Os meus leitores mais atentos saberão decerto que um dos meus alvos de estimação é um "craque" chamado Nélson Oliveira. Tão "craque" que um dos maiores especialistas do comentário ludopédico português, com lugar vitalício na SIC Notícias, chegou a atribuir-lhe este originalíssimo título: «Potencialmente, é já neste momento o melhor ponta-de-lança português.»
Não era para rir: era mesmo a sério. Até porque esse "especialista" é totalmente destituído de sentido de humor...
Palavras leva-as o vento. Estas foram proferidas no longínquo mês de Junho de 2012, quando a imprensa amiguinha enchia parangonas com os méritos reais ou imaginários do jovem lampião. Paulo Bento, sensível aos ventos da opinião, chegou a convocá-lo para a selecção nacional, onde o dito "craque" tudo fez para desmentir os vaticínios do tal que já lhe chamava "melhor ponta-de-lança português".
O tempo foi passando. O Benfica viu-se livre dele e, consequentemente, à selecção nacional nunca mais voltou. Os tais que lhe dedicavam parangonas enfiaram a viola no saco e o rapaz ficou esquecido. Até agora. Acaba de ser notícia por ter marcado um golo. Um golito ao serviço do Swansea, por empréstimo encarnado. O primeiro golo que marca nesta temporada. Aliás, o primeiro golo que marca desde Março de 2014, quando ainda vestia a camisola do Rennes.
Um golo em 13 meses: temos "craque", sem dúvida. Este Nélson ainda será protagonista de um novo Trafalgar.
Leio no Record que o Deportivo da Corunha "já levanta voo com asas portuguesas". O clube galego, recém-promovido à divisão principal espanhola, venceu com esforço o Ourense, da segunda divisão B, num jogo em que - salienta o jornal - este clube "deu bastante luta".
A vitória sorriu aos da Corunha pela margem mínima: 1-0. Se levantam voo, como o Record garante, é caso para dizer que voam baixinho.
Mas afinal como jogaram os portugueses que integram as fileiras do Depor? O diário desportivo esclarece-nos: "Pizzi foi decisivo" ao apontar o canto que deu origem ao golo e Bruno Gama conseguiu "colocar constantemente a defesa do Ourense de cabeça à roda".
E aquele que "já é, potencialmente, o melhor ponta-de-lança português"? O prometedor rapaz entrou aos 70 minutos e a sua exibição merece apenas duas linhas e meia de texto no Record: "Nélson Oliveira dispôs de duas oportunidades para marcar mas não foi feliz."
Paulo Bento esforçou-se o mais que lhe foi possível: fê-lo alinhar em quatro dos cinco jogos do Euro 2012. Esforçado escusado: o rapaz que nessa altura andou a ser levado ao colo pela imprensa de pigmento encarnado não marcou sequer um golo para amostra no Europeu - ao contrário por exemplo de Varela, que rematou com êxito tendo jogado bem menos. Nem era novidade: também no campeonato nacional, onde alinhou em 12 jogos, Nélson Oliveira não conseguiu marcar. Só mesmo alguém com eventuais problemas do foro oftalmológico era capaz de concluir o seguinte: "Potencialmente, Nélson Oliveira é já o melhor ponta-de-lança português. Não temos melhor."
É lamentável que Jorge Jesus não tenha dado ouvidos às entusiásticas proclamações de admiração pelo "melhor ponta-de-lança português". O técnico encarnado deixou claro que não contava com ele para a nova temporada, o que levou o rapaz a marchar para as brumas da Galiza, onde "já é potencialmente" um dos melhores avançados desse potentado futebolístico chamado Deportivo da Corunha, recém-promovido à I Liga espanhola.
Vamos sentir saudades dele. E dos seus não-golos. E dos seus quase-golos. Afinal, algum mérito ele deve ter: não me lembro de, nos últimos anos do futebol português, alguém ser tão elogiado por ter conseguido tão pouco.
Rui Santos falou sempre em tom muito crítico nas apreciações que foi fazendo à equipa portuguesa ao longo do Euro 2012. Mas abriu uma notória excepção: sobre Nélson Oliveira falou sempre bem. De tal maneira que nunca regateou um elogio ao jovem avançado do Benfica. O entusiasmo era tanto que só ele viu o que mais ninguém conseguiu vislumbrar.
É caso para lhe gabarmos a coerência. Mas nada mais há para gabar. Porque o Nélson Oliveira que deslumbrou Rui Santos não chegou a comparecer nos relvados deste Europeu. Não jogou bem nem mal - foi simplesmente irrelevante. Varela, que esteve menos tempo em campo, teve oportunidade de marcar um golo e falhar outro que tentou marcar. O jovem que tanto elogio mereceu ao quilométrico comentador da SIC Notícias nem andou lá perto. Percebeu-se melhor por que motivo Jorge Jesus nunca o colocou a titular durante o campeonato: pode vir a ser um jogador de grande nível mas por enquanto não passa de uma simpática promessa.
Não é assim, Rui Santos?
Parece que não.
