valeu a pena vir ao mundo e ter nascido com lealdade vou responder, mas primeiro consultei meu travesseiro sobre a verdade tive porém, que lembrar o meu passado horas boas do meu fado e as más também
Valeu a pena ter vivido o que vivi valeu a pena ter sofrido o que sofri valeu a pena ter amado quem amei ter beijado quem beijei valeu a pena
Valeu a pena ter sonhado o que sonhei valeu a pena ter passado o que passei valeu a pena conhecer quem conheci ter sentido o que senti valeu a pena valeu a pena ter cantado o que cantei ter chorado o que chorei valeu a pena
Valeu a pena ter amado quem amei ter beijado quem beijei valeu a pena valeu a pena ter cantado o que cantei ter chorado o que chorei valeu a pena»
O Pedro Correia deixa aqui um texto sobre dívidas, porém há uma dívida que o Sporting terá de cumprir: a construção da Academia Olímpica Mário Moniz Pereira, para o Atletismo e outras modalidades do clube, ditas amadoras.
Amar o Sporting é cultivar alguns dos valores que mais prezo. Ser fiel às origens, às tradições, à devoção clubística – antónimo de clubite. Praticar a lealdade em campo e fora dele, rejeitando golpes baixos. Gostar muito de vencer, sim – mas sem batota. Recusar ódios tribais a pretexto da glória desportiva. Nunca confundir um adversário com um inimigo, sabendo de antemão que o futebol (só para invocar o desporto que entre nós mobiliza mais paixões) é a coisa mais importante das coisas menos importantes, como Jorge Valdano nos ensinou.
Amo o Sporting pela marca inconfundível do seu ecletismo.
Os meus primeiros heróis leoninos, ainda em criança, eram Leões de corpo inteiro sem jogarem futebol. Foi o Joaquim Agostinho a brilhar nos Alpes e a vencer etapas na Volta à França depois de ter sido o maior campeão de ciclismo de todos os tempos em Portugal. Foi o António Livramento, artista exímio com um stick nas mãos, campeão europeu de verde e branco, além de campeão mundial a nível de selecções. Foi o Carlos Lopes, recordista absoluto do corta-mato europeu, brioso herói da estrada, medalha de prata nos 10 mil metros em Montreal, primeiro português a subir ao pódio olímpico, de ouro ao peito, naquela inesquecível maratona de 1984 em Los Angeles.
Amar o Sporting é abraçar o universalismo que fez este nosso centenário clube transbordar os limites físicos do País e galgar fronteiras. Conheci fervorosos sportinguistas nas mais diversas paragens do planeta. Nos confins de Timor, no bulício de Macau, na placidez de Goa – lá estão, com a nossa marca inconfundível, sedes leoninas que funcionam como agregador social naqueles países e territórios, assumindo em simultâneo uma ligação perene a este recanto mais ocidental da Europa.
Amar o Sporting é cultivar a tenacidade de quem nos soube ensinar, de legado em legado, que nunca se vira a cara à luta.
João Azevedo a jogar lesionado entre os postes, só com um braço disponível, enfrentando o Benfica num dos clássicos cuja memória perdurou através das gerações. Fernando Mendes, um dos esteios do onze que conquistou a Taça das Taças em 1964, alvo de uma lesão no ano seguinte que o afastou para a prática do futebol, mas capaz de conduzir a equipa, já como treinador, ao título de 1980. Francis Obikwelu, nigeriano naturalizado português e brioso atleta leonino que saltou da construção civil onde modestamente ganhava a vida para o ouro nas pistas europeias em 2002, 2006 e 2011.
