Complexo de inferioridade? Deslumbramento? Sorte? Incapacidade de gerir uma vantagem que pareceu caída do céu? Falta de intensidade? Confiança no melhor de todos para corrigir as asneiras de vários?
Talvez um pouco de tudo isto.
Portugal estreou-se hoje no Campeonato do Mundo na Rússia defrontando uma velha rival: a selecção espanhola, campeã mundial de 2010 e bicampeã europeia (2008, 2012) antes do nosso inesquecível triunfo no Parque dos Príncipes, vai fazer dois anos. Estivemos à beira de perder, empatámos quase in extremis e podíamos até ter vencido mesmo ao cair do pano.
Houve de tudo nesta emocionante partida. Começámos a vencer no duelo ibérico disputado em Sochi, iam decorridos 3 minutos, com um penálti convertido por Cristiano Ronaldo a castigar uma falta que talvez o árbitro não marcasse noutra circunstância. Tivemos um período de algum protagonismo nessa primeira parte mas depressa cedemos domínio territorial aos espanhóis, que tanto apreciam a posse de bola. Exagerámos de tal maneira nesse dispositivo táctico que logo se prenunciou o golo do empate, convertido por Diogo Costa - após descalabro defensivo português de que o próprio guarda-redes não está isento.
O intervalo aproximava-se quando nos sorriu novo golpe de sorte: outro golo de Ronaldo, aproveitando um frango do tamanho de um peru do guardião espanhol, De Gea. E assim, com vantagem por 2-1, chegámos ao segundo tempo. Em que, aí sim, levámos um banho de bola do onze que há dois dias deixou de ser dirigido por Julen Lopetegui.
A selecção espanhola - com 62% de posse de bola na totalidade do jogo - revelou-se um conjunto afinadíssimo, sob a batuta de um maestro genial chamado Iniesta. Os nossos flancos, entregues a Bruno Fernandes e Bernardo Silva, não funcionavam. A defesa tremia a cada investida castelhana. E à frente Ronaldo, único que teimava em dar luta, permanecia desacompanhado: Gonçalo Guedes revelou-se uma nulidade.
De rajada, com quatro minutos de intervalo, sofremos dois golos - mais um do hispano-brasileiro e outro de Nacho. A equipa implorava por mexidas que chegaram tarde mais felizmente ainda a tempo: entre os minutos 68 e 70 Fernando Santos fez sair Bruno Fernandes, Bernardo Silva e Guedes, mandando entrar João Mário, Quaresma e André Silva. Portugal melhorou. Mas apenas Ronaldo fez a diferença. Foi ele - uma vez mais - a inventar um golo. O nosso terceiro, o do empate com Espanha, ao cavar um livre aos 88', exemplarmente marcado com o seu monumental pé-canhão.
Empate precioso, resultado lisonjeiro para as nossas cores, mas que premeia o desempenho do melhor jogador do mundo: 151 internacionalizações, 84 golos marcados com a camisola das quinas, maior marcador europeu de todos os tempos, único a marcar três a Espanha numa fase final de uma grande competição do futebol.
É ele, é ele - e mais ninguém.
Não festejo empates. Mas reconheço que não é nada mau empatar com Espanha na abertura de um Mundial.
Agora já podemos enfrentar com maior tranquilidade o jogo contra Marrocos, em Moscovo, na próxima quarta-feira.
Marcelo Rebelo de Sousa prometeu que vai assistir in loco. Acredito que nos servirá de talismã.
O melhor - Cristiano Ronaldo. Marcou três golos: um de penálti, outro de bola corrida, outro de livre directo. E foi ele a sofrer as faltas que deram origem à grande penalidade e ao livre. Iguala Pelé, Seeler e Klose a marcar em quatro Mundiais. Impressionante.
O pior - Gonçalo Guedes. Fernando Santos apostou nele, em vez de André Silva, na posição mais avançada. Aposta falhada: o ex-benfiquista desperdiçou um golo cantado, a passe de CR7, aos 22', e falhou a marcação a Busquets na assistência para o segundo golo espanhol. Para esquecer.
Gostei muito do aplauso tributado nas bancadas de Alvalade ao grande Iniesta - bicampeão mundial e um dos melhores futebolistas que vi jogar desde sempre - no momento em que foi substituído. São instantes como este, em que mesmo a perder somos capazes de prestar tributo ao talento alheio, que me enchem ainda mais de orgulho por ser sportinguista.
