Falar de ídolos, para mim, é simples: é falar de Manuel Fernandes.
Porém, nas “futeboladas” da minha infância, não era ele quem eu encarnava. Como a minha habilidade para 'jogar à bola' era pouca, não havia outra alternativa senão ser... guarda-redes.
Duas pedras, a três passos de distância, era a minha baliza, colocadas na estrada ou no recreio da escola, umas luvas “mal amanhadas” e aí estava eu.
Imaginava-me então uma outra figura do Sporting, aquele que o meu pai dizia ter sido o maior guarda-redes de todos os tempos: Azevedo! “Até de braço partido defendeu a baliza do Sporting”, dizia. Um Benfica - Sporting disputado a 17 de Novembro de 1946, soube mais tarde.
Procurei a crónica desse jogo, escrita por Tavares da Silva na revista Stadium. Este é o texto:
«(…) A partida emocionante de Lisboa!
As forças alinharam no Campo Grande da maneira que seguidamente indicamos, sob arbitragem de Carlos Canuto.
Benfica – P. Machado, Teixeira, Félix, Jacinto, Moreira, F. Ferreira, E. Santo, Arsénio, Júlio, V. Baptista e Rogério.
Sporting – Azevedo, Cardoso, Manuel Marques, Canário, Veríssimo, Barrosa, J. Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano.
A pugna ofereceu variados matizes: domínio de um, e logo de outro grupo; vitória a sorrir a um dos teams, para depressa se voltar para o outro. Ainda uma lesão de capital importância, levando Jesus Correia e Veríssimo para dentro das balizas.
Quando Canuto apitou para o começo – os leões desencadearam sem perda de tempo as suas ofensivas. Tal orientação denunciava o seu estado de espírito. Na realidade era ao Sporting, lògicamente [sic], que competia o assalto, devendo o Benfica, a coberto da sua vantagem, aguardar com serenidade o desenvolvimento do jogo. Mas, caso estranho!, os benfiquenses [sic] mostravam-se mais impacientes e sob mais viva influência nervosa, do que o seu adversário. Este jámais [sic] perdeu a cabeça, conservando sempre o cérebro a trabalhar. Mesmo nos momentos angustiosos, vide a fase de Veríssimo nas redes, os seus elementos souberam vigiar e coligar-se na defesa comum das redes.
Já o seu adversário não teve tacto para explorar a inferioridade numérica do antagonista, visto os seus elementos de ataque se embrulharem em frente das redes, traçando um futebol confuso em vez de espalhar o jogo pelas asas. Deste modo, os bons rematadores da linha atacante do Benfica não puderam aplicar com êxito os chamados golpes mortais. A bola encontrava sempre na sua trajectória o corpo de um jogador, ou num pé salvador de defesas.
Quando Azevedo reentrou incapaz de mover o braço esquerdo caído e inerte ao longo do corpo, o Benfica ainda fez o empate pelo lado desse braço, mas em seguida desistiu para mudar de rumo ao remate, proporcionando a Azevedo mais algumas defesas com a sua inconfundível rubrica.
Quando o empate parecia ser o resultado definitivo, o Sporting deu o golpe de teatro. Um remate de Albano, seguido de outro, também mortal, de Peyroteo, decidiram sem apelação o pleito.
O Sporting produziu excelente trabalho: equipa de ciência e de boa condição física. Sabendo como se realiza e tendo forças para realizar. A sua mecânica raramente foi destruída: na defesa, colocação de Barrosa no centro do terreno (3 backs); médio de ataque, e uma dianteira, rápida e precisa, forte e eficaz.
O Benfica encontrava-se num dia de má inspiração, dando alguns dos seus elementos a ideia de uma perturbação que não lhes deixava ver a sangue-frio as jogadas, por vezes fáceis, ou as manobras a fazer. A ligação ou colaboração, da defesa para a média, tornou-se deficiente pela necessidade da linha medular acorrer à frente, ao verificar a ineficácia da dianteira. Os interiores, perdidos no meio da confusão, também se esqueceram de dar à célula medular o auxílio indispensável, e dessa falha geraram-se fortes ataques sportinguistas.
Mas demos um golpes de vista à actividade dos jogadores, que é uma forma de fazer luz sobre o que se passou em campo. Comecemos pela equipa vencedora.
João Azevedo destacou-se como a figura central da partida. Meteu o público no bolso: primeiro com um punhado de defesas incomparáveis; segundo, pelo seu espírito de sacrifício. O seu regresso às redes, cheio de dores, justifica-se, pelo lado clubista, como chicotada moral no conjunto. E logo se viu o influxo.
Cardoso comportou-se como mestre que é, visão do lance antecipações magníficas. Manuel Marques, elástico, vivo, outro estilo, mas igualmente um valor. Barrosa, na feição de defesa, a que melhor se coaduna com as suas faculdades, transformou-se num elemento precioso. Importa aguardar o futuro. Canário construiu muito jogo, passando modelarmente. Veríssimo, quanto a nós, rendeu mais do que a sua média. Com espantosa energia nunca se considerou batido, e ao defender não se esqueceu de atacar.
Jesus Correia talvez mereça a classificação de elemento mais perigoso: jogada sóbria, mas invulgarmente rápida, e uma bola que merecia ser inscrita nos Tratado de técnica. Vasques, um dominador da bola, cumpriu a sua tarefa. Peyroteo, talvez com menos mobilidade, foi a ameaça de sempre; o seu alinhamento fortaleceu a equipa. Travassos evolucionou no campo com donaire, e sabendo o que fazia. Albano, mais sóbrio que de outra vezes, teve jogadas de excelente marca.
No Benfica, julgamos que P. Machado não teve culpas nos golos. Talvez no terceiro… Mas a verdade é que os remates rápidos e potentes surpreendem e batem qualquer guarda-redes. Teixeira jogou francamente bem, de bom despacho de bola, sentindo e antecipação, com a desvantagem do seu companheiro (que talvez não seja defesa mas continue a ser médio!) se mostrar pouco certo e seguro, Jacinto apagou-se um pouco: sem iniciativa e menos feliz nas respostas que ordinàriamente [sic].
Moreira desenvolveu extraordinária actividade em certo período, mas em toada de defesa.
Francisco Ferreira despendeu energia a rodos: quando viu a altura a altura de atacar, lançou-se abertamente nesse caminho mas não teve acompanhantes. Espírito Santo não progrediu no terreno. Arsénio produziu lances de grande vivacidade, mas acabou, arrasado, físicamente [sic]. Júlio perdeu-se no meio da confusão geral. Vítor Baptista, rematou com oportunidade, colocação e força (o melhor dos rematadores!), a par de deficiências de posição. Rogério, de bons pormenores, decaiu um pouco, e raramente pôde perfurar a barreira adversária.
Carlos Canoto arbitrou com mão de mestre, consentindo o jogo forte e ousado, mas sem violências. Nem um só momento deixou de ter os jogadores na mão e manteve intacta a sua serenidade e a boa disposição que caracterizam as suas arbitragens. (…)» [*]
Curiosamente, mais tarde, na escola quando andava no 8.º ano, numa dessas futeboladas de recreio parti o meu braço direito, porém, ao contrário de Azevedo, não regressei à baliza… Nesse ano o meu ídolo, Manuel Fernandes, marcou 4 dos 7 golos ao Benfica.
