Mário Lino, Fernando Mendes, Allison e Inácio, todos campeões [no Sporting], foram trucidados.
O cúmulo foi com Big Mal, um doido saudável, adepto da máxima liberdade para igual responsabilidade. Despedido logo após um estágio na Bulgária, porque permitia umas liberdades e, entre outras situações, deu permissão (e bem) a uns miúdos pouco mais do que adolescentes para arranjar umas namoradas. Vejam os vídeos da altura: o pressing daqueles miúdos era brutal, durava o jogo todo e morriam por ele.
Isto não tem preço.
Foi bufado, que óperas-bufas é o que aqui há mais, voltou ao Setúbal para com uma equipa de velhos jogar um futebol de ataque sem medo. O homem era muito competente.
Grande erro de João Rocha, que havia feito o mesmo com Mário Lino, os bons também falham.
O Sporting começou a fraquejar no futebol, iniciou-se o calvário. E só foi campeão 18 anos depois com Inácio, outro campeão depois escorraçado.
E não nos esqueçamos de Robson, despedido no avião por Sousa Cintra, outro erro fatal que em minha opinião, tal como Allison, transcendeu mais do que um campeonato, acabando com um projecto.
Depois vieram as SAD e é o que se sabe...
Texto do leitor Miguel Correia, publicado originalmente aqui.
No youtube pode encontrar um resumo deste jogo. (Ver aqui)
«Marques Pires apita para o jogo mais terrível da sua carreira. Os jogadores irrompem como feras acossadas e os primeiros dois minutos são disputados a alta velocidade como se a maratona se transformasse numa prova ao Sprint. Baroti e Allison, cada um em seu banco, permanecem silenciosos, como generais observando o movimento das tropas no campo de batalha. O ruído fica por conta das restantes quarenta mil gargantas.
Aos 12 minutos, numa bola junto da área do Sporting, Jordão toca para lá da linha de fundo. É pontapé de canto. Carlos Manuel marca com um pontapé sinuoso, que descreve uma curva larga, antes de se precipitar para a baliza. A bola sobrevoa Meszaros. Na linha de golo, Marinho cabeceia-a para longe, enquanto Humberto Coelho levanta os braços em festejo precoce. A trinta metros de distância, o fiscal de linha Rui Santiago levanta a bandeira e assinala ao chefe de equipa que a bola transpôs por completo a linha. Golo do Benfica.
«Garanto-lhe que a bola não entrou», exclama, ainda hoje, Marinho com indignação. «As minhas pernas estão dentro de campo e o corpo está alinhado na direcção do poste. Para mim, a validação do golo teve uma única explicação: o fiscal de linha tinha todos os adeptos do Benfica atrás de si, na bancada lateral. Assustou-se com os gritos e achou que foi golo.» A mesma percepção têm Meszaros, Lito e Eurico, jogadores próximos da jogada. Só Carlos Xavier intui que a bola terá cruzado a linha: «Em campo, fiquei com a ideia de que tinha entrado. E isso criou um ligeiro desnorte. Não é fácil entrar num jogo daqueles logo a perder na primeira ocasião do adversário.»
No Diário de Lisboa, Neves de Sousa sintetiza o sentimento geral de um derby que começa de forma tão peculiar, com um «tento que poucos viram [...], cortado de cabeça por Marinho, sem que alguém, em mundo terrestre, possa jurar pela saúde da mãezinha e com mão sobre a Bíblia, que o ex-futuro-próximo bracarense estava com a tolinha para além do risco de cal».
Eurico mora então em Ponte de Frielas e o árbitro Marques Pires gere uma pequena boutique, a Túlipa Negra, em Loures. Por acidente, encontram-se nos dias subsequentes ao jogo. «O próprio árbitro não sabia se a bola tinha entrado, mas o sinal do fiscal de linha fora categórico», lembra Eurico. «E o Marques Pires disse-me: “Por culpa desse lance, da dúvida se teria ajuizado bem, não andei seguro no resto da partida.” Julgo que esse lance interferiu com as restantes decisões porque o árbitro passou toda a primeira parte a remoer se teria validado um golo sem razão.»