Campeões com talento, campeões com garra, campeões inquebrantáveis – mas também campeões humildes, conscientes de que nenhum homem é uma ilha e um desportista, por mais aplausos momentâneos que suscite, é apenas uma parcela de um vasto arquipélago já existente quando surgiu e destinado a perdurar muito para além dele. Na Academia de Alcochete, no Estádio José Alvalade, no Pavilhão João Rocha, somos conscientes disto: ninguém ganha sozinho. Antes de Cristiano Ronaldo havia um Aurélio Pereira, antes de Livramento havia um Torcato Ferreira, antes de Carlos Lopes havia um Mário Moniz Pereira.
O desporto com a genuína marca leonina não cava trincheiras: estende pontes, transmitindo a pedagogia da tolerância e cultivando a convivência entre mulheres e homens de diferentes culturas, ideologias, crenças e gerações.
É também por isto que amo o Sporting: fez-me sempre descobrir mais pontes que trincheiras. O que assume relevância não apenas no desporto: é igualmente uma singular lição de vida.
Publicado originalmente no blogue Castigo Máximo, por amável convite do Pedro Azevedo.
Aniceto Simões, Carlos Lopes, Fernando Mamede, Carlos Cabral, Rafael Marques, Fernando Miguel, Bernardo Manuel, José Sena, Joaquim Pinheiro, Ezequiel Canário, Hélder de Jesus, Artur Pinto, Dionísio Castro, Domingos Castro, Carlos Capítulo, Fernando Couto, Carlos Patrício, Eduardo Henriques, Alberto Maravilha, João Junqueira, Carlos Monteiro e Paulo Guerra. Estes são os nomes dos campeões europeus de "cross" que, ao longo dos anos, nos garantiram 14 vitórias (!) na Taça dos Campeões Europeus desta especialidade, dos quais não se pode dissociar o obreiro desta escola leonina de tão bem fazer, o professor Mário Moniz Pereira.
Fernando Mamede - antigo recordista mundial dos 10000 metros, em prova em que Lopes também bateu o anterior record, e medalha de bronze num mundial de "cross" - esteve presente em 9 títulos colectivos, Carlos Lopes e Domingos Castro em 7. Individualmente, Domingos venceu por quatro vezes, Lopes por três e Mamede ganharia em duas ocasiões.
Carlos Lopes foi o nosso melhor atleta de sempre. Para além das vitórias, individuais e colectivas, nesta competição, sagrou-se por 3 vezes campeão do mundo de corta-mato, às quais juntaria duas medalhas de prata, venceu a maratona olímpica de Los Angeles e ainda foi vice-campeão olímpico, nos 10000 metros, em Montreal. Que outro atleta foi, simultâneamente, um campeão em pista, estrada e corta-mato? Se dissermos que foi o atleta, no mundo, mais completo de sempre não andaremos longe da verdade...
Para além do "cross", o Sporting também já ganhou 2 Taças dos Campeões Europeus de pista, uma em masculinos, outra em femininos.
Com tudo isto, não será demais dizer que o atletismo ajudou a consolidar (e de que maneira) a imagem de ecletismo e de grandiosidade do Sporting clube de Portugal. A nossa glória!!
... como o Constantino, assim dizia a publicidade.
«Em 1942 disputou, obviamente pelo Sporting, os Campeonatos Nacionais de Juniores um jovem chamado... Mário Moniz Pereira. Quer no salto em altura quer no salto em comprimento surge, no Relatório (...) sem classificação, sabendo-se, contudo, que na altura pulara 1,60m, menos 15 cm que o vencedor, o seu colega de equipa João Durães. Mas, algum tempo depois, nos «Regionais» de seniores de Lisboa, Moniz Pereira surge já como terceiro classificado, no triplo com 12,38m - marca que, contudo, não lhe permitiria acesso aos Campeonatos de Séniores, cujo desfecho colectivo foi esmaltado de polémica, tendo o trunfo cabido ao Benfica.
