Entrou finalmente em campo, na terceira partida de preparação do Europeu, jogou os 90 minutos e fez toda a diferença. Um exemplo para os outros que lá andam. Foi o grande obreiro desta nossa vitória por 3-0 frente ao onze da Irlanda. Que dia antes vencera a Hungria por 2-1, quebrando uma série invicta de 14 desafios dos magiares.
Cristiano Ronaldo, ele mesmo. Aos 39 anos. Duas décadas depois de se estrear pela selecção nacional de futebol. Ontem, no estádio municipal de Aveiro, marcou dois golos (o segundo e o terceiro, aos 50' e aos 60'), foi dele a pré-assistência para o primeiro, aos 18', e ainda mandou uma bomba ao ferro, na espectacular conversão de um livre directo.
Com esta particularidade: os dois golos do capitão português foram apontados com o seu pé menos privilegiado, o esquerdo. O que não lhes roubou brilho - sobretudo ao primeiro, autêntica capela sistina do futebol, comprovando que esta modalidade desportiva pode equiparar-se à melhor produção artística.
Estamos ainda hoje perante o maior finalizador do futebol mundial.
Alguém duvida?
Os números dizem tudo: após este seu jogo n.º 207 pela equipa das quinas, CR7 contabiliza agora 130 golos. São, no total, 895 em 1225 partidas oficiais desde que iniciou a carreira, no nosso Sporting.
Outro número mágico - o n.º 900 - está aí ao virar da esquina.
Tudo isto pouco depois de se ter sagrado melhor marcador do campeonato saudita, apontando 35 golos ao serviço do Al Nassr: bateu o recorde de golos nessa Liga. Com um total de 52, além de 13 assistências em todos os desafios da temporada.
Outro recorde batido com essa proeza: é o primeiro jogador a destacar-se como rei dos artilheiros em quatro campeonatos diferentes. Como se fosse mais um dia no escritório na fantástica carreira de Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro, nosso compatriota, nosso consórcio - tão sportinguista como qualquer de nós.
Espero que mais logo a equipa das quinas faça bem melhor, na recepção à turma da Sérvia, do que fez na quinta-feira, em Dublin. Lamento a paupérrima exibição no empate a zero frente à da Irlanda, tanto mais que o meio-campo era "leonino": Palhinha e Matheus Nunes reproduziam na selecção a habitual dupla do nosso onze titular, tendo pela frente Bruno Fernandes, que mesmo no Manchester United continua a respirar Sporting por todos os poros.
Não funcionou. Fernando Santos mandou descansar os jogadores à bica do terceiro amarelo (menos Palhinha, que escapou à sanção nesta partida, mantendo-se apto a defrontar os sérvios) e assim transmitiu a mensagem errada aos jogadores, aliás reproduzida na conferência de imprensa após o desafio: tanto fazia vencer por cinco como empatar a zero, o pontinho bastava. Como se não estivesse em causa a reputação do emblema das quinas, que subiu ao posto mais elevado do pódio no Campeonato da Europa de 2016 e na Liga das Nações em 2019. Convém não esquecer que somos uma das quatro selecções do continente que neste século ainda não falhou uma fase final do Euro ou de um Mundial.
Espectáculo deprimente, pois. Bruno - lamento reconhecer - jamais consegue na selecção o nível de virtuosismo e de eficácia alcançado nos clubes que tem representado. André Silva, outra nulidade com a camisola das quinas - talvez por ter que jogar a extremo. Um tal Rafael de erróneo apelido Leão, entrado aos 56' e saído aos 83', parece ter calçado só por afronta ao Sporting: mal tocou na bola. João Félix, em campo desde o minuto 75, evidenciou no batatal irlandês a gloriosa mediocridade que tem exibido no Atlético madrileno.
Danilo adaptado a central na selecção não lembra ao careca, havendo o campeão europeu José Fonte no banco. Dez jogadores de campo sem um só esquerdino é outra aberração: dos onze que entraram de início, apenas Rui Patrício joga com o pé canhoto.
Pepe, ainda pior: sofreu um apagão mental como se tivesse apenas 18 suaves primaveras e fez-se expulsar de modo infantil. Parecendo ter medo de defrontar hoje a Sérvia. Comportamento inqualificável manchando o dia em que o central portista se tornou o jogador mais velho de sempre a vestir a camisola da selecção nacional, com 38 anos, oito meses e 16 dias. Ultrapassando por 13 dias a anterior marca, de Vítor Damas.
A Irlanda jogava só pelo brio, tentando cair de pé já sem a menor hipótese de qualificação para o Mundial do Catar. Com futebolistas de nível muito inferior aos nossos: basta lembrar que dois dos onze que alinharam de início actuam na terceira divisão lá do país.
Mesmo assim foi deles a melhor oportunidade para desfazer o nulo. Aos 26', num remate de Callum Robinson, com Rui Patrício a voar para evitar o golo. Dos portugueses, só o guarda-redes merece nota positiva. Desta vez nem acompanhado por Cristiano Ronaldo, que teve duas oportunidades de marcar, perto do fim: na primeira, cabeceou a rasar o poste; na segunda, rematou de ângulo apertado, permitindo a defesa.
