Apesar de estarmos na final do Europeu, alguns ainda suspiram pelo "futebol de qualidade" que esta selecção não revela. Gostaria que me dissessem quem apontam como modelo. A Inglaterra, que empatou com a medíocre Rússia e foi afastada pela Islândia? A França que ganhou à tangente à Roménia levada ao colo pelo árbitro que lhe perdoou um penálti no desafio inaugural? A Espanha derrotada pela Croácia que nós mandámos para casa? Itália e Alemanha, encalhadas no meio-campo, que no desempate por grandes penalidades tiveram de marcar dezoito, tantas foram as que falharam?
Os juízos valorativos, para terem validade, exigem sempre comparações. Era melhor a selecção portuguesa do Europeu de 2012, que tinha no sector mais avançado Varela, Hugo Almeida e Nelson Oliveira?
Relembro a minha análise do quinto jogo da selecção portuguesa no Euro 2012, realizado em Donetsk (Ucrânia), frente à Espanha, campeã europeia em 2008 e mundial em 2010, em desafio das meias-finais da competição. Uma partida só resolvida, após prolongamento, através de pontapés da marca de grande penalidade. Ficávamos assim pelo caminho mas saíamos de cabeça erguida, figurando entre as quatro melhores selecções europeias, numa competição que voltaria a ser ganha pelos espanhóis.
Cento e vinte minutos de jogo não bastaram para haver golos: o empate a zero prevaleceu. Nos penáltis, saímos derrotados por 2-4. Fez ontem quatro anos.
Jogadores
Rui Patrício: atento.
João Pereira: voluntarioso.
Bruno Alves: duro.
Pepe: intransponível.
Fábio Coentrão: perigoso.
Miguel Veloso: eficaz.
Raul Meireles: pressionante.
João Moutinho: influente.
Nani: talentoso.
Cristiano Ronaldo: perdulário.
Hugo Almeida: apagado.
Nélson Oliveira: inócuo.
Custódio: disciplinado.
Varela: tardio.
O melhor: João Moutinho.
Conclusão
«Pela quarta vez, Portugal atingiu as meias-finais de um Campeonato da Europa. E pela terceira vez ficamos pelo caminho. Mas desta vez com uma satisfação suplementar em comparação com o que ocorreu em 1984 e 2000: não fomos derrotados em campo, apenas a lotaria dos penáltis nos impediu de ir à final em Kiev.»
Notas adicionais
«A selecção tem um problema de raiz, por ausência de um ponta-de-lança clássico. Curiosamente, os espanhóis qualificaram-se para a final também sem um jogador nessa posição enquanto titular.»
«Nelson Oliveira não devia ter entrado. Está demasiado "verde" (sem ironia...) para o efeito. Não por acaso, Jorge Jesus nunca o colocou a titular ao longo do campeonato, onde - salvo erro - entrou apenas em três jogos incompletos.»
«Gostei muito da prestação da equipa portuguesa neste Euro 2012 desde logo por ter sabido fazer das fraquezas forças, contrariando todos os comentadores encartados. Nenhum deles - sublinho: nenhum - anteviu que a selecção fosse tão longe.»
Relembro a minha análise do quarto jogo da selecção portuguesa no Euro 2012, realizado em Varsóvia, frente à República Checa, já nos quartos-de-final da competição. Uma partida bem disputada, em que dominámos e saímos como justos vencedores.
Cristiano Ronaldo esteve novamente em foco, apontando o golo solitário da nossa vitória, que Petr Cech não conseguiu travar. Fez anteontem quatro anos.
Jogadores
Rui Patrício: seguro.
João Pereira: resistente.
Bruno Alves: sólido.
Pepe: intransponível.
Fábio Coentrão: veloz.
Miguel Veloso: discreto.
Raul Meireles: eficaz.
João Moutinho: incansável.
Nani: influente.
Cristiano Ronaldo: combativo.
Helder Postiga: lesionado.
Hugo Almeida: cumpridor.
Custódio: disciplinado.
Rolando: nada a dizer.
O melhor: Cristiano Ronaldo.
Conclusão
«Os checos, apesar de terem descansado mais 24 horas dos que os portugueses, mostraram condição física muito inferior. E nunca revelaram soluções tácticas para romper a muralha defensiva portuguesa. À medida que a selecção de Paulo Bento ia progredindo no terreno, tornava-se evidente qual era a selecção que passaria às meias-finais. Só faltava afinar a pontaria à frente: Cristiano Ronaldo, repetindo o que já sucedera contra a Holanda, voltou a rematar duas vezes ao poste.»