Sete minutos mais tarde, com o Sporting a pressionar a equipa rival em busca da igualdade, dá-se novo lance controverso na área adversária. «O Frederico entrou de “carrinho” e derrubou-me», conta Lito. «A bola seguiu para o Manuel Fernandes que foi igualmente derrubado pelo Humberto. À segunda, o árbitro marcou mesmo penalty.»
Jordão tem agora a prova de fogo, o teste aos nervos. Pouco importam as grandes-penalidades falhadas no Inverno. Este é um dos penalties mais importantes da sua vida. E o avançado marca-o com muita calma, enganando Bento, o guarda-redes benfiquista. «Senti uma força enorme quando o Jordão empatou», acrescenta Carlos Xavier. «Acreditámos todos que éramos melhores e que ganharíamos o jogo.»
Com os nervos à flor da pele, as duas equipas precipitam-se para os balneários no intervalo. Da tribuna de honra, João Rocha despede-se por momentos dos convidados e desce à cabine. «O presidente chegou até nós, disse algumas palavras de circunstância e aumentou o prémio de jogo. Ali, naquela hora, no calor do momento», conta Nogueira.
Na segunda parte, o Sporting começa a assenhorear-se do jogo. Vem à superfície a superior preparação física dos jogadores e a capacidade de Virgílio, Ademar e Nogueira para controlar todo o meio-campo. Lito é, na opinião do Record, a «gazua que tudo abriu». O jogo fica mais partido. Menos jogadores recuperam quando as respectivas equipas perdem a posse de bola. Num contra-ataque rápido, Manuel Fernandes é lançado em profundidade. O capitão acelera até à bola ao mesmo tempo que o guarda-redes do Benfica desliza na sua direcção. O embate é inevitável. Bento chega uma fracção de segundo mais cedo e agarra a bola. O jogador do Sporting choca com o guarda-redes e toca-lhe com a bota na nuca. Segue-se uma cena que entra de rompante para a galeria do derby inesquecível da capital.
«O Bento sai desenfreado, como se estivesse louco, na direcção do Manuel Fernandes», conta Lito, o jogador mais próximo do lance. «Julgo que nem se lembrou que o jogo não fora interrompido. Ainda ouço o Manei a gritar-lhe: “Tem calma, tem calma!"» O guarda-redes do Benfica agride com um sopapo o avançado do Sporting dentro da área e depois cai em si, pontapeando a bola para fora e agarrando-se à cabeça. Muitos anos mais tarde, em 2003, Manuel Fernandes recapitulou o lance ao jornalista Luís Miguel Pereira: «Ele estava cego. Só me disse: “És sempre a mesma merda!” e bate-me na cara. Quando senti o toque, atirei-me para trás. Hoje posso confirmar que simulei um bocadinho. Percebi que aquela atitude podia “entregar-nos” um bocadinho o jogo.»
Como João Alves lembrará no próprio dia do jogo, Bento passara pelo mesmo num jogo traumático em Famalicão três anos antes, sofrendo então um pontapé que lhe rompera o couro cabeludo e o levara a desmaiar no aeroporto de Pedras Rubras. A recordação desse incidente terá sido mais forte. E é provável também que o guarda-redes internacional tenha ficado então convencido de que o árbitro assinalara grande penalidade pelo contacto original. Semanas mais tarde, ainda a quente, o capitão do Sporting reconhecerá: «Tive de me conter e lembrar-me que estava muito em jogo para não responder e não prejudicar a minha equipa.»