Não gostei nada da sonora vaia de vários adeptos ao hino da Liga dos Campeões. Esta reacção quase pavloviana aos acordes musicais que confirmam o estádio José Alvalade como um dos palcos da prova máxima do futebol mundial continua a ser para mim incompreensível. Assobiamos o hino, mas guardamos o cheque: não é atitude à Sporting.
«Uma das maiores injustiças da comunicação social no que diz respeito aos jogadores de futebol é não mencionarem Iniesta com um dos cinco melhores jogadores do mundo. Quem gosta de futebol deve segui-lo. Uma visão panorâmica do campo, uma técnica apuradíssima. Já o vi dar um golo a marcar depois de passar por dois ou três adversários sem tocar na bola, apenas com fintas de corpo.»
As individualidades fazem a diferença no futebol, desporto colectivo? Claro que sim. Uma vez mais isto se confirmou esta tarde em Toulouse, no jogo Espanha-República Checa, a contar para o Grupo D do Campeonato da Europa. Os espanhóis venceram tangencialmente, num desafio em que foram os únicos a procurar a vitória. Mas de nada serviria à Roja a superioridade técnica e táctica se não dispusesse de um jogador de excepção, que persiste em exibir o seu talento depois de já ter conquistado tudo no mundo do futebol: Andrés Iniesta. Foi dele a soberba assistência, aos 87', para o solitário golo de Piqué que desfez enfim o nó atado pelos checos, com 11 jogadores atrás da linha de bola - numa vergonhosa réplica daquilo que dois terços das equipas portuguesas costumam fazer no nosso campeonato quando enfrentam os chamados clubes grandes.
Quem acompanhasse o jogo com atenção, como sucedeu comigo, percebia que o golo espanhol poderia tardar mas não falharia. No entanto seria necessário um laborioso trabalho de paciência para trocar a bola frente à grande área checa, enleando a equipa adversária entrincheirada no seu reduto, onde até o astro Rosicky exercia missão defensiva. Precisão, acutilância e nervos de aço - algo que apenas a maturidade confere, algo só ao nível de Iniesta, Bola de Ouro 2012, campeão mundial e bicampeão europeu.
Continua a ser um prazer vê-lo jogar. No lance decisivo, quando outros já pareciam descrentes, ele fez a diferença. Porque acreditou e trabalhou em função dessa crença, vital no desporto de alta competição. Soube temporizar, soube dominar a bola com notável requinte técnico, soube colocá-la com precisão milimétrica ao alcance de Piqué, seu colega de equipa.
Quem sabe não esquece. E nesta selecção espanhola, inferior à que nos deslumbrou em 2008, 2010 e 2012, são ainda os veteranos a marcar o ritmo e a cadência - como os dois jogadores do Barcelona já mencionados, David Silva e Sergio Ramos.
Em equipa que ganha não se mexe. No Euro 2016 esta promete manter-se inalterável.
Ao contrário do que alguns imaginam, o futebol não é só feito de esquemas tácticos, jogadas a régua e esquadro, losangos, bolas paradas e "transições ofensivas". O futebol é sobretudo uma fascinante soma de momentos mágicos que perduram na memória colectiva, ampliam a nossa crença nas potencialidades da espécie humana e demonstram onde é possível chegar quando talento e esforço se conjugam. Momentos como o que ontem testemunhámos ao minuto 36 do Austrália-Espanha: bem servido por Iniesta, David Villa marca um extraordinário golo de calcanhar. O seu 59º golo pela Roja. E também o último: minutos depois, aos 56', o maior marcador da história da selecção espanhola, goleador máximo do Campeonato da Europa de 2008 e do Campeonato do Mundo de 2010, saía de campo sob um coro de merecidos aplausos. Espanha, prematuramente afastada do Mundial do Brasil, já não tinha nada a ganhar excepto aquele desafio que só contava para cumprir calendário. Mas Villa bateu-se em campo, neste último jogo, como se fosse o primeiro da sua exemplar carreira. Porque queria abandonar a selecção de cabeça levantada.
Era ele que ali estava - mas era mais do que ele, como o homem do leme do poema de Fernando Pessoa: era já também o mito. Um mito vivo, feito de carne e osso. E também de lágrimas, que não conseguiu reprimir ao sentar-se no banco de suplentes. Quem disse que um herói não chora?
Não sei se pensam como eu: gosto de ver uma equipa cair de pé. Sem vitórias morais, sem desculpas de mau pagador, sem o espírito queixinhas de quem se justifica com as condições climatéricas adversas para procurar fugir às responsabilidades.