[*] In. STADIUM, n.º 207, 20 de Novembro de 1946. p. 3
O voleibol estará longe de ser uma modalidade mediática em Portugal, mas poucos não terão ouvido falar em Miguel Maia. Um daqueles raros casos em que alguém se torna figura maior no universo que o rodeia. Sem exagero, direi que Miguel Maia estará para o Voleibol como Amália Rodrigues para o fado.
Desportista de eleição, o valoroso atleta nascido em Espinho a 23 de Abril de 1971 consagrou-se no voleibol de pavilhão e voleibol de praia, alcançando uma impressionante colecção de títulos individuais e colectivos, que o tornaram mundialmente conhecido e respeitado. Apesar de ter conquistado a maioria dos títulos ao serviço do Sporting de Espinho, no Sporting Clube de Portugal conquistou quatro campeonatos nacionais, uma taça de Portugal e duas supertaças, o que não é coisa pouca, principalmente se levarmos em conta que envergou o número 8 da verde e branca "apenas" durante cinco épocas. Convém não esquecer que durante grande parte destes anos o Sporting não manteve actividade na secção de voleibol. O último título nacional foi obtido na época 2017/2018 com a idade de 47 anos e até hoje ainda não terminou a carreira. Será que ainda vamos ter Miguel Maia na quadra aos 50 anos?
É justo deixar uma referência à Académica de Espinho que o formou, pela qual também conquistou uma taça e um campeonato, feitos históricos que a agremiação até hoje jamais logrou repetir.
À enorme classe que sempre demonstrou na posição de distribuidor, Miguel Maia acrescenta uma intensidade competitiva fora do comum, possuindo ainda um serviço potente e colocado. Além do voleibol indoor, o espinhense notabilizou-se na vertente de praia, levando inúmeros portugueses ao rubro nos Jogos Olímpicos Atlanta 1996 e Sidney 2000, quando, fazendo dupla com o amigo de infância João Brenha, ficou à beira da medalha, obtendo dois amargos, mas brilhantes, quartos lugares.
Miguel Maia não ocupa hoje apenas um lugar na história do voleibol, nem tão pouco na história do Sporting Clube de Portugal, está muito para além disso. É um desportista de eleição com lugar conquistado por mérito próprio no desporto nacional, sendo uma referência, um exemplo a seguir para as futuras gerações de jovens portugueses. Enquanto sportinguista, só posso estar grato por ter visto este enorme atleta envergando a nossa camisola com o leão rampante no peito.
Pese embora sempre ter tido compreensão pelo denodado papel dos "carregadores de piano", o meu coração sempre privilegiou os artistas e, de entre estes, os maestros, os que sob a sua batuta transformam os outros 10 jogadores numa orquestra capaz de entoar as mais belas melodias.
Era ainda muito pequenino quando começou a minha ligação ao Sporting. Tudo se iniciou através das ondas da rádio. Uma onda média, tal como a minha paixão na época: de frequência semanal, sempre aos Domingos à tarde. Esse era um tempo sem filtros nem preconceitos, em que absorvia como uma esponja tudo o que dissesse respeito ao Sporting que para mim era relevante, ou seja, aquele que paradoxalmente entrava em campo no dia de descanso dos trabalhadores portugueses. Logo aí tive 3 ídolos: Hector Yazalde, Vítor Damas e Samuel Fraguito. O argentino não permaneceria muito mais tempo connosco e Damas saiu quase logo a seguir, de modo que quando comecei a ir ao estádio já só restava Fraguito. Este, para mim, acabou por ser a ponte entre o futebol ouvido (e sonhado) e o futebol vivido, entre a onda média e o tsunami Sportinguista que me invadiria o coração, e por isso tem toda esta relevância na minha vida.
No velho José de Alvalade idolatrei um novo terceto. Ao Fraguito juntei então o capitão Manuel Fernandes (grande ídolo da minha juventude), um homem que parecia ter um iman nos pés e possuía a finta mais curta e inebriante do futebol português, e Rui Jordão, um artista que em campo, precocemente, já descobrira a sua vocação futura, bastas vezes entretendo-se a pintar quadros de uma impressionante beleza, usando como inspiração naturezas mortas semelhantes ao impacto devastador que provocava nos adversários impotentes para o parar.
Mas é sobre Fraguito que Vos falo hoje e foi à volta dele que compus este pequeno trecho que agora aqui Vos deixo. Para que não caia no esquecimento dos adeptos Sportinguistas. Fraguito está vivo, a Norte, em Vila Real, trabalhando na UTAD, e pelo calvário de lesões que teve de suportar na sua carreira, pela sua humildade, pelo seu carácter e, principalmente, pelo seu virtuosismo, merece em vida o nosso reconhecimento. Como todos os grandes jogadores, aliás. Afinal, eles são a razão primordial de toda esta paixão, é bom não esquecer. Para quem se deixar afectar por conjunturas e tiver dúvidas, proponho apenas que se relembrem dos tempos de juventude e da origem da sua paixão. Nesse sentido, entendam este Post como uma elegia não só a Fraguito, mas também aos grandes jogadores de futebol.
"...E lá ia ele, cabeça levantada e olhos de falcão, sempre à procura de fazer nova presa, um passe teleguiado para golo.
E para economia de recursos (e descanso da canhota), o pé direito a trabalhar, parte de dentro aqui, parte de fora, acoli. Quaresma? Quaresma ainda não era nascido e já ele espantava meio-mundo como o Rei das Trivelas.
E a multidão ululante, animada por os Vapores do Rego, jovens estudantes brasileiros que iam a Alvalade tirar a "especialização".
E ele - que saíra em bebé para o Brasil, donde só voltara aos 15 anos, depois de 5 anos a jogar (e ganhar) no Fluminense - a deslumbrar no relvado, ao ritmo do samba que lhe encantava o corpo.
E eis que ergue a batuta e toda a equipa gira à sua volta numa mágica dança que é um pagode para os olhos.
E o povo reza, reza para que os seus joelhos não cedam hoje - sete operações aos joelhos são muito mais do que a conta para um homem - porque merece ver todo o sumo extraído da uva deste senhor jogador nascido no Douro Vinhateiro.
E todos na bancada recordam no seu subconsciente aquele jogo internacional em que, junto à linha de fundo, usou os pés como tenazes - o mexicano Cuauhtémoc Blanco ainda não era nascido - e golpeou a bola por cima de 2 adversários incrédulos com o que viam, para depois centrar com precisão de regra e esquadro para Yazalde finalizar.
"Ecce homo"! Samuel Fraguito, o Menino do Rio, Estrela da Abobeleira, génio e homem do futebol de rua ou de praia. De Copacabana, com amor (pelo "belo jogo")!"
P.S. À atenção da Comunicação do Sporting: hoje, dia 8 de Setembro, Fraguito completa 68 anos de idade. Não se esqueçam, por favor! O mesmo dia de Bruno Fernandes, a mesma classe...