Notas adicionais
«Foi claríssimo o domínio da selecção portuguesa. A segunda metade do jogo resume-se praticamente a isto: Portugal a construir jogadas de ataque e os checos a procurar evitar o golo. Evidente superioridade portuguesa, que peca apenas por não se traduzir em mais golos.»
«Esta selecção tem vindo a demonstrar que, em termos colectivos, é uma das nossas melhores de sempre.»
«Hugo Almeida é muito superior a Nélson Oliveira, único jogador a quem o comentador Rui Santos tem dispensado rasgados elogios. Paulo Bento fez bem em não lhe dar ouvidos, deixando-o desta vez no banco.»
Relembro a minha análise do terceiro jogo da selecção portuguesa no Euro 2012, realizado em Carcóvia (Ucrânia), frente à Holanda. Uma partida que precisávamos de vencer, após a derrota inicial contra a Alemanha e a vitória sofrida frente à Dinamarca.
E assim aconteceu: batemos os holandeses por 2-1, com Cristiano Ronaldo a bisar. Fez no dia 17 quatro anos.
Jogadores
Rui Patrício: seguro.
João Pereira: determinado.
Bruno Alves: sólido.
Pepe: intransponível.
Fábio Coentrão: veloz.
Miguel Veloso: concentrado.
Raul Meireles: irregular.
João Moutinho: influente.
Nani: incansável.
Cristiano Ronaldo: excelente.
Helder Postiga: perdulário.
Nélson Oliveira: ineficaz.
Custódio: contido.
Rolando: útil.
O melhor: Cristiano Ronaldo.
Conclusão
«É uma péssima noite para os Velhos do Restelo, que já salivavam na perspectiva de um afastamento da selecção portuguesa do Europeu. Para azar deles, Portugal segue em frente. Com uma merecida vitória sobre a Holanda, equipa que é vice-campeã mundial mas que nada fez na Ucrânia para confirmar este estatuto..»
Notas adicionais
«Portugal qualifica-se para a fase seguinte quando todos os críticos disseram inicialmente que este era o grupo mais difícil - o 'grupo da morte'. Vencemos duas equipas desse grupo e fomos derrotados pela margem mínima pela terceira. Balanço muito positivo, pois.»
«Maturidade táctica, espírito de corpo, responsabilidade colectiva, clara superioridade no confronto individual. Foi um jogo emotivo, bem disputado, aberto.»
«Além do jogo, dá-me muito gozo ver depois a cara de enterro de certos comentadores. Um, em particular, não consegue esconder a irritação com esta vitória. O que acaba por ser uma dupla vitória de Paulo Bento, Cristiano e todos os outros.»
Relembro a minha análise do segundo jogo da selecção portuguesa no Euro 2012, realizado em Lviv (Ucrânia), frente à Dinamarca. Uma partida que precisávamos de vencer, após a derrota inicial contra a Alemanha.
E assim aconteceu: batemos a equipa nórdica por 3-2, com golos de Pepe, Postiga e Varela. Fez anteontem quatro anos.
Jogadores
Rui Patrício: seguro.
João Pereira: oscilante.
Bruno Alves: eficaz.
Pepe: rematador.
Fábio Coentrão: contido.
Miguel Veloso: concentrado.
Raul Meireles: irregular.
João Moutinho: influente.
Nani: acutilante.
Cristiano Ronaldo: perdulário.
Postiga: dinâmico.
Nélson Oliveira: imaturo.
Varela: decisivo.
O melhor: Nani.
Conclusão
«Portugal foi superior. Não devido ao factor sorte, mas devido ao factor competência. Do ponto de vista táctico e do ponto de vista técnico. A selecção demonstrou grande maturidade, física e psicológica. Superou algumas debilidades reveladas no jogo contra a Alemanha com um notável esforço colectivo.»
Notas adicionais
«O jogo de hoje comprovou que Varela merece figurar no onze titular.»
«Varela a jogar de início forçaria Paulo Bento a alterar o esquema táctico. Daí a relutância do seleccionador português em efectuar essa alteração. Mas parece-me inegável que o Varela anda com fome de golo, como nenhum outro colega com a provável excepção do Nani.»
«No jogo contra a Holanda os golos poderão dar-nos muito jeito em caso de desempate no nosso grupo, onde as contas começam a tornar-se complicadas...»
«Quanto ao rapaz que anda a ser promovido nas manchetes dos jornais encarnados [N. Oliveira], não merece que gastemos mais espaço a falar dele. Nem é preciso, pois os tais jornais continuarão a encarregar-se disso.»
Relembro a minha análise do jogo inaugural da selecção portuguesa no Euro 2012, realizado em Lviv (Ucrânia), frente à Alemanha. Uma partida em que sofremos uma derrota tangencial, por 0-1. Fez ontem quatro anos.
Jogadores
Rui Patrício: atento.