No futebol há vitórias e derrotas. E por vezes ganha-se perdendo ou perde-se triunfando. Aconteceu ontem com Espanha: derrotou a combativa mas frágil selecção australiana mas esta vitória soube a desaire pois não tardou a embarcar de regresso a casa: foi uma das três primeiras a fazer as malas, juntamente com a Inglaterra e a Bósnia-Herzegovina.
Ficou a sensação de que havia potencial para fazer muito mais e melhor. Se Vicente del Bosque tivesse a ousadia, logo na partida inicial, de apostar naqueles que eram mesmo os melhores em vez de os remeter ao banco. Jogadores como Villa, que só ontem alinhou. Ou Koke e Juanfran, seus colegas do Atlético de Madrid, por acaso ou talvez não a equipa campeã de Espanha mas totalmente subalternizada a nível de selecção. Todos eles fizeram ontem a diferença, tal como o eterno Iniesta, autor de duas assistências para golo: ele é também daqueles que podem cair, mas sempre cairão de pé.
Andavam alguns à procura de uma estrela neste Campeonato do Mundo. Seria Messi? Seria Cristiano Ronaldo? Parece-me que a estrela está encontrada e joga em casa: chama-se Neymar. Faz a diferença - e de que maneira - pela selecção anfitriã, como ontem se confirmou ao marcar mais dois golos para o Brasil (só à sua conta já vão quatro) e qualificar o "escrete canarinho" para os oitavos-de-final.
É certo que os comandados por Scolari enfrentavam talvez a pior selecção deste Mundial: os Camarões, turma indisciplinada e rebelde, que aplica a rebeldia justamente onde não deve. O árbitro sueco poupou-lhes uma expulsão, por conduta antidesportiva em relação a Neymar. Fez mal: os camaroneses teriam beneficiado do ponto de vista pedagógico se vissem o merecido cartão vermelho na mão do juiz da partida, que talvez para compensar ignorou um aparente fora-de-jogo de Fred no lance em que finalmente marcou um golito.
Mas nem ele nem Hulk nem Óscar nem David Luiz nem qualquer outro merecem destaque. Desta selecção apetece dizer - adaptando a involuntária boutade de que se usou e abusou no período pré-Mundial relativamente a Cristiano Ronaldo - que é Neymar mais dez. Uma selecção em que o colectivo funciona muito menos do que na Holanda de Robben ou no México de Ochoa - duas selecções também já qualificadas para os oitavos-de-final.
O futebol, não esqueçamos, é desporto colectivo: o Brasil que se cuide.
A imagem de Xavi Hernández, sentado no banco de suplentes durante todo o jogo, era bem sintomática do fim de ciclo a que acabámos de assistir em directo: o melhor intérprete do tiki-taka espanhol assistia, impotente, ao naufrágio da equipa campeã mundial e bicampeã europeia. Uma equipa de que ele foi um dos intérpretes de excelência mas que a partir de hoje pertence ao passado.
A intrépida Roja que maravilhou o mundo com o seu futebol de alta voltagem e qualidade indiscutível não chegou sequer a comparecer no Mundial do Brasil. Após a copiosa derrota frente aos holandeses (1-5), os homens comandados por Vicente del Bosque voltaram a baquear (0-2), desta vez frente ao Chile. O seleccionador não teve coragem de operar a mudança radical que se impunha: o próprio Casillas, reduzido a uma caricatura de si próprio, manteve o lugar cativo na baliza espanhola.
Fica a lição para Paulo Bento: Portugal só superará o próximo obstáculo, contra os Estados Unidos, se o nosso onze titular foi substancialmente diferente daquele que sofreu quatro golos sem resposta frente à selecção alemã.
No jogo de hoje, disputado no mítico Maracanã, o Chile foi sempre uma equipa mais compacta e bem organizada, capaz de travar a fúria espanhola, que aliás mal compareceu em campo. Os dois golos da vitória chilena surgiram cedo, ainda na primeira parte. Mas nem assim Del Bosque foi capaz de apostar decisivamente no ataque, limitando-se a trocar jogadores para as mesmas posições à medida que o cansaço físico ia tornando cada vez mais ineficaz o processo ofensivo da selecção que ainda conserva o título de campeã do mundo.