Por exemplo, em “O Comércio do Porto”, sob o título “A vitória colectiva foi atribuída ao Benfica quando o Sporting foi o verdadeiro vencedor”, escreveu-se: “No triplo salto, Luís de Alcide foi vencedor com um salto irregular, como irregulares foram os mais dois saltos dos seus ensaios. O atleta do Benfica, ao concluir o primeiro pulo (hop), tocou o pé contrário no solo. Essa falta foi flagrante e para ela se chamou a atenção dos juizes. Estes, preocupados em ver se os atletas pisavam, não fizeram caso. E o resultado foi que o bracarense Carlos Oliveira, vencedor legal, se viu privado de uma vitória. E mais: o melhor salto de Alcide, sem irregularidade, foi de 12,84, o que lhe dava o terceiro lugar; e o Benfica perdia quatro pontos e o Sporting era vencedor na classificação geral.”
Para além dessa queixa, os directores do Sporting queixaram-se de outra: “Na final de 100m (ganha pelo sportinguista Fernando Lourenço) foi atribuído a Manuel Núncio o terceiro lugar, quando efectivamente, ele foi segundo, conforme se pode verificar pelas fotografias publicadas no jornal ‘O Comércio do Porto’ e também ‘Os Sports’. Bastava esta mudança de lugares para ganharmos os Campeonatos. Mais uma vez, como tantas, nos foi anexada uma taça que ganhámos regularmente no campo. Na classificação geral obtivemos o mesmo número de pontos que o Benfica (64), tendo-nos sido dado o segundo lugar por aquele ter conseguido nove títulos e nós apenas seis.”
Refira-se, enfim, que os campeões nacionais do Sporting foram Fernando Lourenço (nos 100m), Francisco Bastos (nos 400 e 800), António Pereira (nos 110m barreiras), Emídio Ruivo no lançamento do peso e do disco) - e ainda Alberto Afonso, João Jacinto, António Caladoe Francisco Bastos nos 4x400m.»
In: Glória e vida de três grandes. A Bola, 1995, p. 132
«O Professor Moniz Pereira foi um senhor do desporto e continuará no coração de todos os portugueses genuinamente de bem. Que descanse em paz. E, já agora, que arranje lá por cima mais uma equipa para treinar - uma equipa de campeões.»
«Já não me lembro bem quando, mas numa ida ao Estádio Universitário deparei-me com um homem de cronómetro e dois magricelas a fazer séries de 200m com 200m de recuperação a seguir. Um magro e alto e outro mais baixo e que mais parecia uma enorme peitaça com uns magras pernas a suportar. Mamede e Lopes. E lá andavam, volta após volta, à pista do Universitário. E anos mais tarde, como todos os portugueses da altura, lá fiquei embasbacado com as vitórias do Lopes e os records do Mamede. Como Aristóteles, [Moniz Pereira] entendia que "o homem é aquilo que faz repetidamente" e portanto todos os dias eram dias de treino, com tempestade ou terramoto.»
Ao luto dos rostos, não pode deixar de surgir um certo sorriso pelo modo poético como parte Moniz Pereira: nas vésperas do início de novos Jogos Olímpicos, maior acontecimento mundial do Desporto, onde não há modalidade alguma a ser ditadora perante as restantes.
Tal como nas estafetas, o Professor passa o testemunho e responsabilidade para as gerações seguintes, com a árdua missão de fazerem de Portugal um país desportivo para além de uma bola de futebol.
Esta imagem, deliciosa, de Moniz Pereira, de idade avançada, no conforto do seu lar, representa exemplarmente o que foi a sua vida para o Sporting Clube de Portugal: um dedicado militante sportinguista.
Muito obrigado, Professor!
P.S: O Sporting já cometeu esse erro, agora é a vez do Benfica. Essa mania de omitir o nome do rival nas notas de pesar sobre figuras que tiveram uma projecção para além do próprio rival, só fica mal.
Sem disfarçar com os tafetás destas ocasiões que ofendem a verdade e diminuem a memória: Mário Moniz Pereira era frio, duro e ambicioso. E foi assim que conseguiu industriar uns rapazes de aldeia a serem campeões - e dar-lhes uma vida que na infância nem em sonhos... Venha quem faça melhor.
