião e muito embora o “Chico” e outros nossos camaradas tivessem vomitado quase as tripas à chegada a Genebra - no momento em que o “piloto” fez inclinar o avião ora para a esquerda, ora para a direita, de modo a melhor podermos apreciar a vista aérea da linda cidade de Genebra - ambos estávamos de acordo em que a viagem de regresso foi muitíssimo pior! Setenta horas de comboio chegam para arrasar qualquer valentão, mas como se isso não bastasse, lutamos com dificuldade de alojamento e até passámos fome!!! Admiram-se? Ora vejamos.

De Basileia a Paris tudo foi normal, mas de Paris a Lisboa as coisas correram o pior possível para os jogadores - e digo para os jogadores porque os dirigentes não sentiram tanto…

Não foi possível arranjar camas para todos e as poucas que se conseguiram destinaram-se, e muito bem, aos rapazes do Belenenses que teriam de jogar um desafio no dia seguinte ou dois dias depois da chegada a Lisboa. Conseguiu-se, pois, arranjar algumas camas, uns tantos lugares de l.ª classe e outros de 2.ª. Os dirigentes - cansados dos banquetes e consequentes discursos - ocuparam os lugares de primeira classe e nós, os jogadores, que apenas havíamos perdido com os suíços - sem esforços nem canseiras - fomos para a 2.a classe… Pois não são eles quem leva as “gentes” aos campos da bola? Não são eles a ocupar os postos cimeiros? Daí a razão e o direito de ocuparem, também, os melhores lugares nas longas, enfadonhas e maçadoras viagens!

O leitor perguntará: “mas todos os dirigentes são assim? Todos procedem da mesma maneira?” - Não, felizmente!

Os jogadores passaram noites sem dormir e muitas horas sem comer. O comboio não trazia a carruagem-restaurante e os nossos dirigentes, na estação, em Paris, compraram, para nós, uma merenda composta de 2 “sandwiches”, 2 bananas, 2 laranjas e uma garrafa de laranjada ou cerveja. Comido o lanche, a rapaziada pensou em comprar, em qualquer estação de caminho de ferro onde o comboio parasse, os alimentos de que necessitava. Mas, qual quê? Pois se os franceses não tinham quase que comer, como poderiam vender aos outros o que precisavam para eles?

A certa altura da viagem, o Teixeira - lembram-se do “gasogénio” do Benfica? - o Teixeira, dizia, apareceu-nos com uma lata na mão, a qual continha, no fundo, uns restos de sardinhas e molho de tomate, acompanhando o repasto com um pouco de pão! A rapaziada logo quis saber a proveniência do petisco, mas o “gasogénio” negou-se terminantemente a indicá-la, e só coagido sob ameaça de ser atirado pela janela fora, indicou o compartimento de l.ª classe onde obtivera aqueles restos de sardinhas e de pão. Para lá nos encaminhámos mas encontrámos a porta fechada e as cortinas corridas!

Silêncio absoluto!… Batemos uma, duas vezes e só depois de o Amaro e o Chico Ferreira declinarem as suas identidades, a porta do compartimento se abriu o suficiente para verificarmos que havia ali um autêntico “simpósio” - no verdadeiro sentido da palavra!… Não faltavam as latas de conserva, compotas, pão, frutas, etc.!!! Todo aquele “material comestível” havia sido levado de Lisboa para a Suíça, pensando-se já na eventualidade de a equipa nacional vir a precisar de alimentação suplementar, admitindo-se, por natural e evidente, que a guerra teria criado graves dificuldades, especialmente em França.

Tudo foi previsto cautelosamente, mas o certo é que, na Suíça, nada nos faltou. Do que leváramos só da compota comemos um pouco aos pequenos-almoços; as restantes provisões adquiridas em Lisboa, eram agora saboreadas pelos ocupantes dos lugares de 1ª classe…

Como é de calcular, o facto provocou uma barulheira dos diabos, mas os jogadores nada ganharam com isso! Logo a seguir a este incidente, o Ruben - funcionário da Federação e que já dera a um jogador o lanche que lhe coubera em Paris - desceu do comboio, na primeira estação, em busca de mantimentos, mas só conseguiu comprar dois ou três quilos de cerejas, que distribuiu por alguns rapazes, pois nem todos aceitaram a oferta! De resto, já alguns jogadores, noutras estações anteriores, haviam ido em busca de comida, mas nem cerejas encontraram…

Se a memória não me falha, pretendeu-se, logo a seguir à distribuição da fruta, distribuir pelos jogadores certa quantidade de “francos” para tentarem, ainda, comprar qualquer coisa de comer noutra ou noutras estações. Um dos internacionais recebeu essa meia dúzia de “francos” e, acto contínuo, atirou-os pela janela fora… É que de dinheiro não tínhamos nós falta; o que não encontrávamos em parte nenhuma era “o que comprar para comer”… A não ser que fôssemos à “loja” que estava instalada num dos compartimentos de 1.ª classe, cuja denominação comercial e privada era a de dirigentes.

