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És a nossa Fé!

1 de Julho de 1906

Obrigado aos 19 fundadores do nosso Sporting Clube de Portugal e, em especial, a Henrique de Almeida Leite Jr. (membro da primeira direção do clube, ao lado de Alfredo das Neves Holtreman, José Alvalade, Frederico Gomes Ferreira e José Gavazzo) por estes 116 anos maravilhosos.

O futuro é nosso, viva o Sporting!

Financiamento da criação do Sporting Clube de Portugal

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Imagem: página 22 da edição n.º 3773 do Jornal Sporting 

Anteontem, a carta de José Alvalade a Francisco Gavazzo, hoje, o texto de Luís Augusto Costa Dias que acompanhou a publicação da carta no Jornal Sporting e que esclarece alguns dos contornos da fundação do Clube mais imponente de Portugal. Concretamente, os do financiamento da edificação.

«Para o dia 14 de Abril de 1906 estava marcada uma reunião da maioria dos sócios do Campo Grande Foot-ball Club, incluindo os membros da sua direcção, os chamados dissidentes para a formação de um novo clube desportivo que viria a ser o Sporting Clube de Portugal. O jovem José Alvalade tinha assumido a liderança dessa dissidência, pedindo ao avô, visconde de Alvalade, que permitisse realizar esse encontro que veio efectivamente a ocorrer na sua quinta do Lumiar. Porém, pressionados pela efectivação dessa reunião, os restantes sócios do clube do Campo Grande procuraram antecipar-se e exigiram a realização de uma 'assembleia geral' para o dia anterior de modo a eleger uma nova direcção e evitar o esvaziamento do clube. Em resposta ao clima de argumentos e atitudes violentas, José Alvalade declarou demitir-se do cargo de tesoureiro e abandonar aquele clube, no que foi seguido pelo presidente da direcção, Fernando Barbosa, e por José Maria Gavazzo, em representação do seu irmão Francisco que era o secretário e estava então ausente em Paris e, com estes, pronunciou-se uma dezena de sócios. Embora não existam quaisquer fontes que o provem, para além de vagas memórias posteriores, diz a lenda que José Alvalade, ao abandonar aquela reunião, teria afirmado que ia ter com o avô para fundar um novo clube. Daí, nasceu outra lenda, a de que o visconde de Alvalade terá concedido os recursos para a criação da nova associação desportiva e financiado o recinto desportivo da Alameda, construído entre Junho de 1906 e o mesmo mês de 1907. Os documentos que sobreviveram - um conjunto de cartas trocadas com Francisco Gavazzo e reveladas por este quase 50 anos depois - provam um outro cenário.

É verdadeiro o entusiasmo do visconde de Alvalade no apoio à ideia do neto em fundar um clube que fosse "grande entre os grandes" e semelhante aos clubes estrangeiros". Para isso, dispôs-se logo a atribuir terreno no topo norte da Quinta de Alvalade, mas para a sua transformação num recinto desportivo, com campos para várias modalidades e edifício-sede, era necessário o elevadíssimo investimento de 500 mil réis. Porém, o visconde limitou-se quase só a adiantar verbas iniciais, pois os cerca de 30 sócios que fundaram o Sporting CP suportaram o orçamento ao longo de um ano, antes de mais o próprio José Alvalade. Na verdade, segundo este afirmou a Francisco Gavazzo, avançou por sua conta com um empréstimo de 200 mil réis, em Outubro de 1906, ao atingir a maioridade, referindo ainda que o clube retirava da sua própria tesouraria o dinheiro "das jółas [e] das quotas antecipadas" pagas pelos primeiros sócios, só os dez fundadores extraordinários, com poderes especiais de decisão ao tempo da fundação do Sporting Clube de Portugal, tinham subscrito uma jóia inicial no valor de 10 mil réis cada um, perfazendo, portanto, um montante próximo de 100 mil réis. Finalmente, as quotas dos cerca de 30 sócios renderam 15 mil réis por més, portanto 180 mil ao longo de um ano, entre o começo das obras e a inauguração das instalações. Com este esforço e dedicação dos próprios associados, os adiantamentos do visconde de Alvalade, ou maior parte deles foram ressarcidos e os custos com a criação do primeiro recinto polidesportivo em Portugal foram suportados por esse grupo de rapazes, cujas ideias convergem todas para o mesmo fim: a fundação e o desenvolvimento do Clube.»