Atribui-se ao Sporting, e com toda a propriedade, o mérito de ter formado os melhores extremos que o futebol português já conheceu até à data.
Para muitos essa será, aliás, a principal virtude das camadas jovens do futebol leonino: formar extremos de qualidade mundial, como mais nenhum outro clube em Portugal sabe formar.
No entanto, não será exagerado reconhecer-se que, a par dos seus extremos, o Sporting também se tem distinguido, ao longo da sua história, pelos seus guarda-redes.
A memória colectiva de quem ainda os viu jogar, ou as crónicas da época, não me desmentem: Azevedo, Carlos Gomes ou Vítor Damas foram gigantes no seu posto, começando e acabando neles as vitórias que fizeram do Sporting um grande Clube, tão grande como os maiores da Europa.
As suas carreiras foram de tal ordem extraordinárias que, ainda hoje, quando alguma publicação se propõe eleger os melhores jogadores de sempre do futebol português, todos eles continuam a figurar distintamente nessa lista.
No imaginário leonino, um guarda-redes de eleição, na tradição de Azevedo, Carlos Gomes ou Vítor Damas, tem de: ser excepcional; deixar tudo em campo; jogar muitos anos de leão ao peito; capitão da equipa e vencedor.
Desde que Vítor Damas deixou a baliza do Sporting muitos tentaram preencher estas qualificações mas, verdadeiramente, o único que o conseguiu na plenitude foi… Rui Pedro dos Santos Patrício.
Rui Patrício tem só 25 anos, o que no seu posto nem sequer corresponde à idade da maturidade de um guarda-redes, mas parece que defende a baliza do Sporting há 20 anos.
Quando Paulo Bento arriscou lançar o miúdo de Marrazes às feras, depois de Stojkovic ter desperdiçado a oportunidade para provar ser o melhor guarda-redes da Europa, muitos vaticinaram que aí estaria o próximo guarda-redes da Selecção Nacional. Mas outros tantos não se coibiram de lhe apontar, de forma desprezível, as ineficiências, não dando qualquer margem de erro.
Rui Patrício traçou o seu próprio caminho. Contra a desconfiança dos rivais, por vezes dos próprios sportinguistas, contra a falta de qualidade de muitos dos seus colegas de equipa e que muitas vezes afectou o todo, e contra, em certo momento, uma fase pessoal menos favorável e que a imprensa sensacionalista tentou explorar ao máximo.
Em todos esses momentos, nunca o guarda-redes do Sporting se deixou abalar. Nunca se lhe apontou qualquer crise de confiança. Bem pelo contrário, quanto mais o Sporting se afundava, mais crescia e se distinguia Rui Patrício.
Não será exagerado dizer-se que o Sporting é Rui Patrício e mais 10.
A imprensa, os rivais, e até mesmo muitos sportinguistas, têm suscitado, ocasionalmente, a estranheza pelo facto de Rui Patrício ainda não estar a defender outro grande da Europa. Talvez porque ainda não chegou a sua hora.
O certo é que apesar de nas duas últimas temporadas, no último jogo para o campeonato, se ter despedido de forma muito emotiva dos adeptos, oferecendo a camisola, no que muitos quiseram logo ler aí o sinal da sua despedida do Sporting, Rui Patrício estava presente na pré-temporada seguinte, sem dar mostras de qualquer descontentamento ou angústia. Muito pelo contrário.
Rui Patrício é o último grande capitão do Sporting, nos últimos anos. Rui Patrício é o Sporting que eu conheci e amo. O Sporting feito por quem sua e bate-se até ao fim pela camisola, por quem não cospe no prato onde comeu, e por quem joga como só os melhores sabem fazer.
Não vi Azevedo jogar, não vi Carlos Gomes jogar, e também não vi Vítor Damas jogar. Por isso, Rui Patrício é o “meu guarda-redes”, de todos os Sportings que vi jogar desde que fui ao futebol pela primeira vez na vida, no longínquo ano de 1990.
E, pela sua excepção entre os postes, pela entrega com que se dedica ao jogo durante os 90m, pelo facto de já defender as redes do Sporting há vários anos, pela inevitabilidade de ser o seu capitão, e pelos títulos que já conquistou, Rui Patrício é um dos meus ídolos do Sporting Clube de Portugal.
Na impossibilidade de “repetir” ídolos - caso ainda fosse possível escreveria sobre Balakov -, decidi-me a vasculhar o baú de memórias dos últimos anos. Comecei por seleccionar aqueles jogadores de que mais gostei e de que não teria embaraço algum em envergar uma camisola com o seu nome estampado nas costas. A opção recaiu mais num “preferido”, retirado deste lote, do que propriamente num “ídolo”.
No início de 2006, regressava de um período no Rio de Janeiro, onde fiz um bom amigo argentino, adepto do San Lorenzo de Almagro e que se tornou posteriormente adepto do Sporting, tal como eu me tornei simpatizante do San Lorenzo, por afinidade. Nesse início de 2006 recebi uma chamada telefónica desse amigo, em estado de euforia, a informar-me que o ídolo do seu clube vinha para o Sporting. A descrição que me fez não podia ser mais entusiasmante. Fiquei, imediatamente, empolgado.
Como a maioria dos jogadores argentinos, Leandro Romagnoli, tem uma alcunha, El Pipi, na Argentina é conhecido por El Pipi Romagnoli. Também como a maioria dos jogadores argentinos, Romagnoli tem como grande ídolo Diego Armando Maradona, que o chegou a considerar, na sua autobiografia (2000), como um dos 100 melhores jogadores de sempre e um jogador com talento suficiente para lhe suceder.
Lembro-me perfeitamente da sensação que tive quando vi Romagnoli a jogar de verde e branco pela primeira vez. Um jogador fino, com boa técnica individual, um 10 clássico, com uma forma de interpretar o jogo muito própria, mas fisicamente lastimável. E, como se sabe, a condição física é indissociável do rendimento desportivo. Assim que El Pipi se começou a apresentar melhorias no seu estado físico, a qualidade apareceu. E não era pouca.
Tudo em Romagnoli era artístico, desde a forma como recebia a bola, a forma como aparecia e ocupava os espaço, passando pela sua estranha forma de correr e pelas longas discussões que gerava entre os que o defendiam (diria mais, entendiam) e os que o atacavam. Classe, talento e inteligência. É desta forma que defino Romagnoli. Como já referi várias vezes, a inteligência e a percepção do jogo são, para mim, as características mais importantes de um futebolista.
Quando penso em Romagnoli vêm imediatamente à memória aquelas combinações com Nani no lado esquerdo do ataque, as assistência para Liedson, a forma como dava sempre uma linha de passe aos colegas, a forma como tocava a bola, os passes de ruptura que fazia e vontade de assumir sempre o jogo.