João Pereira: receoso.
Bruno Alves: concentrado.
Pepe: eficaz.
Fábio Coentrão: perigoso.
Miguel Veloso: seguro.
Raul Meireles: fatigado.
João Moutinho: irregular.
Nani: inconformado.
Cristiano Ronaldo: recuado.
Postiga: ineficaz.
Nélson Oliveira: discreto.
Varela: nervoso.
O melhor: Nani.
Conclusão
«Um pouco mais de ousadia do onze nacional, que jogou quase sempre com grande disciplina táctica, teria bastado para dar a volta ao resultado num desafio em que a selecção nacional dispôs de oito cantos contra apenas um dos alemães.»
Notas adicionais
«Se Paulo Bento não mexer na equipa que perdeu contra a Alemanha, arrisca-se a uma nova derrota.»
«Por mim, apostaria em colocar Varela como titular no lugar de Postiga já no jogo contra a Dinamarca.»
«Se Paulo Bento for sensível à pressão mediática, inclui o Nélson Oliveira no onze inicial. Há muito que não via tantos jornais puxarem ao mesmo tempo por um jogador. Veremos se ele é permeável às pressões.»
«A finalização é o maior problema do onze nacional, como ficou de resto bem patente no Mundial da África do Sul, em que disputámos quatro jogos e não marcámos nenhum golo em três deles.»
«Já estou a torcer pela vitória de Portugal contra a Dinamarca. Está perfeitamente ao nosso alcance.»
Às vezes vale a pena revisitar caixas de comentários antigas. Aconteceu-me hoje com esta - uma das mais comentadas de sempre neste blogue - em que eu questionava a escolha de Nélson Oliveira no anúncio dos convocados do Euro 2012. Um certame em que o Sporting forneceu dois jogadores ao onze titular enquanto o Benfica não conseguiu nenhum.
«Já vi que as suas expectativas para o Euro são baixíssimas. Cá estaremos para voltar a falar à medida que os jogos forem sendo disputados», respondo a um dos comentadores. Quando faltava menos de um mês para o início da fase final do Campeonato da Europa, disputado na Polónia e na Ucrânia.
São pessoas de pouca fé, os adeptos desportivos portugueses. Pelo menos muitos dos que visitam as nossas caixas de comentários. Basta reparar no que comentaram na altura sobre Rui Patrício, João Pereira e Helder Postiga (e este vinha de uma fase de qualificação em que marcara cinco golos), sem anteverem que viriam a ter boas prestações no torneio, como eu já esperava.
É curioso reparar também como os benfiquistas que então defendiam fervorosamente Nélson Oliveira deixaram de falar dele, assobiando para o lado, depois de se ter confirmado, pela segunda época consecutiva, que não existe lugar para o rapaz na Luz.
Relidas à distância de 15 meses, e sabendo-se o que hoje se sabe, várias destas opiniões são dignas de provocar sorrisos. Os rasgados elogios benfiquistas ao desempenho de Artur na baliza encarnada, por exemplo.
Passo a transcrevê-las, com a devida vénia:
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«É verdade que vão [o Sporting] colocar dois jogadores no 11 da Selecção. É verdade que também por isso esta é considerada por muitos, nos quais me incluo, a pior Selecção dos últimos 12 anos.»
«Não trocava o Artur pelo Patrício.»
«As posições de lateral direito e guarda-redes são as pior servidas do 11 da nossa Selecção.»
«Como é que um jogador medíocre como João Pereira pode ser titular de uma selecção que aspira a vencer o Euro?»
«Não tenho dúvidas em afirmar que Nélson Oliveira é muito melhor jogador que Helder Postiga e Hugo Almeida, e que tem todas as condições para ser titular.»
«O Nélson Oliveira coxo joga mais que o Wolfswinkel dopado.»
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Palavras que falam por si. E que revelam muito do que são estas intermináveis discussões em torno do mágico mundo do futebol.
A Geração Academia. Portugal tinha no Euro 2012 dez jogadores formados pela Academia Sporting. Destes, cinco eram titulares e dois deles os melhores jogadores da equipa.
O caminho seguido ao longo das últimas décadas merece uma reflexão séria, tanto a nível interno como do futebol português.
O Sporting nos últimos vinte anos ganhou dois campeonatos e nesses dois anos, 2000 e 2002, a formação teve uma influência diminuta.