No final, Bento acusa de Manuel Fernandes de repetir golpe idêntico já tentado pela CUF em jogo contra o Barreirense: «Já estou farto de levar pontapés na cabeça. Ele fez um teatro dos diabos. No cinema, os actores também não se agridem e toda a gente fica com a sensação de que eles se agridem violentamente.» Marques Pires lamenta não ter tido opção e lembra para quem o quer ouvir que até é barreirense como o jogador expulso, mas não pode socorrer-se do bairrismo para salvar os compadres da terra. Nos dias seguintes, notícias fantasiosas sugerirão que a expulsão fora a estratégia do árbitro para eliminar a concorrência comercial da boutique de Bento à sua loja de decoração!
No outro extremo do campo, Eurico goza a performance. «Conheci bem os dois e garanto que não foi intencional o Manei deixar o pé para magoar o Bento, mas foi intencional ficar quietinho à espera do embate. Até parece que o estou a ouvir, com aquele grito muito dele: “Aiiiii!” Caiu «desmaiado» e depois, no solo, abria um olho para ver o que estava a acontecer e que sanção estava o Marques Pires a assinalar. É daquelas histórias que ficam para sempre. Ainda perguntou do chão para grande irritação dos adversários: “O gajo já expulsou o Bento?” E nós: “Já, já está. Podes levantar-te!”»
Também a Luís Miguel Pereira, Manuel Bento recordará, já sem amargura, a noite mais difícil da sua carreira - na sua versão, a avaliação do lance é afectada por um factor que não controlava: «Só me esqueci de uma coisa: o Marques Pires é sportinguista. Devia ter pensado nisso antes de me encostar ao Manei. Apesar de tudo, no dia seguinte, fui almoçar com o Manuel Fernandes e continuámos amigos como sempre fomos.»
O jogo define-se neste instante. Com menos um, forçado a gastar uma substituição para colocar o guarda-redes Jorge Martins em campo e ainda perante uma grande penalidade a desfavor, o Benfica cede. Com a mesma calma impassível, como se tivesse gelo a correr-lhe nas veias, Jordão bate o penalty para o lado esquerdo de Jorge, enquanto Bento percorre todo o relvado, na companhia de Júlio Borges, chefe do Departamento de Futebol do Benfica, vaiado como nunca fora na sua vida. Em A Bola, Carlos Pinhão sintetiza a estupefacção geral: «Um “Hara- -Kiri” de Bento Fez de um OK... um KO!»
Dezasseis minutos mais tarde, aos 78, Manuel Fernandes faz um passe maravilhoso para a direita, solicitando novo Sprint de Jordão. O avançado remata, Jorge defende sem nexo, mas atrapalha-se com Bastos Lopes. Sem nunca deixar de acelerar, Jordão continua a corrida e toca a bola para a baliza deserta. Está feito o resultado (3-1) no derby do «chá, porrada e alguma simpatia».
Festeja-se como nunca nos bastidores de Alvalade. Exausto pela montanha-russa de emoções, como se ele próprio tivesse devorado quilómetros sobre a relva, João Rocha segreda a Neves de Sousa: «Eu estava a precisar de uma coisa destas.» Em contrapartida, Jordão, o homem do jogo, escapa-se sem uma palavra, sem uma entrevista, enquanto os colegas celebram uma vitória épica. Do outro lado da barricada, Bento e o avançado brasileiro Jorge Gomes quase que se pegam nos corredores e a condenação do acto irreflectido é generalizada. Como grande senhor do desporto, Baroti cumprimenta todo o banco de suplentes do Sporting e reconhece o mérito da vitória - é, naquele momento, a transmissão da coroa do rei para o sucessor, mostrada por cinco câmaras de televisão.
Nos dias seguintes, o Benfica refugia-se numa fuga em frente. O derby dará que falar e antecipa uma era mais feia, de contestação aberta à arbitragem e incapacidade de isenção no comentário desportivo. O clube encarnado prepara um protesto, alegando que o árbitro, durante a refrega na área do Benfica, mostrara ao mesmo tempo o cartão vermelho a Nogueira, recuando de seguida na intenção. Marques Pires é chamado a explicar-se e lembra que, com o suor, os dois cartões - amarelo e vermelho - saíram de facto do bolso. Jorge Gomes chega a acusar o árbitro de «parecer esgazeado», sugerindo que «se Marques Pires tivesse ido a um controlo antidoping, teria dado positivo». A televisão chama Júlio Borges para uma longa exposição em directo sobre os casos do jogo - hoje, os especialistas em comunicação chamar-lhe-iam o spin da mensagem dominante. Rocha protesta e solicita idêntico tempo de antena.
