Consciente do monumental frango dado na criação de um spot publicitário de muito mau gosto, a Sagres já veio a público retratar-se. Porém, há por aí uns pseudo-intelectuais muito preocupados com o estado do país em particular e do mundo em geral que querem comparar um anúncio de cerveja a um ataque terrorista e não param de dizer que também são Charlie.
Então é assim:
1. Um jornal é um jornal e a liberdade de imprensa é sagrada. Um anúncio publicitário não é um jornal. É um produto comercial que apela ao consumo de um determinado bem com o intuito de proporcionar lucro a quem o promove.
2. Um anúncio publicitário quer obter mais clientes. Este anúncio publicitário hostiliza potenciais clientes. É um falhanço absoluto enquanto produto.
3. Se todos somos Charlie, eu reivindico o meu direito a expressar a minha opinião para poder dizer que não gostei do filme, achei a ideia triste e lamentável e que cá em casa só se compra Super Bock (não é de hoje, já o tinha dito aqui: http://sporting.blogs.sapo.pt/835670.html).
4. Aliás, se agora andamos todos com o trunfo do Charlie Hebdo na manga como se fosse um joker, então reinvindico o meu direito inalienável a ser Sportinguista e recuso-me a tolerar a intolerância de uns certos ditadorzecos anti-adeptos (o clube deles é o anti-Sporting).
Tenho dito.
Nota: Reparem que só falo no Sporting. Não menciono qualquer clube ou agremiação futebolística. Antes de enviarem a artilharia pesada para a caixa de comentários lembrem-se que serão vocês a estabelecer as ligações.
Segundo leio no Record, o Sporting emitiu um comunicado a explicar as razões por que, ao contrário do anunciado, o arranque da Sporting TV não se efectuará, afinal, no dia 1 de Julho. De acordo com esta informação, o início das emissões está sujeito a autorização da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que não terá ainda sido concedida. Deixando de lado a imprecisão do comunicado - fala-se indistintamente de licenciamento e autorização quando a actividade de televisão, neste caso, uma vez que não se trata da utilização do espectro hertziano terrestre, não está sujeita a licenciamento mas, tão só, a autorização - a situação é exactamente aquela sobre que escrevi em Março de 2013. Ou seja, não certamente por culpa da ERC, que se limita a exercer as suas atribuições em conformidade com o ordenamento jurídico aplicável,os sportinguistas, ou o clube, sem que se saiba exactamente porquê, vão ter, em obediência a valores e interesses desconhecidos, as suas liberdades de imprensa e de expressão condicionadas pela necessidade de autorização, a conceder pelo Estado, para a actividade do seu canal de televisão por cabo (transcrevo o meu post, a que acima aludi). Como então disse, A RTP, a SIC e a TVI, bem como outras da mesma natureza que possam, nos termos da lei, vir a ser constituídas, utilizam um bem do domínio público, o espaço radioeléctrico, um recurso escasso (embora a evolução tecnológica, com a Televisão Digital Terrestre, permita um muito maior aproveitamento do espaço disponível) que o Estado deve, portanto, gerir, disciplinar e fazer partilhar em obediência aos valores e interesses consagrados na nossa ordem jurídica. É bom de ver que, considerando tais circunstâncias, a lei não pode deixar de fixar um conjunto de regras que determinem, até certo ponto, os princípios por que deve orientar-se o funcionamento e a programação destes canais, bem como o regime da atribuição das respectivas frequências. Nada, pois, mais natural do que as licenças serem atribuídas no âmbito de um concurso regido por normas e procedimentos razoavelmente complexos. Mas, os canais por cabo? O que é que o Estado tem a ver com a decisão de seja quem for que queira dedicar-se a esta actividade? Se alguém ou alguma sociedade ou associação (por exemplo, o Sporting) dispuser dos meios necessários e negociar a distribuição do canal com algum operador licenciado para o efeito (a Zon, A Meo, a Vodafone,etc.), onde é que existe algum interesse que possa justificar a necessidade de o gozo de uma liberdade fundamental estar dependente de autorização prévia do Estado?