Formação
Em 2000
Jogadores titulares - Beto
No plantel - nenhum que jogasse um mínimo de 10 minutos
Em 2002
Jogadores titulares - Beto e Hugo Viana
No plantel (com alguma utilização) - Ricardo Quaresma
Como se pode comprovar, a formação leonina não foi sinónimo de conquista de campeonatos. Então porque existe uma aposta tão forte? O Sporting sempre foi, mesmo nos anos de "vacas gordas", um clube formador. Os adeptos leoninos identificam-se com esta prática. É uma questão de identidade. É esta a filosofia que todos os clubes deviam seguir. E somos muito bons a fazê-lo. Nos últimos dez anos, no entanto, o paradigma mudou. Durante anos o clube formou grandes jogadores, mas a equipa não estava dependente deles. Na última década, também devido à falta de liquidez financeira e a uma péssima gestão desportiva, a aposta foi clara nos jogadores da formação. Foi mesmo graças aos "miúdos" que o clube foi lutando pelo título e foi quatro anos seguidos à Liga dos Campeões. Aqui saltam rapidamente vários pensamentos e teorias. Lembro-me muito bem que os comentários dos "especialistas" da televisão e jornais eram e passo a citar: "um clube de miúdos não ganha campeonatos", "o Sporting para ser um clube ganhador tem de investir em jogadores experientes", "o Sporting devia seguir o exemplo de Benfica e Porto", "os miúdos deviam fazer a passagem para o futebol profissional fora de Alvalade", "este não é o caminho para um clube com a grandeza que tem o Sporting" e etc.
A visão do Sportinguista:
Por um lado:
Como é que um clube que todos os anos forma óptimos jogadores não é campeão mais vezes? Porque ao longo dos últimos anos as políticas desportivas foram as erradas. Houve uma falta de visão gritante e um aproveitamento que podia ter sido glorioso foi apenas suficiente. Não se pode formar CristianosRonaldos e Figos e não ser campeão pelo menos uma vez. Não se pode apostar cegamente nos jogadores provenientes de Alcochete e não lhes fornecer uma equipa estruturada, sustentada e com líderes. Não se pode entregar a braçadeira a um miúdo sem carácter. Tem de existir o máximo aproveitamento possível dos "nossos" jogadores mas tendo sempre a preocupação de a responsabilidade não estar sobre os seus ombros. Além da categoria futebolística, os restantes jogadores do plantel têm de ser, também, uma mais valia "paternal". Têm de ser vistos com respeito e com admiração. Oguchi, Rinaudo e Schaars entram directamente para este patamar. É este o caminho. Na época passada assistiu-se a um choque com o passado recente. Foi refrescante. Foi fundamental. O investimento foi grande e trouxe com isso um maior endividamento. O que agora é criticado por muitos Sportinguistas foi pedido durante anos. Curioso. Foi muito importante a vários níveis: dotar o plantel de jogadores com categoria internacional, trazer esperança à massa adepta e fazer um choque com o passado mais recente. Ao contrário do que se disse e escreveu esta nova etapa não significava minimamente uma mudança cultural no clube. E aqui cultural está relacionado com o facto de sermos um clube formador. Aqui o que estava em causa era uma filosofia errada. Não temos capacidade para manter por muitos anos os jovens por nós formados e por isso não conseguimos jogar com 7-8 ao mesmo tempo e sermos campeões com regularidade. Neste ponto o Barcelona é um caso à parte. O presente e o futuro é conseguir fazer uma mescla. A partir de agora a forma como os "miúdos" entram na equipa vai de encontro ao que sempre defendi para o Sporting. Já não é preciso contratar 18 jogadores. Esse trabalho está feito, e bem feito. Agora é simples. O normal início dos jogadores no futebol profissional faz-se na equipa B passando gradualmente para a equipa A. As posições carenciadas ou que não consigamos formar dentro vai-se contratar cirurgicamente fora.
Por outro lado:
Eu quero continuar a ser um clube formador. Um clube que aposta nos jogadores por si formados. Mas para isso o futebol português também tem de querer. Não pode ser só o Sporting a ter jogadores da formação a jogar com regularidade. As leis existentes em Portugal são totalmente contra quem quer apostar no jogador Português. São totalmente contra quem quer apostar na formação. Se observarmos os campeonatos que se equivalem ao nosso apercebemo-nos rapidamente de uma diferença abismal. Existe uma clara aposta, tanto ao nível dos clubes como das federações locais, no jogador nacional. Ver por ex. campeonatos Holandês e Francês. Em Portugal, tirando o Sporting nos últimos anos, ninguém aposta/joga com os jogadores portugueses. As excepções existem, mas são raras. Os jogadores estrangeiros, os empréstimos destes e o refugo dos grandes ditam as leis. Os jogadores com 18-21 anos são raros, para não dizer inexistentes, no nosso campeonato. Isto tem de mudar. O futebol português tem de mudar.
A visão do adepto nacional:
Rezar para que a Academia continue a dar frutos. Desejar que o Sporting continue a apostar na formação. Se não passamos a estar ao nível da Bélgica ou da Dinamarca.