Foram 120 jogos e 13 golos com a camisola mais bonita do mundo vestida. Sempre treinado por Paulo Bento (é curioso que a única época em que Bento não contou com Romagnoli coincidiu com o seu abandono do Sporting), ganhou duas Taças de Portugal e duas Supertaças. Ficou sempre em segundo lugar no campeonato e esteve na equipa que mais próxima esteve de ser campeã nos últimos 10 anos, em 2006/2007 com apenas um ponto de atraso para o Porto.
Em Setembro de 2006 o meu amigo argentino esteve a viver uns tempos em Lisboa e sempre que o Sporting jogava em casa pedia-me a gamebox para ir ver o “seu” Romagnoli.
Nesses longínquos anos setenta, em que o meu irmão e eu frequentávamos a Primária, Inácio era, para nós, o quarto mosqueteiro, que se veio juntar aos três já existentes: Yazalde, Damas e Dinis. Estreou-se, em 1975, na equipa principal do Sporting e logo provou ser um defesa indispensável, com lugar “cativo” na seleção nacional, a partir de 1976. O Sporting, nessa altura, estava cheio de heróis, mas Inácio deslumbrou-nos pela sua juventude, as crianças gostam de ver um jovem atingir um estatuto de prestígio no mundo dos adultos.
O meu irmão e eu tínhamos outra grande paixão: os desenhos animados do Vickie. E as aventuras não se limitavam aos episódios televisivos, nós próprios as prolongávamos, ou arranjávamos outras, com a ajuda dos bonecos que se vendiam por todo o lado e tornavam aquelas personagens palpáveis. Já não sei como passámos dos Vikings aos nossos ídolos do Sporting. Mas o certo é que igualmente inventávamos aventuras e peripécias ao quarteto sportinguista. À falta de bonecos que os personificassem, a solução foram os peõezinhos com que se jogava o Monopoly.
Os craques do futebol limitados a peõezinhos coloridos? A imaginação infantil não tem limites, todos os meios servem para atingir os seus fins, neste caso, sentirmo-nos mais perto dos nossos ídolos. O verde e o azul eram o Yazalde e o Damas, ou ao contrário, confesso que não me recordo desse pormenor. O azul, neste caso, não tinha qualquer ligação ao F.C.Porto, foi escolhido por ser a cor mais próxima do verde. O preto não dava margem para dúvidas: Dinis. Quando Inácio se lhes juntou, escolhemos o amarelo, já que o vermelho estava fora de questão e o branco nos parecia pálido demais. Com estes nossos ídolos, vivemos várias aventuras, fazíamos uma voz diferente para cada um e até viajámos de carro com eles, ao pormos os peõezinhos dentro, ou em cima, dos carrinhos Matchbox.
Quando Inácio foi para o F.C.Porto, em 1982, sentimo-nos traídos, como qualquer bom sportinguista. Mas, nessa altura, já não nos entretínhamos com teatrinhos infantis. Além disso, não sabíamos, mas Augusto Inácio haveria de regressar ao clube, onde chegara com apenas 11 anos. Por duas vezes.
Nota: a fotografia de Augusto Inácio é do site do Sporting
«É de pensar que o Sporting é muito grande, e que são estas coisas que valem muito para um clube. São estas coisas que trazem sportinguismo ao clube. Isto não é quantificável. Isto não são 6%, 7%: isto é o Sporting! Isso traz coisas muito importantes ao Sporting. Fervor sportinguista, acima de tudo!» João Benedito, 20-06-2010
O Sporting é um clube feito de lendas que marcam gerações e ajudam a escrever a história e a grandeza do clube. Há 34 anos, em Lisboa, nascia uma das mais marcantes lendas sportuinguistas das últimas décadas. João Paulo Feliciano Neves Benedito, veio ao mundo para seguir os passos do mítico Zé Belo, guardião das redes leoninas nos primórdios do futsal português, e consagrar-se como o melhor guarda-redes de sempre do futsal nacional e um exemplo de esforço, dedicação devoção e glória ao serviço daquilo que o próprio considera ser, mais do que outra coisa, uma causa: o Sporting Clube de Portugal.
Fez quase toda a sua carreira de profissional de futsal no Sporting (apenas saiu por um ano para os espanhóis do Playas de Castellón), onde também trabalhou noutras áreas. E em todas se destacou como um brilhante e exemplar profissional. Mas essas atitudes de profissional de topo apenas me merecem uma grande admiração. O que verdadeiramente me encanta em João Benedito é o facto de ele viver a sua relação com Sporting como um adolescente vive o seu primeiro amor: de forma incondicional, arrebatada e emotiva. No seu caso, um primeiro amor feito à primeira vista e para a vida toda. Basta ver o orgulho com que usa a braçadeira de capitão, a alegria com que festeja os títulos do clube e a tristeza com que chora as derroas, o brilho nos olhos quando fala do Sporting e o instinto de leão pronto a defender o clube quando alguém o ataca, fazem de João Benedito um cocktail delicioso de alma, carisma, lenda e sportinguismo. Não há sportinguista que repreenda o seu profissionalismo. Não há sportinguista que questione a sua qualidade. Mas, acima de tudo, não há sportinguista que não se emocione com papel que João Benedito realmente representa: o de guardião do sportinguismo incondicional, do amor à camisola, do fanatismo de quem vê no Sporting a sua vida.
Para além de tudo isto, João Benedito é também produto de um grande património leonino: as suas modalidades. Apesar de muitas vezes desvalorizadas e questionadas, as modalidades do Sporting deram ao clube alguns dos seus mais importantes campeões. João Benedito é um deles, na linha de Carlos Lopes, Joaquim Agostinho, Livramento, Fernando Mamede, Marco Chagas, entre outros, que, para além de grandes campeões, foram grandes exemplos de sportinguismo, sentimento que as modalidades têm ajudado a manter e a propagar.
Para terminar, partilho um vídeo com as declarações de João Benedito que transcrevi logo no início do post, e que dizem tudo sobre a sua visão do Sporting e o sentimento que o move. Palavras que se afastam do miserabilismo com que muitos sportinguistas olham para o clube e que servem de arma de luta contra quem, do exterior, nos tenta menorizar. Porque o Sporting deve ser sempre um clube com vontade de ganhar e ser melhor do que os outros e, com isso, crescer. Enquanto houver Beneditos de leão ao peito, o Sporting e a sua grandeza nunca serão postos em causa.
Quando entrou em nossa casa, tinha cerca de 2 meses. Andava abandonado na rua, mas tinha uns olhos meiguíssimos. Após uma votação renhida, decidimos adoptá-lo, impunha-se agora escolher um nome. "Mãe, um nome à Sporting, por favor!"
Ok. Liedson foi a primeira proposta, quase em uníssono. Porém, algo naquele momento me fez recuar. Não, Liedson não. Apesar de gostar muito dele, sei que está de passagem pelo Sporting, e um dia será jogador de outro clube e ainda nos dá algum desgosto. Tem de ser um nome indiscutivelmente sportinguista, ligado ao clube para a eternidade. Outra vez em uníssono: Stromp.
Foi assim que o Stromp chegou à nossa casa. Por estes dias deve estar a completar os 3 anos de vida, e hoje, como no primeiro dia, recebeu-me outra vez no quintal com aquela devoção que é própria de quem é incapaz de uma traição.