Mário Moniz Pereira com Carlos Lopes em Janeiro de 1976: seis meses depois, o segundo conquistaria a primeira medalha olímpica de atletismo para Portugal
Mário Moniz Pereira foi um dos raros portugueses de excepção que tiveram o privilégio de ser homenageados várias vezes em vida: Medalha de Mérito Desportivo, Comenda da Ordem do Infante D. Henrique, Comenda da Ordem da Instrução Pública, Medalha de Mérito em Ouro, Ordem Olímpica, Leão de Ouro com Palma, Grande Oficial da Ordem do Infante. Ao contrário do que é costume nas sociedades latinas em geral e na portuguesa em particular, mais dadas à veneração dos mortos.
Nós próprios, à nossa modesta escala, várias vezes o mencionámos no És a Nossa Fé e nunca deixámos passar, por exemplo, um seu aniversário sem a devida e merecida menção. Basta clicar na etiqueta moniz pereira para confirmar isso.
Foi também o melhor representante da cultura leonina, pelo ecletismo de que sempre deu provas no seu percurso pessoal enquanto praticante de ginástica, futebol, andebol, basquetebol, ténis, ténis de mesa, hóquei em patins, natação, tiro, equitação e esgrima.
Onde mais se distinguiu foi no voleibol, tendo sido duas vezes campeão nacional (1953/54 e 1955/56), a última também como treinador. E acima de tudo no atletismo, começando pelo título de campeão universitário de Portugal no triplo salto: aqui, como treinador e dirigente com o pelouro das modalidades, conquistou tudo quanto havia para conquistar: provas e campeonatos no plano nacional, europeu, mundial e olímpico. Com destaque para a primeira medalha de ouro portuguesa em Olimpíadas, obtida por Carlos Lopes em Los Angeles, na inesquecível madrugada de 13 de Agosto de 1984, quando nenhum português conseguiu dormir.
Mas na hora da despedida do Senhor Atletismo, ilustre sócio n.º 2 do Sporting Clube de Portugal, conclui-se com tristeza que faltou a homenagem que ele mais desejaria: o regresso da pista de atletismo ao estádio do nosso clube.
Pista que o pioneiro Estádio José Alvalade orgulhosamente possuía e foi utilizada por milhares de atletas - em benefício da instituição leonina e do desporto português. Pista que a partir de 1979 passou a ser de tartan, por insistente reivindicação de Moniz Pereira, no rescaldo da medalha de prata obtida na prova dos 10.000 metros dos Jogos Olímpicos de Montreal por Carlos Lopes, o mais brilhante dos seus pupilos. Pista que se perdeu em 2003: o projecto encomendado a Tomás Taveira - só virado para o futebol, esquecendo o ecletismo que é marca distintiva do Sporting - não a contemplava. Nem foi possível reparar o erro, apesar de o custo final do novo estádio ter excedido em 75% o montante inicialmente estipulado.
De todas as homenagens, esta teria sido a que ele preferiria. Foi a única que ficou por concretizar.
Visitei há poucos dias o renovado museu Mundo Sporting. Vi muitos títulos nacionais e internacionais, li as histórias das conquistas desses títulos, mas o que mais me emocionou foi ver as medalhas olímpicas. Algumas delas, as primeiras do atletismo - ainda no dia 26 de Julho passaram 40 anos sobre a primeira de todas - devem-se muito à visão de Moniz Pereira. Espero que os atletas portugueses possam homenageá-lo, e que o Sporting saiba honrar a sua memória.
Desportista nato, praticante das mais diversas modalidades (atletismo, andebol, voleibol, basquetebol, futebol, ténis de mesa e hóquei em patins), campeão nacional de vólei e recordista nacional do triplo salto, o actual sócio número 2 do Sporting Clube de Portugal começou desde cedo a treinar atletas: era esta a sua maior vocação e foi nisto que mais se distinguiu.