E aqui tem o leitor a história resumida da fome por que passou a equipa nacional de futebol quando regressava da Suíça, onde fora disputar o V Suíça-Portugal em futebol.

É bonita a história, não é?

O futebol deu-me de tudo: algum dinheiro, boas passeatas, muita pancadaria e… fome!

Dos fracos nso reza a história, não é verdade? Mas por muito estranho que pareça, continuo a ter saudades… da bola!

 

Na nossa terra há muito boa gente que só vai ao futebol quando 0 Sol brilha nas alturas! Se o tempo ameaça chuva, ficam em casa ouvindo o relato pela telefonia, ou vão ao cinema e lêem o jornal da noite. Futebol em dia de chuva não lhes agrada…

Ora, na semana que precedeu a realização do VI Portugal -  ‘Suíça, disputado em Lisboa no dia 5 de Janeiro de 1947, nem todos os dias choveu e, por isso, a tal “boa gente” dos dias primaveris, tratou de arranjar, com a devida antecedência, os bilhetinhos para assistir ao jogo, sabido como é que, para os desafios internacionais, nem sempre se conseguem os bilhetes de entrada no campo.

Eu fui sempre uma vítima dos carolas que julgam ser^ muito fácil aos jogadores conseguirem quantos bilhetes querem. É certo que a Federação teve sempre em conta a nossa qualidade de jogadores da Selecção Nacional e, por isso, nos reservava uma razoável quantidade de bilhetes - pagos, é claro - e nos oferecia três ou quatro entradas de “circulação superior”, mas assim mesmo, os bilhetes-' reservados nunca chegavam para atender os pedidos, o que dava ocasião a zangas, aborrecimentos, etc., etc… Sucedeu, porém, que para este encontro arranjei tantos bilhetes quantos os necessários para satisfazer os interessados que, com uma semana de antecedência, me haviam assediado, mas por que na ante-véspera do dia do jogo choveu torrencialmente, a maior parte dos pedinchões não tornou a aparecer, e eu fiquei com quinhentos e tal escudos de bilhetes na algibeira!!! Fiz constar, depois disto, que não mais requisitaria bilhetes à Federação, por não estar disposto a gastar dinheiro inutilmente mas, mais tarde, achava graça aos que, embora mal os conhecendo, me pediam bilhetes e diziam logo: . “Olhe que eu sou daqueles carolas que aguentaram o Portugal - Suíça até ao fim e, como recordação, guardei este bocado de bilhete!…- Claro que, para esses, só quando foi totalmente impossível é que não os satisfiz, mas estou em crer que nenhum deixou de ir ao futebol! Aliás, mereciam a atenção de serem atendidos.

A chuva diluviana que caiu no sábado e no dia do jogo não impediu que 30 mil pessoas fossem ao Estádio Nacional assistir ao VI Portugal - Suíça e, quanto a mim, esta foi a faceta mais curiosa: num momento em que o jogo estava interrompido, o defesa suíço Steffen, chamou a minha atenção para o invulgar espectáculo que nos ofereciam os milhares de chapéus de chuva abertos. Era, de facto, muito interessante e nunca julguei que o conjunto resultasse tão curioso.

Quanto ao jogo, pouco há a dizer. Tanto a nossa equipa como a suíça jogaram abaixo das suas possibilidades. O campo encharcado, com verdadeiros lagos sobre o relvado, não era propício à execução de bom futebol. Quase não tínhamos força para levantar a bola que, pesando no inicio 425 gramas, pesava 675 no dia imediato ao jogo - peseí-a eu!

O resultado deste jogo, apenas memorável pela chuva torrencial que caiu, cifrou-se num empate a duas bolas, marcadas por Rogério e Moreira.

Foi este o último jogo que fiz contra a sempre vigorosa e boa equipa Suíça.»

 

In: Peyroteo, Fernando - Memórias de Peyroteo. 5ª ed. Lisboa : [s.n.], 1957 ( Lisboa : - Tip. Freitas Brito). pp. 164 - 169

 

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