Se alguma coisa distinguiu pela negativa a presidência de Bruno de Carvalho - e coisas houve que a distinguiram pela positiva, como o pavilhão João Rocha e a recuperação das modalidades - foi Alcochete.
O aparente desprezo pelo local afastado de Alvalade, muito perto de vacas e muito longe de Lisboa como ele dizia, a marginalização e/ou afastamento de personagens como Diogo Matos ou Aurélio Pereira, a obsessão pelos títulos na formação, o autocarro de Sackos, Dramés e Gazelas do Augusto Inácio para a B que conduziu ao afundamento e extinção da equipa, aquela frase indigente na estátua antecidida por uma cartilha que foi repudiada pelos pais, e depois disso tudo... o assalto a Alcochete pela claque ou por elementos influentes da mesma com quem mantinha relações de promiscuidade por demais perigosas e que causou um rombo impressionante na SAD.
Foi Alcochete mais Jorge Jesus mais as trapalhadas da vida pessoal mais a corte de idiotas de que se rodeou no final que cumulativamente destruiram a presidência de Bruno de Carvalho, mas o dia em que tudo acabou para ele no Sporting foi 15 de Maio de 2018, o dia mais negro na história do Sporting, pelo menos nos últimos 50 anos.
Frederico Varandas, que estava bem por dentro da situação, colocou Alcochete no centro das prioridades, prestou todo o apoio ao mestre caído em desgraça, apostou na recuperação das infraestruturas e na reestruturação completa da formação com Tomaz Morais.
Passados seis anos sente-se que muito foi feito mas muito há ainda por fazer. Alcochete, que tinha sido pioneira e definido o rumo da formação em Portugal, havia sido completamente ultrapassada. Aqueles que estão a chegar ou poderiam estar a chegar hoje à primeira equipa com 19 anos tinham 13 na altura. Mateus Fernandes é um desses casos, chegou ao Sporting em 2016. Formar jogadores é como plantar árvores, é preciso dar tempo para ver resultados.
Mas de repente, e com o anúncio do futuro aeroporto em Alcochete, a academia entretanto baptizada como Cristiano Ronaldo ficou às portas do futuro aeroporto Luís de Camões. O valor da infraestrutura obviamente vai multiplicar-se.
Ainda há pouco a equipa do Sporting apanhava o avião em Beja para evitar a confusão da Portela. Daqui a uns anitos pode olhar para o céu e ver o charter a aterrar. Parece que terá uma estação de TGV ali ao lado também, para deslocar-se rapidamente para o Norte, para o Algarve ou para Madrid.
Com muito disparate pelo meio na desmesurada arquitectura empresarial que engendrou, não há dúvida que José Roquette teve visão no que respeita a Alcochete. Aquilo que faltou a Bruno de Carvalho sobre o mesmo tema, sobre Pinto da Costa e sobre muitas outras coisas.
«As decisões relacionadas com a construção deste estádio do Sporting e com a Academia de Alcochete foram tomadas durante a minha direcção. Uma das coisas que eu antevia era que a Academia de Alcochete deveria ser um dos suportes financeiros do Sporting. Devia produzir talentos em número suficiente para ser um factor de equilíbrio, até do ponto de vista financeiro. As coisas hoje são diferentes. Os padrões, até em termos internacionais, multiplicaram-se por muitos zeros e isso veio deixar para trás algum tipo de valores, de perspectivas, até de envolvimento das pessoas, que não é qualquer coisa que eu sinta como construtivo.»
«Decidi sair quando assumi que já tinha feito no Sporting aquilo que lá me tinha levado. Já eram demasiados anos da minha vida, sobretudo na faixa etária em que eu estava, e foi mais por isso do que por outras razões que eu decidi [em 2000] deixar a presidência. Que me trouxe satisfações, também desgostos. Talvez o mais pesado deles todos tenha sido o que aconteceu com o very light naquela final da Taça de Portugal no Estádio do Jamor. Foi o arranque para uma época de uma conjugação de violência e de turbulência.»