A Selecção Nacional sub-19 fez anteontem o primeiro jogo no Europeu da categoria. No onze inicial estavam 7 jogadores do Sporting. E não estavam lá: Ié, Mica, Chaby ou Iuri Medeiros..
Já tinha dado por terminados os escritos sobre o Euro 2012, mas não resisti transcrever o último trabalho de Kiev do jornalista inglês James Lawton.
«Não nos devemos extremar pelo exagero absurdo. A conquista do título pela Espanha foi um feito notável e merecedor de louvores, mas não significa, de modo algum, que é a melhor equipa de todos os tempos. Na noite de Domingo, o futebol espanhol foi tudo o que desejamos ver, com todas as qualidades que esperamos que nunca desapareçam, mas não é digno da avalanche de panegíricos sensacionalistas que vieram então a público, na tentativa de nos convencer que acabámos de ver a melhor equipa na história do futebol. Lamentavelmente, parece não ser suficiente reconhecer excelência, sublinhar o mérito da Espanha naquela noite e a confirmação histórica de dois títulos europeus e de um mundial. Não satisfaz afirmar que Andrés Iniesta e Xavi Hernandez são dos melhores e mais influentes jogadores que o mundo já viu. No todo deste processo, surgiu também a infeliz necessidade de trair outras grandes provas e outras grandes equipas. O domínio da Espanha nestes últimos anos é indiscutível, justificando a confiança de todos aqueles que apreciam o seu estilo de jogo, mas os festejos pecaram pelo exagero e o fogo de artíficio elevou-se excessivamente, ao ponto do absurdo. O problema é que o absurdo tem duas vertentes. Uma delas é que a equipa das equipas não atingiria o auge da sua realização, sombreando todos os registos históricos, de forma tão frágil e perigosa como os heróis de Domingo à noite fizeram. Essa equipa, nunca correria o risco de ser eliminada na fase de grupos, salvo uma brilhante defesa, por instinto, de Iker Casillas e alguns duvidosos critérios da arbitragem, pela ameaça da Croácia. A indiscutível melhor equipa de todos os tempos não chegaria à final através da lotaria dos penáltis contra Portugal, num jogo em que a diferença foi apenas a metade do poste em que Cesc Fàbregas acertou, com o remate decisivo.
A analogia mais popular Domingo à noite era que a Espanha silenciou todos os seus críticos e registou uma exibição tão brilhante que daria termo à discussão. Mas onde estaria a Espanha se o penálti de Fàbregas não tivesse entrado na baliza depois de ter batido no poste? Decerto que teria regressado a casa com mil lamentos. Esta é uma das razões que leva a acreditar que é preferível ser mais moderado quando se clama distinções tão excepcionais. A outra é o Brasil de 1970. O Brasil de Pelé, Jairzinho, Gerson, Tostão, Rivelino, Carlos Alberto e o esplêndido, mas frequentemente esquecido, Clodoaldo.
A Espanha deve ser elogiada pelo seu domínio nos últimos anos e pelos 90 minutos em que exibiu o melhor de si, mas não à custa da verdade, nem por falta de memória da equipa que conquistou o melhor Campeonato do Mundo de todos os tempos com inigualável magnificência, vencendo todos os seus seis jogos na final e marcando 19 golos - mais 11 do que a Espanha fez há dois anos, com mais um jogo.
A Espanha terá ficado temporariamente proprietária do futebol de hoje, mas isso não implica que a Nação que venceu três Campeonatos do Mundo em 12 anos deva ser deserdada.
Este Europeu fez-nos lembrar o enorme potencial do futebol, quando é jogado com determinação, inteligência e técnica. Sob o enorme peso das prioridades financeiras, o jogo levou uma transfusão de excelência e, por isso, devemos homenagear os mestres do futebol moderno, mas nunca à custa do outro modelo de magnificência tão bem ilustrado por Pelé e os seus lendários companheiros».
Será este o meu último escrito sobre o Campeonato Europeu, mas não queria abandonar a temática sem alguns reparos finais. Quer seja sustentado por facto ou mera opinião, existem sempre certas questões ou pessoas que provocam discussão, e este Euro 2012 não sofre por falta de material.
1. Reconheço que qualquer lista dos «melhores» é sempre muito subjectiva, não obstante as assumidas melhores intenções do painel que a determina. Nos 23 que foram seleccionados, ao risco de ser acusado de «puxar a brasa à minha sardinha», sinto alguma dificuldade em aceitar que Gerrard da Inglaterra ou Busquets da Espanha tenham tido uma prestação superior a João Moutinho ou até a Miguel Veloso. O alemão Neuer foi opção sobre Rui Patrício, mesmo tendo sofrido mais dois golos, e Cesc Fàbregas aparece na lista como um dos melhores avançados, quando se sabe bem que ele é médio e jogou como médio no Euro, não obstante a sua posição mais avançada no terreno. Participaram outros reais avançados nesta competição que mereciam reconhecimento.