Fundador eclético, e jogador de magníficos recursos, Francisco Stromp, foi o primeiro grande capitão e treinador de futebol do Sporting Clube de Portugal. Nascido em 1892, é perpetuamente o sócio nº. 3, número que possuía quando faleceu, em 1930.
Respeitado por companheiros e adversários, atleta de eleição, Stromp comandou a equipa campeã de Portugal em 1923, marcando o primeiro golo da final. Também se sagrou campeão nacional do disco. Foi duas vezes vice-presidente do Sporting.
As palavras que proferiu após a vitória do Campeonato de Lisboa em 1923, definem bem o espírito do Sporting:
“Ganhámos o Campeonato de Lisboa sem contestação dos nossos adversários e, até, com aplausos de todos eles. É isto um dos mais saborosos frutos do nosso trabalho. Ainda não chegámos ao fim. Agora vamos disputar o Campeonato de Portugal. Pretendemos ganhá-lo da mesma forma, sem contestação. A nossa vitória no Campeonato de Lisboa não se deve ao valor individual dos componentes da nossa equipa. Deve-se principalmente à correcção que todos soubemos manter em todos os jogos que fizemos, à assiduidade aos treinos que todos compreenderam serem necessários para vencer e à disciplina que me orgulho de ter sabido manter, não usando outros meios que não fossem a evocação da amizade que por todos tenho e aquela que todos temos pelo Sporting Clube de Portugal. Confio novamente na vontade de todos para poder triunfar. Continuaremos a trabalhar sem um desfalecimento."
O meu maior ídolo em toda a história do Sporting é, sem margem para quaisquer dúvidas, Joaquim Agostinho.
Educado num ambiente em que o sportinguismo era, como continua a ser, um traço distintivo, uma marca familiar sem excepções, que une pais e filhos, avós e netos, bisavôs e bisnetos, tios e sobrinhos e primos, o Sporting sempre foi para mim muito mais do que futebol. O meu pai que foi, ele próprio, nos princípios dos anos 50, campeão de atletismo, no pentatlo, incutiu-nos desde cedo, a mim e aos meus irmãos, como já o haviam incutido a ele, um amor ao Clube que sempre esteve muito para além das vicissitudes, por muito penosas que fossem, das nossas equipas de futebol.
Não é nem foi nunca agradável passar por situações como a que agora estamos a viver, mas, digo-o com toda a sinceridade, a maneira como eu sinto o Sporting não me permite descer aos abismos de desespero em que grande parte dos adeptos do clube se encontra mergulhada. O Sporting não é para mim uma mera equipa de futebol, não pode vogar ao sabor das competências ou incompetências de gestores ou vagos gestores, auto-proclamados magos da administração desportiva, dos entusiamos e amuos de investidores desapaixonados ou de obscuras engenharias financeiras. O Sporting é muito mais do que isso, é um clube, verdadeiramente um clube, de sócios e adeptos que o vêem como uma instituição perene, com raízes no passado, como algo de seu, como algo a que estão muito mais profundamente ligados do que a ligas de milhões ou a controvérsias estéreis com adversários que, muitas vezes, também não respeitam as suas origens.
Cresci, como disse, nesta atmosfera, a admirar nomes que, muitos deles, provavemente já nada dizem às gerações mais novas mas que contribuiram, de forma decisiva, para cimentar a minha paixão pelo nosso clube.Além, como é natural, de muitos ligados ao futebol, guardo na minha memória reconhecida, sem preocupações cronológicas ou ordem de importância das modalidades e lamentando o muito possível esquecimento de inúmeras figuras de proa do sportinguismo, nomes como Manuel de Oliveira, Fernando Mamede, Carlos Lopes, Júlio Fernandes, Armando Aldegalega, Pedro de Almeida, Alberto Matos, Lídia Faria, Eulália Mendes, Maria do Céu Lopes, Adília Silvério, Raposo Borges, as irmãs Conceição e Manuela Alves, os andebolistas do penta, no princípio da década de 70 do século passado, Manuel Brito, Castanheira, Manuel Marques, Bessone Basto, Mesquita e Carlos Correia, basquetebolistas como Manuel Sobreiro, desaparecido tão novo, Nelson Serra, Mário Albuquerque, Carlos Lisboa, Rui Pinheiro ou Quim Neves, os jogadores de hóquei em patins Ramalhete, Júlio Rendeiro, Sobrinho, Chana e Livramento, voleibolistas como Miguel Maia ou, no ciclismo, gigantes como Agostinho, João Roque e Leonel Miranda.
E tantos, tantos outros poderia mencionar, e, muito mais do que eu, o poderiam fazer homens como o meu pai, que sempre me falou em nomes antigos, para ele, tão grandes ou maiores do que estes - muitos mais de todas estas modalidades do que, propriamente do futebol - atletas e dirigentes que ajudaram a erguer, a partir de um clube fundado por uns poucos, a grande instituição que hoje conhecemos. Não faltará, certamente, quem vá acusar este discurso de não constituir mais do que uma tentativa de defesa contra os tempos catastróficos que o nosso futebol atravessa. Com esses não vale a pena discutir. Temos maneiras tão diferentes de viver e sentir o clube, ou clubes, no caso de fiéis a outros emblemas, que qualquer insistência será inútil.
Dentre todas as figuras que citei, a de Joaquim Agostinho sobrepõe-se, como afirmei no início, a todas as outras. Iniciado no Sporting e no ciclismo com 25 anos, após, ao que se conta, uma observação fortuita efectuada por atleta do clube, suponho que João Roque, surpreendido num treino, para os lados de Torres Vedras, pela força e destreza de um trabalhador rural montado na sua pasteleira, Joaquim Agostinho começou, em pouco tempo, a fazer, em Portugal, o que melhor sabia: ganhar. O empolgamento dos sportinguistas, lembro-me como se fosse ontem, depressa se tornou nacional e tomou conta dos portugueses em geral, numa onda de entusiasmo culminada em 1969 na Volta a França, em que Agostinho atingiu o 8º lugar, depois de uma série de peripécias que envolveram um grande sofrimento físico e o elevaram, na esfera desportiva, ao estatuto de herói nacional.
A sua carreira, depois deste começo, é a que todos conhecemos. Aqui e além-fronteiras, a figura incomparável do nosso grande atleta encheu-nos de orgulho por anos a fio. Manteve sempre a sua humildade, uma grande ingenuidade e uma enorme capacidade de sofrimento, e nunca ninguém pôde acusá-lo de, ao serviço das equipas por que passou, não ter dado, em algum momento, o máximo da sua generosidade pessoal e qualidades profissionais.
Hoje, desculpem-me que o repita emocionado, Joaquim Agostinho continua a encher-me de orgulho e, para mim, pelo que foi e pelo que simboliza, é a maior figura desportiva de toda a história do Sporting.