«Tive sempre um comportamento em relação às claques do Sporting de tentar separar aquilo que era autêntico daquilo que era indesejável, mas tenho de convir que hoje isso é muito, muito difícil.»
«Entendi sempre que as coisas [clube/SAD] deviam ser separada uma da outra. Que a presidência do Sporting, como accionista de referência da sociedade anónima desportiva, só se prejudicaria com os bons e maus resultados que dali viessem. Vejo o tempo dar-me alguma razão. O que interessa, nessa perspectiva, é sempre do ponto de vista estratégico: se as pessoas que lá estão não servem, outras terão de vir que sirvam. Mas a nível técnico, concreto, do futebol profissional.»
«A nossa capacidade financeira é muito residual, é muito pequena. Continuaremos a ser um exportador de talentos. Poderá acontecer outra vez um Campeonato Europeu como em Paris, há quatro anos, mas não é algo que possa estar no nosso menu de todos os dias.»
«Tenho elementos históricos da correspondência trocada entre o meu trisavô [Visconde de Alvalade, fundador e primeiro presidente do Sporting] e o meu avô [José Alvalade, fundador e terceiro presidente do SCP]. Eu e os meus irmãos já decidimos doar esse conjunto de documentos, que são duas malas grandes, ao Museu do Sporting. Vão passar a integrar o património histórico do Sporting.»
Trechos da entrevista de José Roquette - penúltimo presidente campeão do futebol leonino - hoje no Record
Faz hoje 20 anos, no mandato do presidente José Roquette. Uma brava equipa comandada por Augusto Inácio recuperava para o Sporting o ceptro de campeão, perdido 18 anos antes. A 14 de Maio de 2000, voltávamos ao posto máximo do futebol português.
Não podemos esquecer os heróis dessa odisseia: Peter Schmeichel, Acosta, Beto, André Cruz, Rui Jorge, César Prates, Mpenza, Pedro Barbosa, Duscher, Vidigal, De Franceschi, Ayew e Iordanov, entre outros.
Ainda se lembram onde estavam e o que fizeram naquele dia?
No tempo de José Roquette, quando o Sporting ganhou o campeonato, ninguém queria saber quem era o presidente. Os jogadores é que foram aplaudidos e celebrados.
No tempo de Dias da Cunha, quando o Sporting ganhou o campeonato, ninguém queria saber quem era o presidente. Os jogadores é que foram aplaudidos e celebrados.
Bons tempos, em que tínhamos presidentes campeões. E que apesar disso nunca se punham em bicos dos pés querendo ficar em primeiro lugar na fotografia.
Tempos depois houve quem não ganhasse nada e mesmo assim fizesse tudo por aparecer. Até comparações imbecis com o Cristiano Ronaldo serviam para ser notícia, à falta de golos.
Este, que foi o pai da SAD e que quando as acções estavam em alta se pirou de accionista e cuidou de vender todas as acções que detinha; Este, que abandonou a presidência do Clube porque não estava "para se chatear"; Este, que viu construir um estádio sem a porra dum pavilhão para as modalidades e olimpicamente esteve silencioso; Este, que esteve de boca calada quando Soares Franco delapidou o património não desportivo do Clube; Este, que viu o presidente cooptado por Dias da Cunha transformar um clube dos sócios num clube de clientes e esteve de acordo; Este, que viu entrarem e sairem treinadores e jogadores às carradas durante vinte anos e nem abriu pio; Este, que nem tugiu nem mugiu quando o Sporting foi intervencionado pela banca em consequência dos reinados ruinosos de Bettencourt e Godinho, que quase levaram o Sporting à falência e ao desaparecimento, este, vem agora chamar o "senhor Carvalho" de vigarista e admite até um movimento para o retirar da presidência. Vai lá. Vai lá e não leves a manta, logo vês o que te acontece. Realmente, estamos mesmo muito bem servidos de notáveis...