No jogo dos quartos-de-final desta noite, disputado em Fortaleza entre duas equipas sul-americanas, houve emoção e sofrimento mútuo do princípio ao fim - exactamente ao contrário do que sucedera na insípida partida da tarde entre duas selecções europeias.
O Brasil foi superior à Colômbia e mereceu a vitória, que ainda assim foi muito suada e com resultado incerto até ao apito definitivo do árbitro. Com Maicon no lugar de Dani Alves, Scolari ordenou aos seus jogadores para iniciarem o desafio a grande velocidade e manterem pressão alta. Missão cumprida. E até facilitada, quando Thiago Silva apontou o primeiro golo, num lance de bola parada, logo aos 12'. A Colômbia - jogando em casa alheia e em estreia absoluta nuns quartos-de-final de um Campeonato do Mundo - demorou demasiado a equilibrar o jogo, sem explorar a sua principal arma: a rapidez nos flancos. O corredor direito quase não foi utilizado durante o primeiro tempo e jogadores de inegável qualidade, como Cuadrado, estiveram abaixo do nível habitual.
O Brasil, pelo contrário, fez o seu melhor jogo neste Mundial, funcionando como um verdadeiro colectivo. Isto apesar de Neymar ter estado menos acutilante, Fred continuar tão ineficaz como sempre e os golos terem sido marcados por dois defesas (o segundo, um livre marcado pelo pontapé-canhão de David Luiz aos 68', viria a ser o lance decisivo).
James Rodríguez abandona o torneio apontando mais um golo, de penálti. E vão seis, o que faz dele o melhor marcador até ao momento. Tem motivos para sair satisfeito apesar de a Colômbia ficar pelo caminho: revelou-se um dos astros indiscutíveis do Mundial.
O Brasil joga terça-feira a primeira meia-final, em Belo Horizonte, contra a Alemanha. Sem Thiago Silva, por acumulação de cartões, e talvez sem Neymar, que hoje saiu lesionado. Mesmo perante o seu público, sob a liderança carismática de Scolari e os ventos dominantes soprando a seu favor terá de mostrar mais do que revelou até agora para conseguir conquistar o hexa. Os milagres já não são o que eram - nem sequer no futebol.
Há jogos que começam a ser perdidos muito antes do apito inicial do árbitro. Aconteceu com o jogo desta noite, dos oitavos-de-final do Campeonato do Mundo, que opôs no mítico Maracanã a Colômbia ao Uruguai. Terminou com uma vitória indiscutível dos colombianos, que há 16 anos não participavam num Mundial e atingem pela primeira vez uma fase tão avançada da prova máxima do futebol a nível de selecções.
Foi também o jogo da vida do ex-portista James Rodríguez, actual médio ofensivo do Mónaco, com apenas 22 anos. Autor dos dois golos desta partida: já contabiliza cinco no Brasil, tantos como Neymar, tendo ultrapassado Messi e Müller na lista dos melhores goleadores do Mundial.
São dois golos extraordinários, por motivos diferentes.
O primeiro é uma obra de arte individual, que haveremos de rever inúmeras vezes: servido de cabeça por Aguilar, a cerca de 15 metros da baliza, em zona frontal, James recebe muito bem a bola, ampara-a com o peito e sem a deixar cair remata à meia-volta num pontapé seco, forte, intencional e bem colocado. O guardião argentino ainda lhe tocou com a ponta dos dedos, sem conseguir travá-la: entrou pela zona superior direita da baliza, sem hipóteses de defesa.
O segundo é uma obra de arte colectiva, que a partir de agora devia ser exibida em todas as academias de futebol. Uma fabulosa jogada ao primeiro toque, com a bola sempre em movimento. De Gutiérrez para Jackson, de Jackson para Armero, de Armero para Cuadrado, de Cuadrado para James.
E a propósito de Cuadrado: o jogador da Fiorentina voltou a fazer uma partida magnífica, tendo já a seu crédito um golo e quatro assistências no Mundial.
Jogos como este, golos como estes, são uma extraordinária homenagem ao futebol de ataque, confirmando este Campeonato do Mundo como um dos melhores de sempre.
Sou suspeito, porque torcia pela quarta vitória consecutiva da Colômbia: não consigo assistir a uma partida de futebol sem tomar partido. E considero que o Uruguai já entrou em campo derrotado pela inqualificável consulta antidesportiva do seu goleador, Luis Suárez, justamente castigado com uma sanção duríssima pela FIFA por ter mordido um adversário no jogo Itália-Uruguai - conduta em que é reincidente (é pelo menos a terceira vez que protagoniza um lamentável lance deste género).
Os uruguaios passaram aos oitavos, mas Suárez regressou a casa. Estará afastado da selecção por nove jogos, o que lhe dará imenso tempo para reflectir sobre a sua conduta. Prejudicou-se a si próprio. E também prejudicou a equipa, que hoje entrou em campo já psicologicamente batida sem o colega que figurou entre os melhores marcadores do Mundial de 2010 e marcou 11 golos na fase de qualificação.
Este foi um Uruguai irreconhecível, sem soluções de ataque, em nada semelhante à selecção classificada em quarto lugar no Campeonato do Mundo da África do Sul. Com Forlán, distinguido com o título de melhor jogador nesse torneio, agora substituído na segunda parte após uma exibição apagadíssima, sem conseguir estabelecer a ligação entre o meio-campo e o ataque. Um Uruguai que fica por aqui após ter eliminado ingleses e italianos na fase de grupos.
A Colômbia vai jogar agora com o Brasil, que derrotou também hoje o Chile com o recurso ao desempate por grandes penalidades após o jogo ter terminado 1-1, já após o prolongamento, no estádio do Mineirão, em Belo Horizonte. Scolari deve ter acendido uma vela à Senhora de Caravaggio por este triunfo tão suado.
Mas terá de fazer bem mais que isso nos quartos-de-final se quiser ultrapassar esse poderoso obstáculo chamado Colômbia. Que pode estar para o Brasil em 2014 como o Uruguai esteve em 1950, quando o escrete - também na condição de selecção anfitriã - saiu derrotado do Maracanã, sem apelo nem agravo. Um trauma que chegou aos nossos dias.
"Brasil toca madera", escreve a Marca. Depois do que vimos hoje, no Maracanã e no Mineirão, não admira nada.
Colômbia, 2 - Uruguai, 0
Brasil, 1 - Chile, 1 (3-2 nas grandes penalidades)
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