"É uma conversa entre rapazes, cujas ideias convergem todas para o mesmo fim: a fundação e o desenvolvimento do Clube"

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Imagem: WikiSporting

 

Uma carta de José Alvalade a Francisco Gavazzo (1)

 

Lisboa, [finais de] Maio de 1906

 

Queridíssimo Chico,

 

Não te respondi logo à tua carta porque não estava tudo bem combinado acerca do novo Clube e eu queria dar-te já uma ideia bastante aproximada. Posso agora satisfazer a tua curiosidade e juntar a planta das instalações que, segundo meus cálculos, devem estar concluídas em Abril do próximo ano. Não é muito cedo, mas diz o ditado "Petit à petit, l’oiseau fait son nid” (2).

Como hás-de ver pela planta, a nossa ideia parece um tanto arrojada, mas com trabalho e alguns sacrifícios é perfeitamente realizável.

Para isso começaremos pelo terreno que é o que fica por trás das casas pequenas que o avô tem depois do Chafariz (3). Esse terreno, depois de perfeito nivelamento, fica uma beleza. Foi o mais difícil de arranjar (4).

Mas parecem-me estar completamente removidas as várias dificuldades que tínhamos. Como sabes perfeitamente, parte desse terreno pertence à Sra. D. Beatriz (5), a qual amontoou dificuldades para o arrendar. E como nós o que queríamos era um arrendamento por cinco anos para dar margem a nele podermos fazer o que [se] quisesse sem medo, as dificuldades foram ainda maiores. Mas o nosso Anjo Bom, que tem sido o nosso presidente e meu Avô, prestou-se a dar todas as garantias e a remover todas as dificuldades, alugando ele próprio o terreno, fazendo o arrendamento e cedendo por uma pequeníssima quantia (relativamente) os terrenos dele (6). A D. Beatriz aceitou o arrendamento por cinco anos e o contrato deve ficar feito em breve. Portanto, já temos terreno, e grande, por sinal.

Agora, falta-nos o dinheiro para pôr em prática os nossos projectos. Para isso era preciso alguns sacrifícios. De modo que cada sócio fundador paga o que quiser de jóia (nunca inferior a 2$500) e 1$000 réis de cota por mês durante o primeiro ano. Depois passará a 500 réis, como todos. Com o empréstimo de 200$000 que eu, em Outubro (7), faço ao Clube, temos o dinheiro necessário para tudo. Fica sabendo que o dinheiro necessário monta a soma de 500$000 réis, o que é imponente. A distribuição dos trabalhos é: primeiro, o campo de futebol; segundo, a sede com casa de banho, etc., etc. (todas as comodidades), depois e finalmente, o ténis que há-de ficar dos melhores de Lisboa.

Mando-te ainda a lista dos sócios fundadores. Os que levam o risco encarnado são os que ainda não estão certos. Devo prevenir-te que estes sócios fundadores são os únicos a terem direitos grandes no Clube e os únicos a tratarem da sua administração (8). Que diferença entre o nosso futuro Clube e o deles. (9) Temos como presidente uma pessoa que se interessa verdadeiramente por ele e que pode realmente ajudar-nos como é o Avô. Elegeram-me vice-presidente, mas não sou mais que um autómato. Tenho sido e quero sê-lo. O Avô é quem manda e aconselha e quem me guia (10). Eu, como ele não preside as sessões por causa de gostar de se deitar cedo, faço as vezes dele. As nossas sessões têm sido um céu aberto. Nem um único barulho. Quando não há opiniões iguais vamos pela maioria e pronto. Nada de barulho, nada de chinfrim. Não nos tratamos por V. Ex não há nada disso.