No Atlântico Sul, inicia-se a Guerra das Malvinas, mas, em Portugal, nada mais importa para lá do jogo. Quando um navio de guerra britânico a caminho da Argentina se detém por algumas horas em Lisboa, os marinheiros pedem para conhecer Malcolm Allison. «Ficaram lá só um dia, mas fizeram questão de ir a Alvalade cumprimentar-me. Que emoção!», lembrou Allison a André Pipa. Uma vez mais, ao cumprimentar esses homens que em breve entrarão em combate, o treinador inglês reconhece que a vida tem problemas bem mais complexos do que um mero jogo de futebol.
Entretanto, mais de uma semana depois do derby, o Benfica organiza ainda uma conferência de imprensa inédita no Hotel Altis: pede a irradiação de Marques Pires e procura projectar num ecrã gigante os lances controversos do encontro. É a primeira aplicação genuína da imagem televisiva ao debate futebolístico, mas a exposição não corre bem. «A montagem dava-nos jogadores e bola bastante desfocados! Uma certa frustração percorre a sala», regista o repórter do Diário Popular.
Com sete pontos de avanço sobre a concorrência, o título de campeão nacional parece garantido, mas Alvalade está ainda para conhecer a última faceta de Malcolm Allison, o irreflectido.[*]»
[*]: Foram eliminadas as notas de rodapé que acompanham este texto.
«Jogador exímio de cartas, [João] Rocha sabe que precisa de um trunfo. De preferência, um ás, um treinador conceituado. Tenta por isso contratar José Maria Pedroto, o treinador nortenho mais bem-sucedido da década de 1970. Pedroto colocara no mapa as equipas do Vitória de Setúbal e do Boavista, antes de regressar ao FC Porto, em 1977, ali conquistando dois campeonatos dezanove anos depois do último triunfo. Tem aura de génio das táticas e bons amigos na imprensa. Em 1981, exilado em Guimarães, é um portista desconfiado de Américo Sá. Há várias versões sobre o desacordo entre [João] Rocha e o treinador: conforme alguns testemunhos, Pedroto exigiu um orçamento amplo para contratações e… despesas informais [*nr], para outros, o treinador apenas quis ganhar tempo (…)
(…) Entretanto, as páginas do calendário avançam sem resultado concretos. [João] Rocha aponta baterias para John Mortimore que, anos antes, brilhara ao comando do Benfica. Mortimore é polido mas categórico: a saúde da filha não lhe permite viver em Lisboa, pelo que lhe interessa mais o cargo que o Southampton lhe oferece perto de casa. Em jeito de despedida, talvez por delicadeza, o técnico sugere o nome de um amigo – Malcom Allison. Bom rapaz, assegura João Rocha. Um pouco extravagante, mas bom rapaz. (…)
(…) Por coincidência ou sugestão de Mortimore, o inglês estivera em Alvalade em observação de jogadores na última jornada da temporada. No camarote 65, estudara a equipa do Sporting e ficara desde logo impressionado com Jordão e Manuel Fernandes e Manoel (…). Percebe que o ritmo e a linguagem corporal da equipa expressam o saldo de uma temporada infeliz, mas vê qualidade em campo. Tem por isso um único pedido. Gosta de guarda-redes seguros, sempre gostou. Precisa de um nome forte para a baliza. (…)
(…) Com a mão esquerda, Malcom Allison formaliza o contrato com um ano de duração. À despedida, como se lhe anunciasse uma notícia menor, João Rocha deixa cair:
“Preciso de si amanhã (…)”»
[*nr] Em artigo tardio do Diário Popular, de 16 de Maio de 1991 («José Maria Pedroto Homem Avançado no tempo»), o jornalista Neves de Sousa escreverá que Pedroto pedira a João Rocha quinze mil contos de luvas, salário para si e verba idêntica para os árbitros. «Caso contrário, o Sporting só ganha campeonatos lá para o fim do século.» (…)
In.: ROSA, Gonçalo Pereira - Big Mal & Companhia : a histórica época de 1981-1982, em que o Sporting de Malcolm Allison conquistou a Taça e o Campeonato. 1ª ed. Lisboa : Planeta, 2018. pp. 65-70
A todos os colegas deste espaço, extensivo aos demais adeptos/sócios leoninos que por cá passam habitualmente, recomendo a leitura deste livro da autoria de Gonçalo Pereira Rosa, dedicado à épica equipa do Sporting que conquistou tudo na ida temporada de 1981/1982.
