Começo a ter pena de Joaquim Rita, acreditem. O Sporting lá vai ultrapassando sucessivos obstáculos e segue em frente na Liga Europa, pulverizando os negros vaticínios do veterano analista do esférico, que tem conseguido enganar-se em todos os prognósticos. Primeiro alvitrou que os leões sucumbiriam frente ao Manchester City: "Vão ter muita dificuldade em apurar-se." Azar: apuraram-se mesmo. Depois, comentando o jogo da primeira mão dos quartos-de-final contra o Metalist, em que tentou transformar a vitória do Sporting numa derrota, anteviu um desaire leonino na Ucrânia: "O Sporting cometeu um erro que lhe pode ter valido a eliminatória." Azar, novamente: o Sporting confirmou a superioridade no embate desta noite em Kharkiv contra a equipa ucraniana. A bola de cristal de Joaquim Rita andou até hoje demasiado embaciada...
A qualificação para as meias-finais da equipa treinada por Sá Pinto deveria ter proporcionado uma oportunidade para este comentador alterar a sua habitual hostilidade ao Sporting. Mas não: manteve-se igual a si próprio.
Dizendo coisas como estas:
- «O Sporting foi feliz pela forma e pelo timing em que conseguiu o golo numa altura em que não era capaz de desembrulhar o movimento atacante.»
- «O golo do Metalist acaba por resultar de uma fífia pouco aceitável dos centrais do Sporting.»
- «O Sporting sofreu excessivamente.»
Só num pormenor Joaquim Rita esteve hoje diferente: teve mais cuidado na forma como exprimiu os seus presságios. Afinal um clube que lhe parecia condenado a baquear nos oitavos-de-final perante o City e agora nos quartos-de-final contra o Metalist «pode perfeitamente discutir a [próxima] eliminatória» com o Athletic Bilbau - «uma equipa fortíssima» - «e eventualmente chegar à final».
Disse isto na SIC Notícias, com o ar sofrido de sempre. O futebol tem o condão de estragar os serões de muito boa gente, como parece ter sido uma vez mais o caso.
Tinham razão, estávamos na corda bamba, há lá resultado pior do que ganhar 2-1 em casa numa taça europeia? Ainda se tivéssemos perdido 0-1, aí sim havia lugar à poesia, ao deixem-me sonhar de Florbela Espanca, ao suplemento de alma a que só os heróis acedem.
A muito custo lá conseguimos empatar. Caramba os amarelos eram uns génios, cada passada uma obra de arte, cada cabeça levantada na hora do passe um certificado de elegância, enquanto nós, miseravelmente, arrastámos pelo campo a nossa mediocridade. Ah, e se não fosse Patrício outro galo cantaria, Patrício que dir-se-ia ter aterrado ali por acaso durante uns minutos, exactamente aqueles em que fomos salvos do opróbio. E esqueçamos o rasgo fortuito, típico do futebol, em que um rapaz às riscas empurrou à cabeçada a bola para dentro da baliza, um imponderável que não voltará a conhecer.
Triste, triste Sporting, pela segunda vez consecutiva a suspirar pelo final do jogo, esbugalhado de corda na garganta, sem um assomo, um laivo de classe, de joelhos mesmo – ao menos soubessem cair de pé.
Agora sim, está tudo acabado. A ver se seremos capazes de manter um módico de dignidade após o esmagamento pela fúria requeté, afinal só conseguimos insensatamente e por coincidência adiar o descalabro previsto aos pés do colossal Manchester City (embora o Chelsea sempre tenha outro carisma, com quem perder é a glória) e às mãos dos Metalúrgicos da Ucrânia, senhores de um finíssimo futebol latino. Conformado, Sá Pinto ainda suspira: "temos que acreditar" - pobre inconsciente...
Há um optimista em mim que, alicerçado na recepção ao Vitória de Guimarães e na primeira parte da visita a Manchester, antecipa desde já a missão que o Sporting terá nas meias-finais da Liga Europa, procurando nessa altura inspiração que nos valerá a segunda final da UEFA em menos de uma década. Já o realista desconfiado que é o artista residente da minha essência repara que o Sporting corre o risco a seguir a mesma estrada da arrogância e sobranceria que levou o Manchester City ao precipício nos oitavos de final. Só não repito as palavras que Dzeko dedicou ao Sporting antes do jogo de Alvalade por duas razões: alguma educação que a minha família conseguiu sedimentar-me e o facto de saber que o ex-sportinguista Marco Torsiglieri integra o plantel do Metalist Kharkiv, pelo que estaria a mentir caso dissesse que não conheço nenhum dos seus jogadores. Sendo óbvio que o Metalist é teoricamente o adversário mais fácil que o sorteio nos podia ofertar, algumas qualidades terá decerto aquela mistura de ucranianos e argentinos para ter chegado tão longe na prova. Ricardo Sá Pinto e os nossos jogadores estarão tragicamente equivocados se assim não pensaram. Até porque esta final pode correr melhor do que a última.
O adversário do Sporting, nos quartos da Liga Europa será o Metalist, da Ucrânia. Terceiro no campeonato, é um clube com experiência internacional (foram eliminar o Olympiakos, em Atenas), têm dinheiro e, no plantel, jogadores de seleção (brasileira e argentina). E têm, até agora, o melhor ataque da Liga Europa, foram primeiros na fase de grupos sem nenhuma derrota (e à frente do AZ.Alkmar). Só se mantivermos as qualidades que mostrámos contra o ManCity, o Metalist será 'acessível'. Nada de euforias. Citando o sms que o Eduardo Garcia da Silva me enviou, com os dados sobre os ucranianos: «Com humildade, respeito e rigor, rumo a Bucareste!». És uma fera, Eduardo!
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