Não vou agora repetir a totalidade do texto citado, que é um pouco extenso e poderá ser lido por algum possível interessado, mas, mais preocupado como cidadão do que como sportinguista, reafirmo a minha conclusão de então: ... tendo em conta o valor decisivo da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão no nosso modelo de sociedade e nas nossas aspirações colectivas, esta, do ponto de vista das escolhas políticas, está longe de me parecer a melhor solução legal.
P.S. Já depois de publicado este texto, ocorre-me a resposta que, na sequência do post cuja ligação incluí acima, dei a questões que me foram colocadas pelo co-autor do És a Nossa Fé Filipe Moura. Admitindo que esta resposta possa ter algum interesse, renovado pelo iminente início de actividade da Sporting TV, publico-a novamente:
a)Quando se fala em liberdade de imprensa inclui-se todos os meios de comunicação social. Aquilo a que chama liberdade de emissão de televisão é, pois, uma manifestação da liberdade de imprensa, tal como a que se revela através da rádio, dos jornais, de outras publicações, da internet, etc.
b)A tecnologia de cabo também não permite a criação de um espaço de comunicação infinito, mas não é essa a questão a que me refiro. O que eu digo é que o espaço radioeléctrico é um bem do domínio público, um bem, portanto, cuja utilização implica algum controlo do Estado, a começar pela definição de regras respeitantes à sua partilha. Há múltiplos interesses que devem ser articulados, pelo que, até porque a constituição o exige, o Estado não pode deixar de determinar o número e as condições em que devem ser licenciados os canais que usem o espectro radioeléctrico. Parece-me, pois, evidente, que neste caso o Estado tem toda a obrigação e legitimidade, desde logo jurídica, para condicionar o uso deste meio para o exercício da liberdade de imprensa. Mas isto é argumentação que só colhe relativamente às emissões no espaço radioeléctrico. Os operadores de televisão por cabo não utilizam o domínio público, isso acontecerá com os operadores de distribuição, o que constitui um problema completamente diferente e não tem aqui qualquer cabimento. Para o efeito em causa, não há qualquer diferença entre um jornal e um canal por cabo. O que é que pode legitimar a necessidade de autorização prévia do Estado para uma transmissão por cabo, não o sendo exigido para o lançamento de um jornal? Nada, há só um pequeno pormenor-repito o que disse no post: quando a Constituição foi aprovada não ocorreu ao legislador, como era normal, esta possibilidade, só pensou em jornais e outras publicações e na televisão e rádio no espaço radioeléctrico. Já desafiei várias pessoas a apresentá-los, mas nenhuma conseguiu ainda fornecer-me um argumento razoável a favor da solução legal. Os mais francos foram os que invocaram a necessidade de algum controlo pelo Estado. E mesmo esses esquecendo que o único controlo legítimo é o que é efectuado pela regulação, seja qual for o modelo para o efeito escolhido. A esta, de facto, nenhum canal poderá escapar, seja qual for o espaço ocupado, público ou não. c) Quanto à terceira questão que refere, aquela em que faz a comparação com comboios e autocarros, não tenho a certeza de ter percebido a sua intenção, mas, se era a de estabelecer a diferença entre os diferentes meios de comunicação social com base na dimensão das estruturas a que recorrem, estou em desacordo consigo. A tecnologia utilizada não tem qualquer relevo para este efeito. O que interessa, face à magnitude dos valores de que falamos, é saber se há algum interesse que justifique a autorização prévia do Estado para o exercício da liberdade de imprensa quando a comunicação não utiliza o espaço público. Eu não encontro nenhum. Continuo por isso a pensar que a necessidade de autorização, fixada pela lei, para as emissões da Sporting TV é um abuso.
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