Manuel Marques e Vítor Damas. Duas das grandes glórias e lendas da História do Sporting
Tive a enorme honra de o conhecer. Na verdade foi Manuel Marques, o “Mãos de Ouro”, que fez a recuperação física da minha irmã mais nova, operada a um joelho e muito necessitada de urgentes cuidados de fisioterapia, o que o levou semanalmente a minha casa durante alguns meses, depois de uma bem sucedida operação levada a cabo por Branco do Amaral, médico do Sporting. Manuel Marques não era médico mas sabia muito mais do que a maior parte deles. Modesto, de uma educação exemplar, ficava deliciado a vê-lo trabalhar.
Uma vez, anos mais tarde, consultei-o em sua casa, ali para as bandas do Liceu Padre António Vieira. Tranquilizou-me relativamente às minhas suspeitas de que teria um problema num joelho. Até hoje o seu diagnóstico revelou-se certeiro. Possuídor de uma capacidade ímpar de recuperação de atletas, Manuel Marques conseguiu, ao longo da sua vastíssima carreira de mais de 50 anos no nosso Sporting, tornar-se numa lenda viva.
Natural de Arganil, terra onde nasceu a 19 de Setembro de 1910, veio para Lisboa com 12 anos e nunca chegou a ser médico, o seu sonho, tendo-se formado em enfermagem. Nessa qualidade exerceu funções no Sporting e na Selecção Nacional de Futebol durante 54 anos, nesta a partir de 1942.
Como reconhecimento dos seus enormes atributos, em 1953, por ocasião da conquista pelo Sporting do seu segundo tri-campeonato, o Clube atribuiu-lhe a camisola 12 numa homenagem àquele que era considerado o 12.º jogador.
Deixou-nos em 1990, data que recordo com tristeza, sendo que, de certa forma, o seu nome ficou perpetuado para sempre ao ser atribuído à sala onde funciona o Posto Médico do Clube.
Não era um atleta, mas muitos atletas nada teriam sido sem ele. É o ídolo de muitos. Merece estar aqui.
Quem me conhece sabe que sempre fui partidário do ecletismo no meu clube e que sou um verdadeiro apaixonado pelo futebol e pelo atletismo.
Estas duas paixões foram transmitidas pelo meu pai, pois ainda hoje recordo os jogos de futebol e provas de atletismo a que assisti na sua companhia.
Muitos foram os atletas que se distinguiram no clube mas recordo sobretudo Manuel Fernandes, Jordão, Domingos Castro, Dionísio Castro, Carlos Lopes e o enorme Fernando Mamede.
O grande sonho de Fernando Mamede era jogar futebol pelo Sporting Clube de Portugal mas por sorte acabou a representar o clube de coração no atletismo.
Participou nas Olimpíadas de 1972, 1976 e 1984, nas provas dos 800, 1500 e 10.000 metros e estafetas 4x400 m.
Desde sempre foi atleta do Sporting Clube de Portugal e um dos fundistas portugueses com maior relevo, pois deteve o recorde mundial dos 10.000 metros entre 1984 e 1989. Fê-lo como poucos souberam e conseguiu bater inúmeros recordes nacionais e internacionais.
As más-línguas dizem que psicologicamente não era um atleta forte e que por essa razão nunca conseguiu triunfar nos maiores palcos.
Mas para mim foi e sempre será o melhor de todos. O meu ídolo!
Foi durante anos o símbolo do outro lado da Segunda Circular. Aquele tipo que caía na área e nos marcou para sempre naquela noite em que Queirós inventou. Ficámos com a última imagem do perdão dos 7 a 0 em Vigo e da famosa conferência de imprensa a dizer que estava... desempregado.
Nesse ano, 2000, começámos a apaixonar-nos com aquela rotação como só ele sabia fazer. E que golo aquele à Inglaterra. Dava o empate depois de outro golo monumental de outro ídolo desta casa.
Fiorentina? Porto? Não. Foi mesmo Sporting Clube de Portugal. Vale e Azevedo dava assim um contributo enorme ao nosso clube. Chegava o menino de ouro ao Campeão Nacional. Cedo se ambientou. Vinha na nova vaga da espinha dorsal da Selecção para Alvalade. Com ele chegaram Sá Pinto, Paulo Bento, Rui Bento, Bruno Caires, Dimas, foram muitos. Mas ele brilhava mais que todos. E brilhou. Esse ano, foi por pouco. O Boavista roubava o sonho do Tri. E aquele campeonato devia ter sido nosso.
Mas chegou a época 2001/2002. Primeiro jogo e já está! Cruzamento a cair e Niculae a facturar. Uma batata na baliza do Porto e o arranque a sorrir a Boloni. Mas as coisas complicaram. Até que em Leiria, 5 milhões e um Robert Spehar, um Pavel Horvath e um Mbo Mpenza depois, chegava o filho do nosso menino de ouro. Jardel aparecia e marcou, marcou e marcou. 42 e só começou à quinta ou sexta jornada. Levantava a camisola e perguntava “Porque será?”
Foi um ano de glória, 5 a 0, 6 a 0, 6 a 1. Eram jogos no velhinho Alvalade sempre a subir de forma. Andavam por lá André Cruz, Beto, Barbosa e Quaresma a dar os primeiros passos. Andavam Rui Jorge e Phill Babb, a tranquilidade de Paulo Bento e a operacionalidade de Rui Bento. Óbvio que a estrela maior era o Super Mário. Mas o Jardel sabia que o Jardel marcava porque existia um Grande Artista, sempre a jogar bem fosse na derrota ou na vitória, como mais ninguém ficou na nossa memória, ver-te de Verde não sei o que sinto: o Grande Artista JOÃO PINTO!
Deus sabe que Mário Jardel não era um fabuloso jogador de futebol. Não era um sonhador como Maradona ou como Messi. Não tinha os pés pendulares de Zinedine Zidane ou de Platini. Não tinha a jactância dos Ronaldos (o triste e o dentuça). É verdade que não, mas Mário Jardel tinha isto: tinha o fogareiro sempre aceso. Era o Super Mário. Sem ter sido um fabuloso jogador de futebol, só me ocorre dizer isto: Jardel foi (muito provavelmente) o maior goleador do futebol moderno. Eu comecei por gostar dele como as mulheres gostam umas das outras: com uma total falta de expectativas. Chegou a Alvalade na época 2001/02 vindo da Turquia e marcou logo 42 golos. É isto que se chama uma saraivada. Mais isto: por três vezes marcou três golos num jogo e bisou numa outra dúzia. Nem vale a pena dizer, mas devemos ter ganho o campeonato, a taça e a supertaça, não foi? Jardel não era um jogador da bola: era uma máquina de fazer golos. Aquilo chegava a ser leviano, logo ele, que acreditava estar predestinado como goleador. Tinha uma fome esgalgada de golos. Enchia a grande-área como se fosse engolir o mundo inteiro. Rematava de onde calhava e com a parte do corpo que calhava, mas sempre com elevadas probabilidades de marcar. Era esse dom que deixava os guarda-redes com a passarinha a tremer. É um exagero repetir que Jardel andava ao serviço de Deus dentro do campo, mas ele achava que sim. Ele achava que tinha o dom dos eleitos. Eu só acho que havia algo de inexplicável naquela retórica belicista. Jardel tinha, como direi isto, uma certa vocação napoleónica, tinha o poder dos golos, uma fome que não podia esperar. O futebol do Super Mário era isto: uma permanente narrativa de guerra. O resto, já se sabe: a queda estroina de um homem-guerreiro é sempre mais impressionante do que a sua ascensão sacrossanta. As coisas deixaram de correr bem a Jardel fora dos campos, teve o seu Waterloo e acabou a carreira quando todos merecíamos muito mais. Ele ficou órfão da opinião pública e dos elogios dessas mediocridades glorificadas dos jornais de bola. Eu fiquei apenas grato.
