Ecos do Europeu (13)
Éramos apenas dez a jogar contra doze da Geórgia
Quando um jogador enterra a equipa logo na primeira vez em que toca na bola, entregando-a de bandeja ao adversário, ao minuto 2, tudo começa por se tornar difícil. Quando o mesmo jogador enterra ainda mais a equipa, cometendo um penálti digno de um campeonato distrital, aos 53', tudo começa a tornar-se impossível.
A história deste Portugal-Geórgia, péssima para as cores nacionais, ficou traçada naqueles dois lances, marcados por gravíssimos erros individuais de António Silva, central do Benfica que assim culmina uma época desastrosa sem deixar de ser uma espécie de fetiche do seleccionador Roberto Martínez.
O basco sofreu ontem, em Gelsenkirchen, a primeira derrota nos 13 jogos oficiais em que já orientou a equipa nacional. Com um lado bom e um lado mau. O bom: este desafio não compromete a nossa qualificação para os oitavos do Euro-2024, que estava garantida. O mau: a derrota ocorreu perante um adversário que participa pela primeira vez num certame futebolístico desta importância. Geórgia, país-caloiro em campeonatos da Europa.
Martínez, imitando o seu colega Luis de la Fuente, treinador de La Roja, decidiu mudar grande parte da equipa titular: oito, no total. Só ficaram Diogo Costa, Palhinha e Cristiano Ronaldo. Espanha, na véspera, tinha sido mais radical: rodou dez.
A diferença é que o banco espanhol é muito superior ao nosso. Se dúvidas restassem, foram dissipadas ontem. Sem paliativos de qualquer espécie: a Geórgia jogou melhor, tendo bastante menos "posse de bola". Foi mais rápida, mais acutilante, mais organizada. Quis sempre mais vencer. E mereceu este triunfo.
O sucessor de Fernando Santos deixou de fora Rúben Dias, Nuno Mendes, Bruno Fernandes, Vitinha e Bernardo, entre outros. Nenhum dos substitutos esteve melhor.
Se os dois principais erros foram individuais, a equipa também fracassou no plano colectivo. Incapaz de criar verdadeiras jogadas de perigo com princípio, meio e fim. Quase sem movimentos de ruptura, quase sem conseguir desequilíbrios, quase sem um ataque rápido, incapaz de se infiltrar na linha defensiva adversária. E desastrosa na finalização, como ficou evidente ao minuto 90'+3, quando Gonçalo Ramos falha a emenda à boca da baliza por inacreditável falta de instinto matador.
Quando não se falhava, o guarda-redes Mamardashvili (Valência, 23 anos) defendia com reflexos felinos, denotando segurança entre os postes. Foi assim ao 17', quando anulou um forte pontapé de Cristiano Ronaldo na conversão de um livre directo com a bola a voar 130 km/h. E em mais duas ou três ocasiões, ajudando a moralizar os companheiros.
O seleccionador foi assistindo a tudo com fraca ou quase nula capacidade de reacção. Ao intervalo, sem nada que se justificasse, trocou o eficiente Palhinha pelo insípido Rúben Neves, amarelado 8 minutos depois: a equipa piorou. Demorou mais de uma hora a retirar de campo o péssimo Silva, trocando-o por Semedo. E quando já perdíamos 0-2, necessitando portanto de reforçar a dinâmica ofensiva, mandou sair Cristiano Ronaldo: substituição directa por Ramos, com o onze nacional a piorar ainda mais.
Podemos queixar-nos do árbitro? Sim. Ronaldo foi claramente derrubado dentro da área georgiana, aos 28', e ainda viu amarelo por protestar - mesmo sendo capitão de equipa, mesmo estando cheio de razão.
Mas devemos sobretudo queixar-nos de nós próprios. Foi uma das piores exibições de que me recordo da equipa das quinas. Contra uma selecção classificada na posição 74 da tabela da FIFA - 68 lugares abaixo da nossa.
E agora? Em Frankfurt, na próxima segunda-feira, teremos pela frente a Eslovénia. Que conta com Oblak, um dos melhores guarda-redes da Europa. E chega sem derrotas aos oitavos: empatou com a Dinamarca (1-1), a Sérvia (1-1) e a deplorável Inglaterra (0-0).
É um adversário mais temível do que seriam os húngaros, entretanto eliminados. Mas tudo irá melhorar se formos onze a jogar contra onze. Em vez de sermos apenas dez com doze adversários pela frente - um dos quais vestido com as nossas cores.
Portugal, 0 - Geórgia, 2