A estratégia do Benfica, após seis derrotas em jogos oficiais quando ainda estamos em Novembro, girou 180 graus. Como é bem patente nas intervenções de representantes encarnados nos debates televisivos.
No rescaldo do Sporting-Benfica isso ficou mais evidente que nunca: os mesmos que ainda há pouco não desperdiçavam uma ocasião para enaltecer a competência dos árbitros portugueses estão agora na primeira linha dos queixumes contra a arbitragem.
E fazem-no em total sintonia, sem discrepância de qualquer espécie. Como se percebe nestas transcrições inflamadas contra os homens do apito:
João Gobern (Trio d' Ataque, RTP 3): «Um dia destes vamos ter que criar uma medalha, um prémio, uma distinção, umas férias pagas em qualquer lado, ao primeiro árbitro que marcar um penálti contra o Sporting. Até agora, nada. (...) Nos três jogos com o Sporting o Benfica foi sonegado de três grandes penalidades!»
Rui Gomes da Silva (O Dia Seguinte, SIC Notícias): «O escândalo que foi esta arbitragem! (...) Jorge Sousa teve má fé.»
Pedro Guerra (Prolongamento, TVI 24): «Todo o País já percebeu que o Sporting está a ser beneficiado por decisões de arbitragem e conseguiu passar a eliminatória da Taça de Portugal graças a decisões de arbitragem. (...) É preciso dar um murro na mesa!»
Vinte e dois de Novembro de 2007, um local, FNAC do Colombo (19H00), assisti à apresentação do livro: "Futebol e Rock n' Roll"... o "rock" era o aniversariante de hoje, o Sportinguista Sérgio Godinho; o futebol era um futebolista, que digamos, já não joga no Sporting.
Retiro umas palavras desse livro (p. 31 e 32):
SG - E tu, nunca foste benfiquista?
JM - Para dizer a verdade, fui (...) apesar da minha mãe ser uma adepta anti-benfiquista.
SG - Ah, é uma adepta anti-benfiquista... Boa definição.
JM - Podem ganhar todos, menos o Benfica.
SG - Isso parece uma frase que os brasileiros costumam dizer: «me inclui fora dessa»... (risos)
JM - Quando o Benfica ia jogar a Olhão aconteciam umas certas... trafulhas - é como a minha mãe diz, trafulhas. A partir daí começou a detestar o Benfica (...) o árbitro roubava o Olhanense e a minha mãe, adepta do clube, ficou com um pó ao Benfica (...)
[ficar com pó ao Benfica é uma frase linda, lida à luz daquilo que hoje sabemos, ficar com pó ao clube do pó, há realidades que não podem ser branqueadas :)]
Enfim a ideia era dar os parabéns ao Sérgio mas enveredei pelo estilo João Gobern a quem pagaram para escrever uma crónica em que fala dele; Gobern e não de Godinho.
Vou terminar com um grande abraço para Godinho, Sérgio Godinho e uma frase à Leão:
Locutores e comentadores da rádio e da televisão são unidades jornalísticas autónomas que fazem parte da experiência desportiva e, pela sua função, assumem o cometimento com a audiência de informar e comentar com exactidão, imparcialidade e integridade, requisitos tão essenciais à sua credibilidade, como instrumentos esterilizados a um cirurgião. Salvo em casos em que o alicerce da programação assenta no debate entre adeptos, provisoriamente instalados em painéis para discussão improvisada, o comentador tem o dever de moderar a sua analogia, enquanto profissional, a fim de preservar a objectividade e fidedignidade do seu desempenho jornalístico, indiferente das suas tendências naturais para uma qualquer coisa. O jornalismo, como profissão e arte, é governado por regras de conduta que não dispõem de precisão científica. Muito por essa implícita latitude, o desempenho não se ajusta meramente à transmissão de opiniões, reacções e ideias, sem primeiro consciencializar a veracidade da informação em que a expressão é fundamentada. Esta, para ter equilíbrio e probidade, não deve ser indevidamente influenciada por factores partidários que comportam, por inerência, o potencial para a desvirtuação desportiva e o desrespeito pela propriedade da audiência. João Gobern, tanto no seu comentário in loco como na sua palavra escrita, sempre transpirou a sua extraordinária inibição em encontrar a imunização contra o seu fervor clubístico, consideração que há longo tempo o deveria ter desqualificado da participação num programa como «Zona Mista», componente da televisão pública que aspira aos ideais de jornalismo no comentário desportivo.
O João Gobern tem todo o direito de se assumir como adepto benfiquista. E, sendo convidado para fazer comentário futebolístico na RTP precisamente como analista de cachecol, tem naturalmente também o direito - e neste caso quase o dever - de assumir a sua condição de benfiquista. Nada a objectar quanto a isto. Sendo assim, quem poderá espantar-se que vibre em directo com a marcação de um golo da sua agremiação ao minuto 92 de um jogo contra um clube que ameaça disputar-lhe o título? Fará sentido compará-lo ao ex-ministro Manuel Pinho que foi afastado do Governo socialista por ter feito um feio gesto a um deputado da oposição na respeitável sede da democracia que é a Assembleia da República?
Quanto a mim, o caso pode e deve servir de pretexto para a indignação sportinguista mas sem ter Gobern como alvo. Quem merece críticas é a RTP, que inclui há quatro anos na grelha regular do seu espaço informativo um programa de comentário futebolístico, intitulado Zona Mista, que apenas permite um adepto de cachecol. O do Benfica. À revelia das suas obrigações de serviço público que lhe impõem normas acrescidas de isenção, pluralismo e equidade. Como se uns cachecóis fossem mais iguais que outros...
A questão é só esta. E é quanto basta para merecer debate. E suscitar legítima indignação.