Uma questão como “qual atleta do Sporting é o nosso ídolo” não tem uma resposta única ou óbvia, pelo menos para mim. Muitos dos atletas já abordados nesta série, e outros que porventura nem serão nela incluídos, merecem que os classifique como “ídolos”, e não só no futebol. O nosso clube tem uma grande tradição em diversas modalidades, nas quais teve diversas importantes vitórias que deram origem a muitos títulos que ajudavam a compensar o jejum no futebol nas décadas de 80 e 90.
Se me perguntarem, porém, qual foi o futebolista mais decisivo, não o mais importante – todos foram importantes: essa era uma equipa equilibrada -, mas o mais decisivo, para pôr fim a esse jejum, aí responderei sem hesitação: foi o André Cruz (logo seguido pelo Acosta, é certo – mas para mim foi o André). Como para mim esse foi o mais belo e emocionante título do nosso clube, foi sobre o André que decidi escrever. Contratado cirurgicamente como reforço de inverno em 2000, o André, internacional brasileiro, era um central experiente e de invulgar categoria, distinguindo-se por uma característica que sempre admirei num jogador: uma extraordinária precisão de passe e de remate. Fazia lembrar outro grande leão com semelhante precisão, o Carlos Xavier, que bem merecia pertencer a esta lista de ídolos. Os livres do Carlos renderam muitos pontos na década de 90, mas infelizmente nenhum título (embora o Carlos até tenha sido campeão em 82, na sua primeira época). Já com o André o Sporting conquistou dois títulos de campeão nacional, uma taça e uma supertaça. Mas toda a gente o associa sobretudo aos dois momentos cruciais da época de 1999/2000: a vitória em Alvalade com o FC Porto, em que o Sporting assumiu a liderança no campeonato a meio da segunda volta pela primeira vez em 18 anos, e a consagração, contra o Salgueiros, em Vidal Pinheiro. Em ambos o André “faturou” golos importantes. Recordo ainda outro golo de livre, na época seguinte, no empate com sabor a vitória contra o Real Madrid do Figo, em Alvalade, na estreia na Liga dos Campeões nessa época, que comemorei em casa. Na altura não vivia em Portugal, e foi esse o único jogo do Sporting a que assisti em direto em minha casa.
Por essa mesma razão, nunca tinha assistido ao vivo a um jogo com o André, até aqui há dois anos, quando se realizou em Alvalade um amigável de homenagem ao grande Iordanov, com a presença de jogadores seus contemporâneos, como o André e o também grande, enorme Acosta (felizmente o Iordanov e o Acosta fazem parte desta lista de ídolos, e seria imperdoável que não fizessem!). Ao intervalo, havia um passatempo em que, com um único remate à distância de um penálti, se tentava enfiar a bola, não numa baliza, mas num buraco de dimensões pouco superiores às da bola. Um teste dificílimo, que exigia uma precisão de remate superior. Vários jogadores e espetadores tentaram, com um remate, enfiar a bola no referido buraco. O único que o conseguiu, à primeira tentativa, foi o André Cruz, aos quarenta e tal anos.
A referida precisão de passe do André não era útil somente a marcar livres, embora fosse essa a faceta mais visível e mais recordada. O André não se limitava a despachar bolas para a frente sem nexo, de qualquer maneira, como tantas vezes se vê centrais fazerem. O André colocava sempre a bola na posse de um companheiro de equipa, a longa distância, por vezes do outro lado do campo. Uma bola ganha pelo André era uma bola efetivamente ganha: era um ataque que começava.
Cheguei através do amável convite do Pedro Correia que muito agradeço. A camisola está vestida desde sempre, vou honrá-la nesta tribuna. Para começo nada melhor que entrar pela série dos nossos Ídolos. Já aqui escreveram textos sobre muitos Sportinguistas, ídolos de todos nós. Eu por mim vou lembrar Oceano.
Se alguém quiser falar de raça, garra, entrega, dedicação, tem que se lembrar de imediato de Oceano. Ao todo jogou onze épocas de verde e branco com um intervalo de três épocas em Espanha onde deixou uma boa imagem. Lembro-me, no estádio, de o ver jogar com os característicos pés bem abertos e a sua forma peculiar, alguns diriam algo atabalhoada, de correr. Se no início houve alguma desconfiança com a sua qualidade, rapidamente Oceano demonstrou que tinha chegado ao Sporting para deixar a sua marca. No meio-campo chegava sozinho para limpar e varrer os adversários. Era duro sim, mas não um caceteiro, não desistia nunca de um lance e deixava tudo o que tinha em campo, chegou a jogar a guarda-redes! Como Homem era considerado pelos seus colegas como um exemplo de seriedade e lealdade. Era um jogador, ao contrário se calhar da maioria, que não estava em campo para enganar nem o público, nem o árbitro. Entrava em campo apenas e só para dar o seu melhor pelo Sporting. Para quem acha que Oceano não tinha qualquer técnica, basta lembrar os 7-1. Os de Carnide de certeza que se recordam.
A melhor recordação que tenho de Oceano leva-me a um jogo onde no meio-campo este extraordinário jogador, ao tentar chegar a uma bola se desequilibra e na tentativa de chegar à bola vai em queda, cai que não cai, uns bons vinte metros. Oceano era assim, desistir nunca, dar o máximo que tem pelo seu clube. O que no início gerou uma gargalhada no estádio, ao ver Oceano quase a cair, no fim dos vinte e pouco metros gerou uma ovação pelo esforço daquele que foi um dos grandes capitães do Sporting. É agora o nosso treinador da equipa B. Só lhe peço, mais que tácticas e movimentações, que ensine aos nossos futuros craques o que é ser jogador do Sporting. Basta falar dele próprio.
Quem lhe deu o nome sabia o que aí vinha. Um jogador imenso.
Ele chegou na minha adolescência, naquele momento em que comecei a ir à bola sozinho ou com amigos meus. Foi uma viragem de página para mim, que coincidiu com o renascer do clube, depois de anos de amargura.
Stan Valckx, holandês, chegou-nos em 1992, ganhando de imediato um lugar na defesa. Fez três épocas, duas delas de altíssimo nível. Jogava de cabeça levantada, como poucos sabem fazer. Era duro, mas leal. Subia no terreno com a facilidade de um médio. A confiança com que jogava - fruto de uma enorme experiência, também na selecção laranja - transmitia-se dentro e fora do campo.
Lembrei-me de o acrescentar à nossa lista quando pensava na minha maior expectativa para este ano, o também holandês Boulahrouz. Estou certo que nos vai trazer tantas alegrias como o seu compatriota.