É verdade que passámos a liderar o nosso grupo de apuramento para o Mundial e apenas dependemos de nós. No entanto, há que fazer muito melhor frente aos sérvios, logo à noite, para garantir o apuramento. Basta um empate, como disse Fernando Santos. Mas a maneira mais estúpida de perder, muitas vezes, é mesmo essa: quando se joga só para o pontinho.
1. Dos golos da vitória (por 5-1) no jogo contra a Irlanda: foram cinco. Dois de Hugo Almeida, um de Vieirinha, outro de Coentrão e um autogolo irlandês.
2. De Cristiano Ronaldo. Atirou uma bola ao poste, fez uma óptima assistência para golo (de calcanhar) e revelou o inconformismo de sempre.
3. Da dinâmica de Nani. Entrou só aos 65', mas muito a tempo de fazer duas primorosas assistências para golo - uma das quais de trivela, para Coentrão. Parece estar a regressar ao topo da forma.
4. De perceber que temos várias opções funcionais não só para o mesmo lugar (incluindo guarda-redes) mas também para diferentes sistemas de jogo. Algo muito útil num Mundial que promete ser muito competitivo e duro a vários níveis.
5. Da ligação entre os diferentes sectores da equipa. Muito superior à revelada nos anteriores encontros de preparação para o Mundial, contra a Grécia e o México.
6. Da alegria, determinação e vontade de vencer que sentimos e pressentimos na equipa nacional. Para calar todas as vozes agourentas que vão piando noite após noite nas pantalhas cá do burgo.
7. Do balanço destes três desafios de preparação: duas vitórias e um empate, seis golos marcados e apenas um sofrido. As vitórias começam a ser construídas com defesas sólidas, como bem sabemos. E Portugal tem apresentado solidez, designadamente no eixo da defesa, com várias combinações: Bruno Alves-Ricardo Costa, Luís Neto-Ricardo Costa e Bruno Alves-Luís Neto. Nada a recear, mesmo com Pepe ainda não totalmente recuperado dos efeitos da mais recente lesão.
8. De registar este facto: Portugal não perde há sete jogos. As coisas são o que são.
Não gostei
1. Da prestação da equipa irlandesa. Demasiado frouxa, demasiado débil. Merecíamos um adversário mais forte e que desse mais luta nesta fase decisiva da preparação.
2. Da anulação aos 90' do que esteve quase a ser o sexto golo português. Por fora-de-jogo milimétrico de Nani naquela que foi a melhor jogada de todo o desafio e envolveu vários jogadores em sucessivas tabelas sempre ao primeiro toque - incluindo o nosso William Carvalho.
Ia decorrido o minuto 49 quando aconteceu um golo monumental, daqueles que nos ficarão para sempre na memória, durante o jogo Espanha-Irlanda, disputado hoje debaixo de chuva em Gdansk (Polónia).
Foi um golo invulgar, mas que ilustra de forma exemplar a indiscutível superioridade espanhola num encontro em que os irlandeses sofreram aquela que foi até agora a mais copiosa derrota deste Campeonato da Europa. David Silva recebeu a bola na grande área irlandesa. Tinha à sua frente três defesas que neutralizou com uma simulação perfeita, como se tivesse ao seu dispor todo o tempo do mundo: bastou-lhe uma simples troca de pés, passando a bola do direito para o esquerdo, com o qual rematou - pouca força, muito jeito - sem hipóteses para o guardião Shay Given, que nunca imaginou um desfecho destes.
Sem golos o futebol não chega a ser uma festa. Disso não se podem queixar todos quantos viram este encontro, onde a superioridade espanhola foi quase escandalosa. Se os bons lances de futebol justificassem música, como acontece nas touradas, mais de metade da partida teria ocorrido ao som estridente dos pasodobles, com o carrocel catalão e castelhano a provocar vertigens aos verdes devotos de São Patrício.
De vez em quando as câmaras focavam o rosto do seleccionador da Irlanda: Giovanni Trapattoni, bem conhecido dos portugueses, era a imagem personificada da impotência táctica perante a equipa que ostenta justamente os títulos de campeã da Europa e campeã do Mundo. Com cerca de dois terços de posse de bola em tempo útil, nuestros hermanos confirmaram hoje que são sérios candidatos à revalidação do título. E ninguém personificava melhor isso do que Andrés Iniesta. Fala-se muito em Lionel Messi (por bons motivos), tem-se falado também muito em Cristiano Ronaldo (por motivos menos bons), mas pouco se fala deste genial médio catalão de 28 anos que constrói jogadas impossíveis e oferece aos colegas semigolos servidos em bandeja de ouro.
Reparem em Iniesta enquanto joga: os olhos dele nunca deixam de acompanhar a circulação da bola. Como se sofresse quando não a tem e se transfigurasse sempre que a possui.
"Quem quer ver espectáculo, vá ao Scala de Milão", costuma dizer Trapattoni. Erro crasso: hoje houve espectáculo em Gdansk. No relvado, onde os espanhóis imperaram. E nas bancadas, dominadas pelos fãs irlandeses. Que nunca deixaram de vibrar do primeiro ao último minuto. Como se tivessem uma hipótese remota de ganhar quando estavam condenados a uma derrota inapelável.
Espanha, 4 - Irlanda, 0
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