2. Fernando Torres, sempre como suplente, acabou por ser considerado o melhor marcador da prova com três golos, empatado com cinco outros jogadores, incluindo Cristiano Ronaldo, porque apenas jogou 190 minutos no torneio. Na final, entrou a 15 minutos do fim, o que lhe permitiu marcar o seu terceiro golo e, então, assegurar a distinção de «melhor marcador».
3. Fica a ideia que quando os astros estão em linha, tudo sai bem. Contra Portugal, Gerard Piqué marcou a primeira grande penalidade da sua carreira profissional. Dá para imaginar a «tempestade» de críticas, se tivesse falhado. Na final, David Silva, não exactamente uma máquina de fazer golos - marcou seis esta época pelo Manchester City - executou aquele belo lance de cabeça para o primeiro golo da Espanha. Gostaria de saber se foi o primeiro do género da sua carreira.
4. Um caso para mim fascinante e difícil de dissecar: O lateral direito espanhol Álvaro Arbeloa, formado no Real Madrid e regressado ao Clube depois de ter andado por diversos outros, não passa de um defesa mediano que compromete frequentemente a sua equipa e não lhe concede qualquer profundidade ofensiva digna de registo. Por variadas circunstância e, sobretudo , por José Mourinho não ter os jogadores da sua preferência para a posição, jogou com alguma regularidade na equipa madridista e, mais recente, marcou presença no Euro como titular. Dá para compreender que o sistema de jogo da selecção espanhola, nomeadamente a meio campo, serve bem para compensar as suas insuficiências, mas fica no ar a interrogação se na Espanha, com o seu vasto leque de talentos, não existe um outro lateral direito superior. Claro, quando tudo corre bem...
5. É justo que para o vencedor vão as honras. A Espanha venceu a final de modo categórico e os panegíricos não escasseiam. Para trás fica uma prestação muito discutível neste Europeu. Empatou com a Itália na fase de grupos, venceu a Croácia por 1-0 graças à arbitragem e arrasou a inábil República da Irlanda por 4-0. Venceu outra muito inábil França por 2-0 nos quartos-de-final e Portugal, nas meias-finais, como é conhecido. Venceu, indiscutivelmente, mas não deslumbrou e, na minha opinião, não enalteceu o futebol a jogar sem avançados. Dá para pensar que se todos os outros reproduzirem esse tipo de estratégia, os avançados irão desaparecer do futebol. Vejamos, mesmo com talentos inferiores, Portugal alinharia com os seus normais quatro defesas e, à frente deles, Moutinho, Veloso, Meireles, Custódio, Hugo Viana ou Rúben Micael e fica então para discussão se, numa das alas, haverá espaço para Nani ou Ronaldo. Provavelmente o primeiro, porque o jogador do Real Madrid defende menos e, por essa revolucionária nova óptica, goleadores são dispensáveis. É caso para Paulo Bento e todos os restantes seleccionadores reflectirem profundamente.
Nunca tinha acontecido. Ao revalidar o título de campeã europeia ontem à noite em Kiev, Espanha consegue uma proeza inédita: nenhuma outra selecção recebera até hoje dois troféus consecutivos ao nível da Europa. Com a vantagem acrescida, para os espanhóis, de serem também campeões do mundo: conquistaram o troféu há dois anos, na África do Sul, e são desde já os mais sérios candidatos à dobradinha no próximo Mundial, a disputar no Rio de Janeiro.
Também inédita foi a expressão numérica desta vitória. A selecção comandada por Vicente del Bosque goleou os italianos nesta partida disputada na capital ucraniana: 4-0. Nenhuma outra final de um Europeu tivera até hoje números tão expressivos, o que demonstra bem a superioridade espanhola perante uma equipa italiana irreconhecível. Montolivo, Cassano, Balotelli e tutti quanti nem pareciam os mesmos que três dias antes venceram e convenceram a poderosa selecção alemã, vice-campeã da Europa, com um futebol capaz de conjugar espectáculo com eficácia.
Buffon, Pirlo e De Rossi - que foram campeões do mundo em 2006 - não conseguiram desta vez marcar a diferença. Toda a equipa comandada por Cesare Prandelli parece ter entrado em campo já derrotada pelos espanhóis. Uma atitude totalmente diferente da revelada pela selecção portuguesa no desafio da meia-final. Ao contrário de Portugal, que em grande parte do encontro de 27 de Junho confinou a equipa adversária ao seu reduto, os italianos cederam todo o espaço aos homens de vermelho. Era precisamente o que os espanhóis queriam. Donos do meio-campo, retomaram o carrocel de passes que tanto gostam de cultivar e costuma produzir um efeito hipnotizante nos antagonistas.