Também neste aspecto o Chile-Espanha deve servir de lição para Paulo Bento: não basta mudar jogadores - é preciso alterar o sistema táctico. Porque Portugal não precisa apenas de vencer no próximo domingo. Precisamos de marcar vários golos, que nos poderão ser preciosos como critério de desempate.
Do inapelável naufrágio da equipa espanhola, que jogou sempre desligada e com um incompreensível desenho táctico, praticamente só se salvou o melhor dos seus artistas: o incomparável Iniesta. Teimando em remar contra a maré do princípio ao fim, o médio do Barcelona procurou incutir inspiração e ânimo aos seus colegas. Foi dele até, aos 84', o remate mais perigoso à baliza do excelente guardião chileno, Bravo.
Mas esteve sempre desacompanhado: ninguém lhe seguiu as pisadas. No final do encontro, consumado o prematuro afastamento da selecção espanhola deste Campeonato do Mundo, Iniesta abandonou o campo de lágrimas nos olhos. Como Eusébio após a meia-final perdida contra a Inglaterra no Mundial de 1966.
Os gigantes são assim: caem de pé. Destroçados mas não vencidos, como o pescador Santiago d' O Velho e o Mar, de Hemingway. Merecem a nossa admiração também por isso.
« Sinto-me ofendido por Pepe e dói-me que ele diga isto ( que simulei ), pois nem eu nem os meus colegas fazemos teatro ».
- Andrés Iniesta -
Observação: É um excelente jogador, indubitavelmente, mas deve limitar a sua esfera de actividade às quatro linhas, já que é evidente que o oratório público não é o seu forte. O Barcelona, além dos enormes talentos ao seu dispor, tem o maior leque de «artistas de teatro» jamais vistos numa só equipa de futebol. Esta do Iniesta, obedece à velha matreira tática: quando acusado, acusa o acusador. Apesar da sua grandiosidade, é uma equipa que pelo seu estilo de jogo exige, e tem, aliás, o constante benefício da dúvida pelas arbitragens, já para não dizer protecção, tanto na Espanha como na Europa . Ao que «fair-play» concerne, a começar com Daniel Alves, a passar por Alexis Sanchez e a acabar em Pedro, com Messi pelo meio a mudar a posição da bola três ou quatro vezes, pela marcação de qualquer livre, é um conceito que não existe no Barça. Por algum motivo, sempre que uma falta é assinalada, os jogadores da equipa da Catalunha fazem reunião em torno do árbitro.
Não deixa de ser curioso que Jim Boyce, vice-presidente da FIFA, venha a público denunciar as constantes simulações de Luis Suárez do Liverpool, quando nunca se ouviu um semelhante reparo em relação aos jogadores do Barça.
É mais parecido com uma pessoa afeiçoada aos livros do que um dos melhores médios do mundo. É um génio criativo a conduzir a orquestra mais afinada da actualidade e a sua extraordinária leitura de jogo e invulgar «finesse» na execução de passes para os «tubarões» à espreita da baliza, permite à Espanha jogar o estilo de jogo que adora e que muitos resultados tem produzido. Aos 28 anos, e no topo do seu jogo, os destinos da selecção espanhola dependerão muito do sucesso da sua campanha.
Será este Euro 2012 finalmente o seu momento de glória?... Com o seu enorme talento, tem a capacidade para elevar o jogo a um nível que permitirá à selecção sueca o muito desejado sucesso, mas a dúvida, como sempre, reside com a imprevisibilidade da sua «performance». Há justa razão para o apelidar «Ibracadabra», porque quando ele quer, o seu jogo é mágico. Tem tudo para um ponta-de-lança: altura, finesse, força, técnica apurada, poder de remate com os pés e com a cabeça. Ibrahimovic cria espaços e golos, mas o seu eterno problema é a falta de regularidade no palco mundial, neste caso da Europa. Ele está presentemente no topo do seu jogo e é muito possível que este seja o seu momento para brilhar, como nunca.
Tudo indica que Joe Hart vai ser o guarda-redes titular inglês. Por muito bom que seja, é de esperar algumas dificuldades pela incerteza da equipa à sua frente. Há dois anos na África do Sul foi Robert Green que teve um enorme lapso perante os E.U.A. e, posteriormente, David James, já no fim de carreira. A Adidas, como é seu costume, vai estrear uma bola nova «Tango 12» e tanto o guardião inglês, como o nosso Rui Patrício e todos os outros, esperam que resulte melhor do que a infame «Jabulani» utilizada no Mundial 2010, detestada pela sua imprevisibilidade.
{ Blogue fundado em 2012. }
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.