É uma conversa entre rapazes, cujas ideias convergem todas para o mesmo fim: a fundação e o desenvolvimento do Clube.

O nosso Clube ainda não tem nome, o que eu te pus na planta não sei se será o que fica (11). Já me lembrei de lhe pôr: ”Grande Sporting Clube de Portugal”, que era todo chic. Vamos ver o que se faz. Por estes dias há sessão. O Avô faz a sala. Deve estar pronta em Dezembro. Tenho estado continuamente a trabalhar nos planos, nos orçamentos, em todo o movimento do Clube. Estou animadíssimo, não calculas. Quando se alugou o terreno dei pulos de contente (12). No primeiro ano não fazemos festas. No segundo vamos ver se compramos uma taça para ser disputada entre todos os clubes no nosso campo. Uma doidice… […]

 

A respeito do Clube, mais nada até à primeira semana…

 

Muitos abraços do teu muito e muito amigo

 

José

(Vice-Presidente do clube mais imponente de Portugal)

 

1 – Publicada pela primeira vez em Record, n.º 104 (17 de Nov, 1950), p.6 e 9.

2 – Semelhante ao ditado português ”grão a grão enche a galinha o papo”

3 – O Chafariz das Mouras, situado à entrada da Quinta de Alvalade, permite localizar com precisão onde foi construído o primeiro recinto desportivo do Sporting CP.

4 – Tratava-se da parte mais extensa e menos acidentada do terreno onde ficaram dois courts de ténis, o campo de futebol e o edifício sede.

5 – Beatriz Potche, proprietária da chamada Quinta do Poche, arrendou ao visconde de Alvalade uma faixa de terreno que compensasse a cedência dos terrenos para o recinto do Sporting CP.

6 – Em troca de terrenos ocupados pelo recinto desportivo do Sporting, a norte da Quinta de Alvalade, o visconde arrendou a sul uma parcela da Quinda do Poche.

7 – José Alvalade atingiu a maioridade a 10 de Outubro de 1906, ficando então na plena posse das propriedades e rendimentos herdados por morte da mãe, Josefina Holtreman Roquette, em 1892.

8 – Em reunião no dia 8 de Maio, altura em que os associados do novo clube ultrapassaram o número de 20, foi decidido delegar num grupo de 10 sócios fundadores principais as decisões de administração a tomar nas reuniões seguintes. Esses dez fundadores eram José Alvalade, José Maria Gavazzo, Frederico Seguro Ferreira, Visconde de Alvalade, Fernando Barbosa, José Stromp, Henrique Leite, João H. Scarlett, Eduardo Quintela de Mendonça e Afonso Botelho.

9 – Refere-se a “o deles” como sendo o Campo Grande Foot-ball Club, onde permaneceu a maioria dos membros não “dissidentes”

10 – Não pode deixar-se de ler esse passo como manifestação de modéstia, pois sabemos pelas cartas então trocadas que José Alvalade desempenhava de facto funções de tesouraria e secretariado, ao mesmo tempo que as de vice-presidente para que fora eleito e as de presidente nas reuniões da comissão de principais fundadores, pelo menos no período entre 1906 e 1910, portanto até à eleição da segunda gerência do Clube.

11 – O nome que chegou a ser adoptado (ou aventado) provisoriamente era Campo Grande Sporting Club, que acabou mesmo por ser alterado a 9 de Junho de 1906, para Sporting Clube de Portugal.

12 – Refere-se à “courela de Entre-Águas” alugada a Beatriz Potsch, mais tarde comprada pelo Visconde de Alvalade ao genro da proprietária.

Fonte: Jornal Sporting, Edição n.º 3773, p.22

Que o entusiasmo de um dos mais importantes fundadores do Sporting Clube de Portugal, nos alegre o fim-de-semana.

{ Blogue fundado em 2012. }

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