Também ao contrário do que sucedeu com os portugueses, os italianos revelaram-se demasiado permeáveis na defesa. Acabando por sofrer golos das mais diversas formas. David Silva, com apenas 1,70m, marcou de cabeça - proeza rara na carreira deste campeão mundial e bicampeão europeu. Jordi Alba - aposta ganha por Del Bosque ao sagrar-se o melhor lateral esquerdo deste campeonato - marcou como quis, após passe magistral de Xavi. Torres saltou do banco para marcar e dar a marcar ao também suplente Juan Mata, que (com perdão do trocadilho fácil) matou o encontro. E nem foi necessário o grande Iniesta mostrar-se ao seu melhor nível para a Espanha se passear no terreno quase como se estivesse sozinha em campo. Nada a ver com o bem disputado jogo inaugural das duas selecções, ainda na fase de grupos, em que o equilibrado confronto terminou num empate.
Para uma equipa atingir a excelência é necessário que o todo ultrapasse a soma das partes. Espanha, uma vez mais, atingiu a excelência. E esta selecção, sendo bem real, já se tornou lenda. No final, as imagens não podiam ser mais contrastantes: espanhóis em explosões de júbilo, italianos em lágrimas. No Euro 2012, só Portugal deu verdadeira luta aos espanhóis. Apenas os penáltis nos impediram de atingir a final, onde esta fatigada Itália não constituiria obstáculo de relevo para Rui Patrício, Pepe, Moutinho, Coentrão e Ronaldo. Mas é inútil entregar-nos a exercícios de especulação. "Na guerra, o essencial não é ganhar batalhas mas a vitória", ensinou Sun Tzu. Este sábio aforismo também se aplica ao futebol.
Se ainda existiam alguns cínicos quanto à excelente campanha de Portugal neste Euro 2012, a incontornável distinta exibição contra a Espanha que merecia ter sido coroada com vitória - tanto em termos de planeamento, estratégia e desempenho - espero que a final da competição os tenha elucidado de uma vez por todas. Se, mesmo assim, recusarem reconhecer esta irrefutável realidade, merecem ser ignorados perpetuamente na sociedade portuguesa.
O presidente da FIFA, como o Rui Gomes já aqui assinalou, lembrou-se agora de criticar o recurso aos penáltis como forma de decidir qualificações para fases seguintes de torneios ou mesmo a conquista de alguns dos mais prestigiados troféus internacionais no futebol. Salvo melhor opinião, Joseph Blatter escolheu uma péssima ocasião para o efeito. Diz ele que as grandes penalidades são "uma tragédia" e fazem perder "a essência do futebol enquanto jogo colectivo". É inaceitável que fale assim poucos dias após um dos melhores golos do Campeonato da Europa ter sido marcado precisamente de penálti, pelo excelente Andrea Pirlo, campeão do mundo em 2006, actual campeão de Itália pelas Juventus e um dos mais fantásticos jogadores do Euro 2012, que termina hoje, em Kiev, com o jogo Espanha-Itália.
"A arte de jogar com os pés": foi desta forma certeira que El País qualificou o talento de Pirlo, único jogador até agora eleito o melhor em campo em três partidas deste Europeu. As palavras impressas no jornal espanhol, apesar de terem sido escritas antes das declarações de Blatter, parecem ter sido especialmente dirigidas para ele: "Apesar de ser um desporto de equipa (...), o futebol exige um gesto egoísta por excelência, um momento de glória pessoal, uma jogada para a posteridade, a fim de [um jogador] passar à condição de celebridade. Não é nada simples encontrar um momento tão solene e tão íntimo sem atraiçoar a condição de futebolista solidário admirado em todo o mundo."
Pirlo teve o seu momento nesse terceiro penálti contra os ingleses que deu ânimo aos italianos e destroçou psicologicamente a equipa adversária. Segundos antes, a squadra azzurra afundava-se naquele dilacerante embate dos quartos-de-final terminado num empate nulo. Segundos antes, o guarda-redes inglês Joe Hart parecia imbatível. A grande penalidade marcada "à Panenka", que eleva um simples penálti à condição de obra de arte, virou o destino da partida e tornou Pirlo um sério candidato à Bola de Ouro de 2012 (único dos mais cobiçados troféus ainda não conquistado por este ex-campeão europeu pelo Milan que também venceu o Mundial de Clubes em 2007). Tem a certeza de que um penálti é uma tragédia, senhor Blatter?).
