Marco Silva venceu Taça e foi afastado quatro dias depois
Há dois dias o Francisco Melo trouxe-nos aqui uma bela recordação. Lembrando um dos mais épicos jogos que recordo desde sempre enquanto adepto (e sócio) do Sporting: a final da Taça de Portugal que vencemos em 2015, derrotando o Braga, que tinha estado a jogar com mais um em campo desde a fase inicial da partida.
Infelizmente o técnico vencedor, Marco Silva, viria a ser despedido quatro dias depois dessa proeza - era o primeiro título da era Bruno de Carvalho e o Sporting não vencia uma Taça verdadeira desde 2008, ainda com Paulo Bento ao leme da equipa.
Parece sina no Sporting. Aconteceu o mesmo com vários outros treinadores que ganharam campeonatos e Taças: Joseph Szabo (1954), Juca (1963), Anselmo Fernandez (1964), Otto Glória (1966), Mário Lino (1974), Rodrigues Dias (1978), Fernando Mendes (1980), Malcolm Allison (1982), Augusto Inácio (2000) e Marcel Keizer (2019).
Felizmente esta péssima tradição parece esgotada. Sabemos que Rúben Amorim continuará a orientar a nossa equipa, com vista aos próximos objectivos nas competições internas - Supertaça, bicampeonato e dobradinha - e a uma participação digna na Liga dos Campeões.
Sem paciência, persistência e resistência aos obstáculos nada se consegue.
Aqui está uma notícia que deve interessar a muitos daqueles que consideram imprescindível uma nova chicotada psicológica no Sporting: Marco Silva está desde ontem sem clube.
Alguém por aí veria com bons olhos o regresso dele a Alvalade?
Em cinco anos e três meses de consulado Carvalho, que englobou quatro treinadores, foi ele o único a conseguir um título digno desse nome. A Taça de Portugal 2015. Recebeu como paga dessa conquista o despedimento imediato, com a cumplicidade e o aplauso de figuras que então gravitavam em torno do desvairado presidente e se apressaram a virar a casaca assim que o vento soprou em sentido contrário, tipo "antifascistas de 26 de Abril".
Para o lugar dele chegou alguém a embolsar dez vezes mais sem conseguir vencer nada de relevante. Mesmo assim, Marco Silva manteve a classe: ninguém o viu envolvido em sessões públicas de lavagem de roupa suja - especialidade de quem o despediu em Alvalade. Hoje no Reino Unido, como treinador do Everton, acaba de ser notícia em todo o mundo com a goleada que aplicou ao poderoso Manchester United. E segue em sétimo na classificação da Premier League: a sua equipa é a primeira após os Seis Grandes (Liverpool, City, Tottenham, Arsenal, Chelsea e United).
«There may have been some doubts expressed about Silva's position not so long ago, but this blistering run of home form - and a style which will win full favour from Everton's fans - surely means he will be given time to build, as he should», escreve a BBC, entre elogios à «devastadora forma» apresentada pelos toffees em campo.
Marco Silva merece estes elogios. E merece também uma palavra de apreço dos sócios e adeptos do Sporting que não são ingratos, conservam boa memória e jamais se deixam iludir com bravatas verbais destinadas a disfarçar a ausência de troféus.
A 15 de Maio de 2015, exactamente três anos antes da dramática violação das instalações de Alcochete, que traçou uma linha fronteiriça - uma espécie de "11 de Setembro" - no Sporting, escrevi neste blogue um texto que hoje lembro:
«Mudam as gestões, mudam os nomes inscritos no gabinete presidencial, mas o Sporting mantém-se fiel à péssima tradição de ser um cemitério de treinadores. O experimentalismo contínuo, que não permite sedimentar processos de jogo e modelos tácticos nem criar verdadeira empatia entre adeptos e equipas técnicas, tornou-se lei comum em Alvalade. A instabilidade não vem de fora, vem de dentro.»
«Como escrevi aqui em Dezembro, "o destino de um está ligado ao destino do outro. Ou seja, o fracasso de Marco Silva representaria também o fracasso de quem o contratou e o vinculou contratualmente ao Sporting durante quatro anos". Não é preciso nenhum especialista externo em "gestão de crises" soprar-lhe esta evidência ao ouvido para Bruno de Carvalho ter a certeza absoluta de que será assim.»
Isto a propósito dos rumores (que viriam a concretizar-se) do iminente despedimento de Marco Silva, último treinador que até hoje deu um troféu digno de nota ao Sporting - alvo também ele, como depois sucederia com Jorge Jesus, de inadmissíveis actos de bullying por parte do presidente da SAD leonina.
Ambos, curiosamente, em situação muito semelhante, a poucos dias da realização de uma final da Taça verdadeira.
Muitos dos que aplaudiram Bruno de Carvalho em 2015 viriam a criticá-lo por aplicar a mesma receita a Jesus em 2018.
Mas as sementes do poder inconsistente, experimentalista e errático no Sporting, ao sabor dos estados de alma do presidente, já lá estavam.
Lamento muito, mas ao revisitar este meu texto verifico que o início do fim do consulado Carvalho esteve precisamente ali, como naquele instante exacto intuí: no absurdo despedimento de Marco Silva logo após ter vencido a Taça de Portugal para o Sporting.
Sete anos depois da última conquista, com Paulo Bento ao leme do plantel.
A partir daí, foi sempre a descer ladeira abaixo.
"Um erro colossal", assim lhe chamei. E reafirmo.