Já a 9 de Junho, nos estúdios de Carnaxide, o seu entusiasmo era incontrolável logo após o jogo contra a Alemanha: «Potencialmente, Nélson Oliveira é já o melhor ponta-de-lança português. Não temos melhor.» O raciocínio é tortuoso e até paradoxal, mas percebe-se a ideia. Faltou apenas sustentá-la em factos.
A 13 de Junho, consumada a vitória contra a Dinamarca, parafraseou-se a si próprio. Nos mesmos termos paradoxais: «Potencialmente, Nélson Oliveira é já neste momento o melhor ponta-de-lança português.» Em perfeito contraste (pasme-se) com os centrocampistas. «Sobretudo ao nível do meio-campo, há muito tempo que não tínhamos tanta falta de bons jogadores», afirmou no mesmo canal televisivo. Lançando um anátema simultâneo sobre Miguel Veloso, Raul Meireles e João Moutinho. Alguma lógica nisto? Absolutamente nenhuma. Mas tanto faz.
Ficaram por aqui os hossanas ao miúdo? Nem pensar. A 17 de Junho, consumada a vitória portuguesa sobre os holandeses, Santos insistia. Proclamando isto: «Eu sou um fã do Nélson Oliveira. Gosto muito do Nélson Oliveira.» E mais isto: «Nélson Oliveira é de facto um jogador que dá uma outra cara ao ataque português. Com ele o nosso ataque transforma-se.»
Cesse tudo o que a musa antiga canta que outro valor mais alto se alevanta. Deixo só uma perguntinha em jeito de remate: lembram-se quantos golos o "melhor ponta-de-lança português" marcou neste Europeu? Isso mesmo: não marcou nenhum.
Depois de Silvestre Varela ter marcado um golo decisivo contra a Dinamarca apesar de ter estado em campo menos de dez minutos será que Paulo Bento continuará a optar pelo jovem dianteiro benfiquista como primeira opção para o ataque fora do onze titular? O jogo de amanhã contra a Holanda tem vários pontos de interesse. Este é um deles.
Confesso: ando cansado de ouvir falar no Nélson Oliveira. E tenho bons motivos para isso. Na segunda-feira, 48 horas antes do Portugal-Dinamarca, dois diários desportivos puseram o jovem suplente do Benfica em destaque nas suas primeiras páginas. "Estamos de cabeça levantada", dizia o jovem, cujo retrato ocupou praticamente a capa inteira desse dia do diário A Bola. A justificação para o destaque fotográfico, esclarecia o jornal, tinham sido os três golos apontados pelo rapaz... no treino da véspera.
Como não há coincidências, no mesmo dia O Jogo apressava-se a antecipar a presença do jovem Nélson no lugar de Helder Postiga como ponta-de-lança da selecção. A sua inexperiência em jogos internacionais, o facto de nem Jorge Jesus o incluir no onze titular das águias e a certeza de não ter marcado um único golo no campeonato pareciam irrelevantes perante a onda mediática que ia engrossando em torno do seu nome, agigantando-se qual tsunami a chegar à costa. "Nélson Oliveira ganha espaço", titulava nesse dia o Record, tentando não perder a corrida. "Nélson Oliveira é um trunfo para Paulo Bento", dizia a RTP no dia seguinte, citando o treinador Rui Vitória.
Foi preciso Paulo Bento pôr fim a tanta especulação com quatro palavras apenas: "Vai jogar o Helder." Que por acaso até marcou contra a Dinamarca.
Nélson jogou meia hora, como suplente de Postiga. Sem marcar. Mas nem por isso desaparecerá das manchetes. Vai uma apostinha?
Surgiu aqui um comentário «lampiónico» que merece relevo pela descabida tentativa de enaltecer a inclusão de Nelson Oliveira na Selecção Nacional, reclamando a sua superioridade a um atleta do Sporting. Disse o leitor: «Lagarto cheio de azia; o Nelson Oliveira coxo, joga mais que o Wolfswinkel dopado». Além da despropositada comparação, uma vez que o debate era a selecção e não clubes, sentimos o dever de esclarecer este muito mal informado benfiquista.
O Ricky, esta época no Sporting, jogou, sublinho jogou, 46 jogos e marcou 25 golos. Desde que se tornou sénior em 2008, ainda com 18 anos de idade, quando foi chamado à equipa principal do Vitesse e, posteriormente, ao Utrecht, participou em 93 jogos, marcando 30 golos, 6 dos quais nas provas europeias. No total da sua carreira, incluindo selecções, jogou 161 jogos e marcou 68 golos.
O Nelson Oliveira já passou pelo Rio Ave, Paços de Ferreira e Benfica, participando no total de 45 jogos, apenas 4 no clube da Luz, com o grande total de 4, repito, 4 golos.
Se vamos fazer comparações, haja, pelo menos, alguma lógica mínima para comparar. O Nelson poderá vir a ser um excelente jogador, mas por enquanto ainda não o é. Uma vez que foi chamado por Paulo Bento desejamos-lhe muita sorte, mas esta consideração não invalida a legitimidade de comentar a sua inclusão. Como a dele, a de outros também.
Só uma perguntinha: quantos golos o jovem Nélson Oliveira, um dos sete convocados para a linha avançada da nossa selecção no Europeu, marcou pelo seu clube durante o campeonato que findou?
{ Blogue fundado em 2012. }
Siga o blog por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.