Enfrentando todas as adversidades, lutando contra todos os obstáculos, ultrapassando a proverbial tendência muito portuguesa de deixar as coisas para amanhã e jamais voltar a pensar nelas, conseguiu, após décadas de esforço, pôr o País inteiro a correr. Ele dava o exemplo, fizesse chuva ou fizesse sol.
Eu vivi essa época e sei do que falo: graças a Mário Moniz Pereira e aos campeões que ele treinou, o atletismo tornou-se uma paixão nacional. Porque, naqueles anos 70 e 80, só nas pistas e nos trilhos o desporto português teve as suas horas de glória. Começando em Fevereiro de 1977 com a vitória na Taça dos Campeões Europeus de corta-mato - proeza colectiva da equipa do Sporting que viria a repetir-se sete vezes nos dez anos seguintes - e culminando naquele instante irrepetível que foi a entrada de Carlos Lopes, com a sua passada larga e segura, no estádio de Los Angeles, estabelecendo novo recorde olímpico da maratona e conquistando a primeira medalha de ouro portuguesa nuns Jogos Olímpicos - proeza antecipada na medalha de prata que obtivera em 1976, na final dos 10 mil metros, nas Olimpíadas de Montreal, e que poderia ter ocorrido logo em 1980, se Portugal não tivesse aderido nesse ano ao boicote ocidental aos Jogos Olímpicos de Moscovo.
No momento em que a bandeira portuguesa subia ao mastro e se escutavam os acordes do hino nacional em Los Angeles, o professor Moniz Pereira via coroados 39 anos de trabalho incansável.
Em ocasiões como essa ou no mês anterior, quando Fernando Mamede bateu o recorde mundial dos 10 mil metros, em Estocolmo, o Senhor Atletismo - como também é conhecido, a justo título - demonstrava a sua verdadeira estatura de campeão não só do desporto mas também da vida: associava-se com júbilo às celebrações mas nunca reivindicou louros especiais como treinador. Como se aquela fosse uma tarefa ao alcance de qualquer um. Que diferença em relação a certos técnicos no mundo do futebol, que mesmo sem vencerem nada falam de forma petulante e empertigada, como se não fossem a nulidade que realmente são...
Aos 94 anos, que hoje celebra, e mantendo incólume o sportinguismo de sempre, continua a dar-nos lições. Diz-nos, por exemplo, que não devemos odiar os adeptos de outros emblemas. E gaba-se de ter amigos de todas as filiações clubísticas.
Perguntem-lhe do que mais se orgulha. Ele responder-vos-á que foi de ter conseguido, através do seu exemplo, que toda uma geração de portugueses calçasse sapatilhas e fosse correr para as ruas e estradas do País. Apenas isto. Que é muito. Como na letra daquele fado tão conhecido, composto por este homem de múltiplos talentos, Mário Moniz Pereira bem pode exclamar: "Valeu a pena ter vivido o que vivi."
Imagens:
1. Durante a homenagem que lhe foi prestada pelo clube em 2011, ao festejar 90 anos
2. Com Fernando Mamede, na década de 70
3. Capitão da equipa de Sporting campeã nacional de voleibol, em 1954 (jogava com o nº 8)
«Em 1945, quando comecei a treinar no Sporting, perguntaram-me o objectivo número um e eu disse: "Que um dia um atleta treinado por mim vá aos Jogos Olímpicos ganhar a medalha de ouro, e que o hino português seja ouvido em todo o Mundo." Responderam que era maluco, mas disse que ia tentar. Demorou 39 anos.»
