Obrigado, Gomes!
Num certo sábado, do ano de 1990, terminado o almoço, o meu pai pegou no carro e levou-me com ele em viagem, até uma terra relativamente distante de Esposende, mas não muito.
Chegados a Famalicão, dirigimo-nos ao estádio local. Na minha ignorância, perguntei ao meu pai o que é se estava a passar.
Vamos ver o Sporting, respondeu-me. O que é o Sporting?, retorqui.
Então, em cinco ou menos minutos, o meu pai fez o necessário briefing: a equipa que vamos apoiar são os verde e branco, os nossos bilhetes são para o setor da equipa da casa, por isso nada de manifestações, sobretudo se for golo nosso, o nosso craque é o Gomes.
Chegados ao estádio, entrei, literalmente, num mundo novo do qual nunca mais haveria de sair: o futebol e o gosto pelo desporto rei, mas, sobretudo, a paixão pelo Sporting.
Gomes? Quem é ele? Onde está ? perguntava, incessantemente, ao meu pai.
É o nosso 9, respondeu-me.
E então, nunca mais tirei, nessa tarde, os olhos do nosso 9, o Gomes.
Foi um jogo muito disputado, como, de resto, continuam a ser hoje em dia as nossas partidas contra o Famalicão, mas lá conseguimos levar de vencida o adversário, graças a um golo do...Gomes!
Que alegria! Que emoção! O nosso craque marcara golo, dando a vitória ao, agora também meu, Sporting!
Regressados de Famalicão, perguntava ao meu pai, numa excitação incontida, como é que poderia seguir o Sporting, que queria beber mais deste cálice sagrado.
Fala com o teu avô e ele que te ponha a ler A'Bola, que compra sempre, respondeu o meu pai.
E foi assim que começou a minha história com a A'Bola, jornal que li a fio e pavio, durante toda a minha infância e adolescência, e que, não obstante todos os defeitos, continua a ser o meu jornal.
Quanto ao Gomes, continuei, claro está, a segui-lo com toda a atenção, durante o resto do campeonato, onde haveria de acabar no pódio dos melhores marcadores, em terceiro lugar. E foi então que, terminada a época, ouvi, com estupefacção, Gomes anunciar, no Domingo Desportivo, que se retirava das competições oficiais. Como? Porquê agora? Nunca o Sporting irá arranjar um atacante deste calibre!, eram pensamentos que, nos dias seguintes, assaltavam com toda a força a minha cabeça.
Mais tarde, vim a descobrir que o meu Gomes era, afinal, uma lenda do Futebol Clube do Porto, nosso arqui-inimigo. Mas, confesso, isso pouco me importou, nem tão pouco retirou qualquer brilho à imagem reluzente que guardava do meu Gomes sportinguista.
Gomes vestiu de uma forma muito nobre a nossa camisola. É a memória que guardo, confirmada e reiterada pelos inúmeros testemunhos leoninos que li nestes dias após o seu passamento e, em particular, por um vídeo disponível no YouTube, o rescaldo do Sporting vs. Porto, o primeiro em que Gomes defrontou a sua antiga equipa.
A notícia da morte de Fernando Gomes deixou-me, naturalmente, muito triste, pois é o nome incontornável na história da minha iniciação ao sportinguismo. Mais pena tenho por nunca me ter cruzado com o Gomes e de poder agradecer-lhe pessoalmente por essa tão grata lembrança.
Morreu o Gomes, mas não morreu o meu Gomes, que continua, impecavelmente equipado de verde e branco, a marcar ao Famalicão, na minha memória e no meu coração.
Obrigado, grande Gomes!