«Outra expressão dita e escrita a toda a hora, e que é tudo menos português correcto: "líder à condição". Digam e escrevam: "provisório". "À condição" não é nada, porquanto não se diz qual a condição, ficando a palavra pendurada e manca. Além disso, não temos "à condição"; temos "na condição de que", "com a condição de que", "sob condição". Acaso iremos à festa à condição de que sejamos convidados?! Não se diga ainda que determinada equipa sobe a determinado lugar à condição: ela sobe provisoriamente.»
Do livro O Mundo pelos Olhos da Língua, de Manuel Monteiro (Objectiva, 2022). Pp. 257-258
«Certo dia, li o título "Presidente Kovacic vai ser Bola de Ouro". Como a Bola de Ouro é reservada a jogadores, fui ler, com olhos intrigados, a notícia. O jornalista errara. Um jogador (Modric) dissera ao presidente (do Real Madrid) que Kovacic seria Bola de Ouro, pelo que o clube o deveria contratar. A importância de virgular o vocativo! Correctamente: Presidente, Kovacic vai ser Bola de Ouro".
Estamos sempre a escrever e ler mensagens e cartas (electrónicas ou não) em que usamos "olá", "oi", "bom dia", "boa tarde", "boa noite" a anteceder o vocativo, e é tão raro ver o vocativo virgulado.
Programas de televisão (são alguns) com o vocativo e sem a vírgula... que dizer? Bom Dia Portugal - ponham lá a vírgula entre "Dia" e "Portugal" (o vocativo), é um canal público...»
Do livro O Mundo pelos Olhos da Língua, de Manuel Monteiro (Objectiva, 2022). P. 134-136
«Palavras há que só têm plural: entre muitas outras, "parabéns", "belas-artes", "belas-letras", "primícias", "víveres", "núpcias".
Palavras há que, com correcção gramatical, só devem ser usadas no singular: entre muitas outras, "ignorância", "caridade", "solidariedade", "meia-idade", "fé".»
Do livro O Mundo pelos Olhos da Língua, de Manuel Monteiro (Objectiva, 2022). P. 227
«Vocativo é a palavra, ou conjunto de palavras, que usamos para interpelar alguém ou algo.
Em época de eleições autárquicas, passei por certa freguesia que tinha uma inscrição nas paredes: "Vota Zé!" Sem vírgula, é um apelo para que se vote no Zé. Com vírgula, seria um apelo para que não nos abstivéssemos, em que o Zé seria o nome do cidadão comum, constituindo vocativo na frase.
"Casa Maria" é o nome de uma casa. "Casa, Maria" é uma ordem (ou sugestão ou pedido) para que Maria vá para casa, ou para que Maria se case.
Mais recentemente, vi: "Rua JJ [Jorge Jesus, treinador de futebol]." Sem vírgula, é nome de rua: a Rua JJ. Com vírgula, é a expressão do desejo de ver o treinador fora do clube.
"Amo-te Maria", "Adoro-te Sporting" - por favor, inscrevam as vírgulas nestas mensagens que enxameiam a paisagem urbana. A única coisa que nos deve preocupar quanto a estas inscrições urbanas é, em rigor, a antipedagogia que passa pela ausência de vírgula no vocativo. Não são nanoagressões à gramática; são agressões graves. Como pode uma pessoa atravessar um sistema de ensino até ao doutoramento, e mais além, e não saber esta regra elementar de escrever uma mensagem a saudar a outra?»
Do livro O Mundo pelos Olhos da Língua, de Manuel Monteiro (Objectiva, 2022). Pp. 133-134
«Quanto menos palavras homógrafas houver numa língua, melhor. Quanto maior a probabilidade de a homografia gerar confusão, pior. "Pára" perder o acento com o nefando acordo é disso exemplo acabado: que melhor prova haverá do que ver livros e publicações periódicas que dizem seguir o pavoroso acordo, mas que não abdicam do acento no "pára"? A importância da clareza! Exactamente.
Em 9 de Setembro de 2022, o Record tem por manchete: "Amorim pára a festa". Claro que "Amorim para a festa" induz a outra interpretação.
Em 17 de Dezembro de 2021, lemos o título (Correio da Manhã): "Bagaço a mais pára lagares no Alentejo". Se aqui fosse aplicado o AO90: "Bagaço a mais para lagares no Alentejo." Pois...
Chuva pára Lisboa ou chuva para Lisboa? Pára já, ou para já? Pára tudo ou para tudo? Pára onde ou para onde? Pára ali, ou para ali?»
Do livro O Mundo pelos Olhos da Língua, de Manuel Monteiro (Objectiva, 2022). Pp. 165-166
«É preciso repetir dez, doze, quinze, vinte, duzentas vezes; é absolutamente preciso nunca desistir: [personagem é] substantivo feminino. O uso no masculino é erro a vencer pelo cansaço; é macaqueação; é galicismo (le/un personnage).
Acaso, referindo-se a Pedro, pode o leitor dizer "esse pessoa"? Se Pedro é uma pessoa, ele é também "uma personagem". Personagem não é comum de dois; tem género fixo, feminino: essa personagem, uma personagem, as personagens.»
Do livro O Mundo pelos Olhos da Língua, de Manuel Monteiro (Objectiva, 2022). P. 207
Parece haver ainda dúvidas sobre a grafia no nosso idioma da palavra Catar, aludindo ao Estado anfitrião do Campeonato do Mundo de Futebol. Convém desfazê-las junto de quem sabe. Para o efeito, nada como recorrer ao Ciberdúvidas - o melhor consultório digital que conheço sobre a língua portuguesa.
Catar - transliteração da fonética arábe - é topónimo já consagrado em dicionários e prontuários. Rejeitando-se a aberrante transliteração inglesa Qatar, «impossível à luz da tradição ortográfica portuguesa», como assinala o José Mário Costa. E muito bem: cada língua com a sua norma. Convém acrescentar que os respectivos gentílicos podem ser catarianos ou catarenses. Qualquer das fórmulas é aceitável.
Bem sei que nada disto se relaciona directamente com desporto. Mas um pouco de cultura nunca é de mais. Neste blogue também.
Custa imaginar porque anda Sérgio Conceição sempre tão zangado, se tem prodígios destes no seu plantel. A notícia surgiu ontem em primeira mão no inefável jornal A Bola, onde noutros tempos não faltava quem soubesse escrever.