Mário Moniz Pereira, em entrevista ao nosso Leonardo Ralha, na revista Domingo, do Correio da Manhã
Na passada quinta-feira, durante a inauguração do Museu Nacional do Desporto - um sonho tornado realidade 27 anos depois de a sua criação ter sido prevista por diploma - Mário Moniz Pereira ficou a saber que uma das alas da nova instituição, situada no Palácio Foz, em Lisboa, foi baptizada com o seu nome. "Isso significa que devo ter feito qualquer coisa nestes anos", limitou-se a reagir, com a modéstia que o caracteriza, o maior formador de campeões do desporto português, em declarações recolhidas pelo jornal A Bola. Uma atitude digna do grande homem que sempre foi.
Desportista nato, praticante das mais diversas modalidades (atletismo, andebol, voleibol, basquetebol, futebol, ténis de mesa e hóquei em patins), campeão nacional de vólei e recordista nacional do triplo salto, o actual sócio número 2 do Sporting Clube de Portugal começou desde cedo a treinar atletas: era esta a sua maior vocação e foi nisto que mais se distinguiu.
Enfrentando todas as adversidades, lutando contra todos os obstáculos, ultrapassando a proverbial tendência muito portuguesa de deixar as coisas para amanhã e jamais voltar a pensar nelas, conseguiu, após décadas de esforço, pôr o País inteiro a correr. Ele dava o exemplo, fizesse chuva ou fizesse sol.
Eu vivi essa época e sei do que falo: graças a Moniz Pereira e aos campeões que ele treinou, o atletismo tornou-se uma paixão nacional. Porque, naqueles anos 70 e 80, só nas pistas e nos trilhos o desporto português teve as suas horas de glória. Começando em Fevereiro de 1977 com a vitória na Taça dos Campeões Europeus de corta-mato - proeza colectiva da equipa do Sporting que viria a repetir-se sete vezes nos dez anos seguintes - e culminando naquele instante irrepetível que foi a entrada de Carlos Lopes, com a sua passada larga e segura, no estádio de Los Angeles, estabelecendo novo recorde olímpico da maratona e conquistando a primeira medalha de ouro portuguesa nuns Jogos Olímpicos - proeza antecipada na medalha de prata que obtivera em 1976, na final dos 10 mil metros, nas Olimpíadas de Montreal, e que poderia ter ocorrido logo em 1980, se Portugal não tivesse aderido nesse ano ao boicote ocidental aos Jogos Olímpicos de Moscovo.
No momento em que a bandeira portuguesa subia ao mastro e se escutavam os acordes do hino nacional em Los Angeles, o professor Moniz Pereira via coroados 39 anos de trabalho incansável.
Em ocasiões como essa ou no mês anterior, quando Fernando Mamede bateu o recorde mundial dos 10 mil metros, em Estocolmo, o Senhor Atletismo - como também é conhecido, a justo título - demonstrava a sua verdadeira estatura de campeão não só do desporto mas também da vida: associava-se com júbilo às celebrações mas nunca reivindicou louros especiais como treinador. Como se aquela fosse uma tarefa ao alcance de qualquer um. Que diferença em relação a certos técnicos no mundo do futebol, que mesmo sem vencerem nada falam de forma petulante e empertigada, como se não fossem a nulidade que realmente são...
Aos 91 anos, mantendo incólume o sportinguismo de sempre, continua a dar-nos lições. Diz-nos, por exemplo, que não devemos odiar os adeptos de outros emblemas. E gaba-se de ter amigos de todas as filiações clubísticas.
Perguntem-lhe do que mais se orgulha. Ele responder-vos-á que foi de ter conseguido, através do seu exemplo, que toda uma geração de portugueses calçasse sapatilhas e fosse correr para as ruas e estradas do País. Apenas isto. Que é muito. Como na letra daquele fado tão conhecido, composto por este homem de múltiplos talentos, Mário Moniz Pereira bem pode exclamar: "Valeu a pena ter vivido o que vivi."
Imagens:
1. Durante a homenagem que lhe foi prestada pelo clube em 2011, ao festejar 90 anos
2. Com Fernando Mamede, na década de 70
3. Capitão da equipa de Sporting campeã nacional de voleibol, em 1954 (jogava com o nº 8)
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