P.S. - Vale a pena reler também a caixa de comentários desse meu texto de 15 de Maio de 2015.
Marco Silva foi dispensado do Watford. A equipa jogava bom futebol e estava em décimo lugar, o que é bom para a dimensão do clube e sobretudo para a dificuldade da competição. Ao que parece, Silva teve propostas de outros clubes e já não estava concentrado no Watford. No ano passado, deixou o Hull, depois da descida, querendo manter-se (legitimamente) na Premier. No ano anterior a esse, saiu do Olympiacos, alegando razões pessoais. Antes, fora despedido do Sporting. É claro que se quis abrir espaço para Jesus mas ficou no ar, um certo descontentamento com o carácter e compromisso de Silva. Será que o Sporting esteve assim tão errado, mesmo não tendo conduzido o processo da melhor forma?
Marco Silva despedido no Watford. A direcção do clube culpa envolvimento do Everton e "défice na concentração e foco da equipa, situação que coloca o futuro do Watford em dúvida". Após apenas uma vitória em onze encontros, a direcção considerou a mudança "imperativa", "para salvaguardar o futuro e sucesso do clube". Lineker, comentador de prestígio, já considerou a decisão "absurda".
Que melhor homenagem ao critério de Bruno de Carvalho do que a imprensa desportiva e toda a comunicação social andarem há vários dias a dizer que Marco Silva e Leonardo Jardim são os treinadores que Pinto da Costa prefere no FC Porto?
Só falta acrescentarem o terceiro técnico da era Bruno. Esse mesmo, Jorge Jesus. Que - ninguém duvida - os do Dragão também gostariam de ver lá.
Muito se especulou sobre a saída dele do Sporting faz agora um ano, com a época a meio. Mas Marco Silva, contrariando as expectativas, manteve-se como treinador da nossa equipa de futebol até ao fim da temporada. E saiu em grande, com a conquista da Taça de Portugal no Jamor, frente ao Sporting de Braga. Um troféu que nos fugia desde 2008 e foi arrancado a ferros, com dois golos ao cair do pano, marcados por Slimani e Montero, e duas soberbas defesas de Rui Patrício no desempate por grandes penalidades.
Houve festa rija, como se impunha. Mas Marco Silva viu terminar aí a sua missão em Alvalade apesar de ter mais três anos de contrato. As relações entre o presidente Bruno de Carvalho e o treinador tinham azedado a tal ponto que se tornou impossível a coexistência de ambos no clube.
Muitos adeptos lamentaram esta ruptura, ficando gratos ao jovem treinador por nos ter devolvido o orgulho de conquistar a Taça. Mas a prestação do Sporting no campeonato esteve longe de ser famosa: quedámo-nos na terceira posição, sem entrada directa na Liga dos Campeões, ao contrário do que havia sucedido na temporada anterior. E a rápida contratação de Jorge Jesus para treinador da equipa principal não tardou a calar as críticas ao presidente que já se esboçavam entre vários adeptos.
A direcção leonina não primou pela elegância neste processo, accionando um processo disciplinar a Marco Silva que acabaria por ficar sem efeito: o bom senso imperou finalmente, fazendo substituir a via litigiosa por um acordo entre as partes. Era o desfecho mais razoável.
O técnico de 38 anos rumou então a Atenas, onde passou a orientar o Olympiacos. Com manifesto sucesso. O clube lidera isolado a Liga grega e igualou o melhor início de campeonato de que há memória: à 16ª jornada, averbou 16 vitórias. Confirmando os atributos de Marco Silva, que já manifestou a intenção de voltar a treinar em Portugal.
Entrevista inteligente, a de Marco Silva hoje ao jornal A Bola. Ao longo de três páginas, não há nela uma palavra de azedume ou acrimónia. Só de apreço pelos sportinguistas e de agrado pela oportunidade que teve de trabalhar no nosso clube. Não mexe em feridas: prefere olhar em frente. E até admite regressar um dia a Alvalade.
Um profissional do futebol, seja técnico ou jogador, também se mede pelo jogo de palavras fora das quatro linhas. Marco Silva voltou a confirmar o seu mérito nesta entrevista em que não derruba pontes nem fecha portas.
Se há coisa que gosto de fazer é revisitar antigas primeiras páginas de jornais. Às vezes, por sinal, nada antigas. Foi o que me sucedeu hoje, ao rever a categórica manchete do Record de 26 de Junho: "Marco recusa acordo".
O que recusava ele? Aquilo que lhe oferecia a direcção leonina: "um ano de salários e a proibição de treinar Benfica e FC Porto".
Em poucos dias, esta manchete foi ultrapassada pelos acontecimentos. Houve acordo, sim. Marco Silva aceitou o equivalente a um ano de salários e a interdição de treinar na Luz ou no Dragão nas próximas duas temporadas.
E lá rumou à Grécia, onde lhe desejo a melhor sorte. Sem dramas, sem guerras, sem novas manchetes inflamadas.
Palavras que registo com agrado no dia em que ficou oficializada, por mútuo acordo, a rescisão do vínculo laboral de Marco Silva ao Sporting. Um acordo que o clube aceita pagar 500 mil euros ao técnico (quantia muito inferior aos três milhões inicialmente reclamados) e este, a caminho do Olympiacos, se compromete a não treinar o Benfica ou o FC Porto nas próximas duas temporadas.
Tudo resolvido enfim, sem o litígio judicial que alguns anteviam, e com aparente consenso entre as partes. Preferia que a solução tivesse surgido mais cedo. Mas do mal o menos: foi preferível assim.