Para mim, que não era nascido nessa época, nem nunca vi jogar ao vivo os seus jogadores (com excepção de Carlos Xavier), foi uma agradável revelação conhecer, com pormenor, Malcolm Allison, o plantel e, sobretudo, a empreitada que levaram a cabo, entrando, distintamente, para a gloriosa história do Sporting.
A época é revisitada com detalhe, desde os jogos, passando pelos bastidores. O melhor e o pior do Sporting, que todos sabemos de ginjeira, estão lá.
Espero que tenham feito chegar este livro a José Peseiro e à sua equipa técnica. Tem lá muitos aspectos (liderança, motivação, conhecimento, gestão de intrigas, etc.) que poderão ajudar e muito no comando da equipa. Uma espécie, pois, de manual para abordar a temporada e a conquista de importantes feitos.
A memória é traidora, há que duvidar sempre dela. Tantos golos que vi de Lourenço, Yazalde, Manuel Fernandes e quando me perguntaram à queima-roupa de que golo guardava melhor recordação, fui incapaz de me lembrar de algum deles. Apuro assim, ai de mim, que a minha memória dos feitos antigos do Sporting é igual à das imagens de televisão: desbotou-se.
Por exemplo, este golo que me veio logo à lembrança não foi afinal nada como o recordo, mas até fica mais bonito da maneira como a realidade diz que aconteceu. Vi-o lá no estádio, que é o lugar onde os factos são mais instantâneos e perecíveis, onde não há replay nem repetições que dissequem e gravem cada lance, onde tudo o que vemos é com as lentas espessas da emoção. O futebol e o que dele fica na nossa consciência, tal como todos os outros prazeres e dissabores da vida, depende por completo da ocasião. Daqui só pode resultar que a memória pretensamente absoluta e neutra registada por máquinas objectivas é, na verdade, uma distorção do que deveras se passou.
Recuemos, então, à época 81/82. O treinador era o exuberante Malcolm Allison, muito amigo de champagne e garotas, que via no futebol um pretexto para beber mais champagne e seduzir mais garotas. Estamos na pré-história, portanto, antes dos queirozes da vida terem vindo de powerpoint e diagramas em riste diminuir o futebol a uma chaveta das “ciências humanas” e destes treinadores filosóficos de agora portadores de uma “ideia de jogo”. “Big Mal” queria lá saber disso para nada, o que ele administrava nos jogadores era caixa de ar e músculo (os dolorosos treinos do preparador físico Roger Spry) e depois os rapazes que fossem à vida com o talento que tinham.
O Sporting entrava à frente na última jornada da primeira volta, com o Benfica e o Porto a farejarem-nos o rabo. Estava-se mesmo a ver que um deslize seria fatal. Última jornada essa em que defrontávamos o Porto enquanto o Benfica ia ao Bessa – tudo em jogo.
