Ecos do Europeu (23)
A Inglaterra, no futebol, sofre um trauma profundo: não ganha nenhum título a nível de selecção principal desde 1966 - o Mundial do nosso descontentamento, em que estivemos muito perto de atingir a final mas tombámos no confronto decisivo frente aos ingleses, anfitriões nessa prova.
Cinquenta e oito anos de jejum é muito tempo. A culpa não é dele, mas as críticas ao seleccionador inglês, Gareth Southgate, são constantes. Muitos ainda lhe cobram o facto de não ter concretizado um penálti no desempate contra a Alemanha na meia-final do Europeu de 1996 - já depois da chamada «geração de ouro» portuguesa ter caído nos quartos-de-final frente à República Checa.
Ficou-lhe daí a fama de pé frio. Acentuada há três anos, quando a Inglaterra perdeu a final, também nos penáltis, contra a Itália - no Euro "covid", realizado em 2021 com Cristiano Ronaldo a sagrar-se rei dos marcadores e autor de um dos mais belos golos do torneio. Logo houve gritos contra Southgate, exigindo a sua destituição. Como fosse dele a culpa por três jogadores (Rashford, Sancho e Saka) terem sido incapazes de converter os respectivos pontapés de penálti.
Este ano as críticas redobraram. Desta vez contra o excessivo calculismo e "resultadismo" (à Fernando Santos) da selecção inglesa, protagonizando um futebol pastososo e lento, nada espectacular. Nos três primeiros jogos só conseguiram marcar dois golos - Bellingham contra a Sérvia, Harry Kane contra a Dinamarca. O Eslovénia-Inglaterra terminou 0-0: deu vontade de dormir.
Contra a Eslováquia, Kane resolveu no prolongamento: vitória inglesa por 2-1. Nos quartos, exibição inferior frente à Suíça, mas sorte nos penáltis que decidiram o apuramento para a meia-final após 1-1 ao fim de duas horas (Saka empatou aos 80', cinco minutos após Embolo ter facturado pela Suíça). Foi apenas a segunda vez, na história dos campeonatos europeus, em que três partidas dos quartos-de-final se decidiram após os 90 minutos regulamentares.
Chegou-se enfim ao confronto com a Holanda em Dortmund. Quarta-feira, 10 de Julho. Quando já se sabia que Espanha será finalista deste Euro 2024. Quando já abundavam adeptos ingleses a clamar de novo contra o pé frio Southgate.
Aos 7', os holandeses adiantaram-se com um golaço de Simons: recuperou e disparou com força a mais de 30 metros: a bola rumou, imparável, ao fundo das redes. Um dos grandes golos do torneio.
Ao contrário dos restantes, em que as defesas se impuseram, este foi um jogo mais aberto, dando primazia aos ataques, ao ritmo de parada-e-resposta. Neste contexto, a experiência de Kane revelou-se fundamental: aos 14' foi carregado em falta numa incursão na grande área. Houve demora no vídeo-árbitro, mas quatro minutos depois lá foi assinalado o penálti, que o já veterano avançado inglês converteu com a frieza habitual.
Foden esteve prestes a aumentar a vantagem aos 23'. O desafio prosseguiu a ritmo intenso, nada bocejante. Aos 30', Dumfries, numa grande impulsão, cabeceou à trave: o 2-1 favorável aos holandeses esteve à vista. Dois minutos depois, Foden - novamente em evidência - voltou a brilhar num tiro ao poste. A defesa holandesa, marcando à zona, desguarnecia o centro, facilitando a vida ao dinâmico tridente ofensivo adversário.
O empate 1-1 ao intervalo sabia a pouco. Europeu com poucos golos, este.
Ambas as equipas regressaram algo apáticas ao relvado. Mas a pressão do relógio impôs-se: Simons quase marcou o segundo, aos 78', num remate picado. Pickford, com bons reflexos, impediu o golo.
No minuto seguinte, Saka meteu-a lá dentro, com assistência de Foden. Foi rebate falso: havia fora-de-jogo.
Aos 80', espanto geral: Foden e Kaen recebem ordem para sair. Deram lugar a Palmer e Watkins. E foram estes, precisamente, a construir o golo do triunfo. No minuto 90, quando já quase todos anteviam o prolongamento. O avançado do Aston Villa recebeu-a de costas e desferiu um remate cruzado, lateral, de ângulo quase impossível: a bola encaminhou-se para o poste mais avançado, passando entre as pernas de Stefan de Vrij.
Já não havia tempo para os holandeses reagirem: a Inglaterra chegou à segunda final consecutiva. Defronta Espanha, indiscutível favorita, amanhã à noite. Southgate mantém a fama de pé frio. A verdade, porém, é que a selecção inglesa perdeu apenas um dos últimos vinte jogos oficiais em que participou.
Inglaterra, 1 - Suíça, 1 (5-3 nos penáltis)
Holanda, 1 - Inglaterra, 2