É a primeira série colectiva do nosso blogue. E continua a registar grande sucesso junto dos leitores, pelos ecos que nos vão chegando. Aproveito para recordar aqui os textos que já foram publicados. E fica a promessa: ainda não termina aqui.
À medida que o tempo passa, com o acumular dos anos, fui perdendo a capacidade de criar ídolos. Mas, na idade da inocência, tinha para aí 5 anos, decorria provavelmente a época de 1955/56, ou na pior das hipóteses a época seguinte, o gosto pelo futebol chegou quando criei o meu primeiro ídolo: Manuel Vasques - um dos jogadores que integrou os 5 violinos: aquela linha avançada dos «leões» que, nos últimos anos da década de 40, deslumbrou os adeptos pelo entrosamento, harmonia e magia de jogar futebol. Uma pequena orquestra afinada que deu 3 campeonatos nacionais seguidos ao Sporting. Vasques continuou a jogar até à época de 1958/59. Quando abandonou o futebol, depois de 13 épocas com a camisola do Sporting, tinha metido 317 golos. É ainda hoje o 3º melhor goleador de sempre do Sporting.
A memória não dá para tanto, mas certamente o apelido deve ter pesado naquele meu encantamento de infância, para além das descrições radiofónicas das suas jogadas e dos golos espectaculares, que ouvia religiosamente ao Domingo à tarde. Igual peso na descoberta de Manuel Vasques deve ter tido o facto de, na mesma altura, um tio – o João e o seu irmão Luís, ambos com o mesmo apelido do violino sportinguista - terem jogado em clubes da primeira divisão. Foi, pois, com 5 anos que, através de um dos maiores goleadores, de um jogador de excepção, cheguei também ao SPORTING CLUBE DE PORTUGAL. De onde nunca mais saí, obviamente!
Quando reclamei a minha condição de última da lista alfabética, o Pedro Correia teve pena de mim e as crónicas passaram a sair pela ordem de produção. Eu, ambiciosa, pus um selo de reserva no Liedson, que a ninguém foi indiferente enquanto passou por Alvalade.
Chegou ao futebol com 22 anos e ao Sporting aos 25. Não era um menino da Academia. Nem sequer tinha dedicado toda a sua vida ao futebol. Pelo contrário, conhecia bem as prateleiras do supermercado, onde trabalhou para poder subsistir. Em muitos gerou desconfiança, para mim ganhou crédito. Alguém que sabe dar valor às oportunidades, para variar.
Depois, havia o problema da sua fraca figura. Que força pode ter? Talvez tenha velocidade, mas para isso devia escolher o atletismo, não? E eu a ver o Liedson lá de casa, a figura franzina do meu filho Pedro, o pisca de gente, como lhe chamávamos em pequeno, mas dono de uma energia que nunca mais acaba e absolutamente doido por futebol.
Chegou, jogou e venceu. Melhor marcador do campeonato português de 2004/05; Melhor marcador do campeonato português de 2006/07; 2º melhor marcador da Taça UEFA em 2005; Melhor marcador da história do Clube nas competições europeias; Jogador estrangeiro com mais golos marcados ao serviço do Sporting. A 21 de Outubro de 2010, Liedson realizou o seu 300º jogo com a camisola do Sporting, e simultaneamente tornou-se o jogador estrangeiro com mais golos marcados em competições europeias ao serviço de clubes portugueses. O seu primeiro golo nesse jogo foi o número 200 do Sporting na Liga Europa/Taça UEFA.
É claro que houve muitas reclamações, por parte dos adeptos sportinguistas, se passava jogos sem marcar. É claro que houve muitas críticas que a imprensa – tão nossa amiga – insistia em fazer, contando afincadamente os minutos que separavam os golos do Levezinho. É claro que há quem prefira lembrá-lo pela desavença com Sá Pinto e atirar para o lado o número impressionante de golos que marcou, ou a forma como carregou às costas a equipa, a nossa equipa, em dias tristes e desmotivados. Façam uma pesquisa no Google, vão poder confirmar o que estou a dizer.
Não era o 31, era trinta e um num só. Capaz de construir uma jogada lá do fundo, de onde roubava a bola aos adversários, um ou dois passes cruzados e depois, ele e a baliza, um corredor aberto num ângulo impossível, a bola no fundo das redes, um golo sempre festejado com amor, um estádio a estourar de alegria.
E aquela fraca figura… meu Deus! Confesso que muitas vezes tive vontade de o adoptar, para poder retribuir as alegrias que nos deu, a forma como resolvia o impossível, a capacidade que teve de nos tornar leve o pesado fardo das expectativas goradas e desilusões cinzentas.
Durante várias épocas, Liedson tornou o Sporting maior. E os Sportinguistas souberam reconhecer a sua entrega e dedicação na forma como se despediram dele.
Grave questão, de facto: como escolher um e apenas um ídolo do Sporting? A verdade é que não pode ser resolvida de uma forma racional. Resta a emoção. É difícil não se ser simpática com uma pessoa que tem a mesma idade, nasceu no mesmo mês (e no mesmo dia que José Alvalade, Wikipédia dixit), ama descabeladamente o mesmo clube, marca golos fantásticos, põe um estádio em êxtase. E tem tanta pinta, ainda por cima.
Começo por espalhar sobre a mesa, em confusão, recortes antigos de jornais, fotografias de Sá Pinto, de leões tiradas em África, uns apontamentos de poesia. Poesia? Para falar de um futebolista? Um nonsense? Não. “Vem-lhe o pressentimento; ele se lança / Mais rápido que o próprio pensamento / Dribla mais um, mais dois; a bola trança / Feliz, entre seus pés - um pé-de-vento!”, escreve o Vinicius e eu nem preciso de fechar os olhos para ver o Sá Pinto.
Sportinguista desde sempre, foi por ele que bati tantas vezes as pálpebras em adoração beata, rendida ao sortilégio do futebol no seu esplendor, impossible is nothing quando Sá Pinto estava em campo. “Fazer da palavra um embalo / é o mais puro e apurado / senso da poesia”, disse o Mia Couto. Que dizer de quem embala, transporta a esperança de tantos na ponta dos pés? O que Sá Pinto fazia com a bola é pura dança.
Estou convicta que a vida é uma espécie de casino: ganha-se ou perde-se na proporção do que se aposta. E Sá Pinto aposta tudo. Líder nato, teimoso, imprevisível porém leal, perigoso e por isso fascinante. Dou por mim, quase, quase, a tolerar-lhe defeitos – don’t mention Liedson - que não julgava capaz de aceitar.
Agora a sério. Há mais príncipes encantados a transformarem-se em sapos do que sapos a transformarem-se em príncipes encantados. Pois é, apesar dos sapos serem verdes e tudo, o que eu queria mesmo, o que eu queria muito, era que Sá Pinto, que não será o mais perfeito dos príncipes encantados porém é um grande treinador, fizesse jus ao seu apelido, Ricardo Coração de Leão, e conquistasse, não Jerusalém, mas o título. Não é pedir demais, right Ricardo?
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