Perante um estádio efervescente e repleto – havia sempre maneira de sentar duas pessoas num lugar – não lembrou mais nada a Malcolm Allison do que se virar para as bancadas agitando os braços a pedir apoio. Recorde-se que os treinadores de então eram uns cavalheiros muito sorumbáticos, com medo de parecerem mal ou não serem levados a sério, nada dispostos a estas palhaçadas. Isto provocou uma descarga eléctrica na multidão que se foi acumulando em nervos ao longo da disputada meia-hora inicial.
Até que Mário Jorge pega na bola naquele jeito descaído dele, vai por ali fora rumo a norte, passa pela defesa do FCP – viste-lo? Eu também não – e catrapumba lá para dentro. Isto é do que me lembro; disto e de ainda estarmos a celebrar o golo quando pelos milhares de transístores ligados a outras tantas orelhas se gritou o golo do empate do Boavista contra o SLB.
Agora revejo as imagens televisivas e a coisa revela-se bem mais fina. A bola circulou pela equipa quase toda – ainda não se falava em “circulação de bola” – antes de chegar aos pés de Mário Jorge, que a empurrou para a baliza com delicadeza de artista. Mas o que as imagens não conseguem mostrar é a explosão de alegria-energia que este toque deflagrou. Podia ser, podia ser mesmo que o céu estivesse ao nosso alcance. Ainda hoje estou convencido que o campeonato 81/82 se ganhou naquela tarde.
Em comentários a postal recente da Helena Ferro de Gouveia renovei a opinião que venho defendendo desde há algum tempo (e que já repeti neste blog, desde a minha entrada aqui, acontecida na "janela de transferências" de Inverno da época passada). Ou seja, defendo que o treinador do Sporting deve ser Malcolm Allison. Alguns amigos co-bloguistas avisam-me que este já faleceu. Sim, claro, Big Mal já faleceu (ou, pelo menos, faleceu aquele pouco que acontece aos imortais). Mas o que eu, grande dirigente de sofá, continuo a pensar é que é necessário ir buscar um treinador excêntrico ao meio, tentar repetir o efeito Allison (e que teve o seu avatar explícito em Boloni e implícito em ... Augusto Inácio). Não porque os treinadores portugueses não sejam competentes, como se vê por esse mundo fora, como se vê no campeonato. Mas porque o Sporting está preso do complexo Paulo Bento. Um homem de personalidade muito forte, que terá contado com raro apoio interno, ainda que imperfeito (como a gente bem lembra), mas cujas imperfeições ele foi limando enquanto conseguiu. Para além dele aquele "banco" tem sido uma vala comum de compatriotas, uns mais capazes outros menos. Mas com toda a certeza que bem melhores do que o vale de lágrimas que aquele maldito fosso do estádio tem sido.
Ontem Carlos Xavier disse isso mesmo. Que venha alguém de fora. que não conheça os belos e os feios, os bons e os maus. Adianto eu, que seja muito rijo e algo sábio. E que nós não gritemos se não for campeão: porque não vai ser. Se isso acontecer, surpresa! Se isso não acontecer? É o normal, ele que faça melhor para o ano.
(Falsa) Adenda: muito se fala do necessário "sportinguismo" nos treinadores. Até pelo "coração de leão" de Sá Pinto (que sempre julguei portista, diga-se, o que não veria como defeito) e pela ascensão agora de Oceano, o "tecnicista" que foi o melhor jogador da sua geração, e que tanto amei ver jogar. Ora o Sporting sempre foi um sítio ingrato para esses adeptos-treinadores (Mário Lino, à boca de bi-vencedor; Rodrigues Dias; Manuel Fernandes; Fernando Mendes; Pedro Gomes; Augusto Inácio, etc.). Deixemo-nos de mitos. O que eu quero é treinadores que façam sportinguistas. Não quero treinadores sportinguistas.
(Vera) Adenda: agora que o inevitável aconteceu repito o "Viva Sá Pinto!" que aqui deixei há alguns dias. Foi bom, disfrutei-o, o que aconteceu o ano passado. Porventura com dedo(s) de Domingos. Obrigado a este também. Então "Viva Domingos!". E "siga a marinha".