Mestre da finta em espaço curto, especialista em passes longos que produzem soberbas variações de flanco, dotado de uma excepcional visão de jogo, Pirlo assume-se como comandante natural da selecção italiana - algo que falha noutras equipas. E voltou a ser fundamental na concludente vitória italiana das meias-finais contra a favorita Alemanha, conduzida à vulgaridade pelos seleccionados de Cesare Prandelli. Nesse jogo, disputado dia 28 em Varsóvia, a Itália não se limitou a ganhar: também deslumbrou pelo seu futebol inteligente e requintado. Com dois grandes golos de Balotelli, na sequência de excelentes passes de Cassano e Montolivo. E poderia ter ampliado a vantagem no festival de golos perdidos ocorrido na segunda parte, com Marchioso e Di Natale a falhar de forma tão clamorosa como Cristiano Ronaldo no último minuto da nossa meia-final disputada com os espanhóis.
Os espanhóis - que o presidente da UEFA, Michel Platini, pretendia desde o início ver na final disputada mais logo no estádio olímpico de Kiev - não terão tarefa fácil contra a equipa que mais tem corrido neste Europeu, sob arbitragem de Pedro Proença. Andrea Pirlo sabe, de facto, pensar com os pés. E consegue pôr o resto da equipa a pensar como ele.
O plantel de Portugal é curto, mas ontem mais curto estava: faltava lá Helder Postiga, o único ponto-de-lança capaz de fazer Ronaldo render na Selecção, conforme três jogos e meio deste Euro (se necessário ainda fosse) ajudaram a tornar claro. Espero que todos os detractores do mais mal amado da nossa Selecção, à vista do que (não) fizeram Hugo Almeida e (sobretudo) Nelson Oliveira, tenham a humildade de o reconhecer. Aquela lesão muscular do jogo contra a República Checa, por absurdo que possa parecer, e numa meia-final tão equilibrada como a de ontem, pode-nos ter custado o primeiro título de seniores da Selecção. Mas daqui a dez ou vinte anos há mais.
Contas feitas e cabeça fria a Espanha não ganhou indevidamente. À excepção de Ronaldo e Nani eles são melhores que nós, qualquer que seja a métrica que aplicarmos.
Mas Portugal não merecia perder neste jogo – são os paradoxos da vida. Um pau que rechaça a bola e outro que a engole e a sorte fica traçada. Sem Iniesta mas com Moutinho, sem Alonzo mas com Veloso, sem David Silva mas com Hugo Almeida, fomos a única equipa do mundo a entalar o jogo espanhol e a inocular-lhe receio, obrigando-a a maior parte do tempo a olhar tanto para trás como para a frente.
A performance portuguesa neste Euro deve ser comparada com a da Inglaterra, da França, da Holanda. Vis a vis estas equipas estatisticamente superiores fomos muito, mas muito, melhores. Logo veremos se ainda poderemos equiparar a nossa seleção com a da Itália.
E resta ainda confirmar que a Academia, além dos melhores jogadores do mundo, ainda produziu talvez o melhor treinador deste torneio, aquele que no binómio recursos/performance, melhores resultados alcançou e mais longe foi.
Não há por isso nada a lamentar, bem pelo contrário.
Depois disto será um escândalo se Miguel Veloso continuar no medíocre Génova e se Moutinho não for vendido para um clube decente (faz-nos falta o pilim dessa transferência, também é verdade). O Nelson catatua, que me pareceu nem sequer ter tocado na bola enquanto viu o jogo na primeira fila, esse que fique onde está que não faz mal a ninguém.
ESPN - E.U.A. : Um encontro muito renhido em Donetsk, que acabou por ser ganho pela Espanha na marcação das grandes penalidades que, incrivelmente, não incluiram Cristiano Ronaldo. O jogo teve mais cartões amarelos (9) do que remates na baliza (7), mas Portugal, mesmo em derrota, pode sair com a satisfação de que reduziu a Espanha a um nível muito mortal.
L'Équipe - França : A Espanha pode agora respirar. A campeã em título qualificou-se para a final do Euro 2012 derrotando Portugal nas grande penalidades (4-2).
The Telegraph - Reino Unido : Os campeões do Mundo e da Europa derrotaram os vizinhos ibéricos 4-2 nas grandes penalidades, com João Moutinho e Bruno Alves a falharem pelos portugueses.
The Indian Times - India : Num jogo muito desgastante que acabou num nulo após prolongamento, Fábregas marcou a grande penalidade que leva a Espanha à final do Euro 2012.
Le Monde - França : Com maior pressão no prolongamento, a Espanha conseguiu vencer nas grandes penalidades e vai à sua terceira final consecutiva de uma grande competição.
New York Times - E.U.A. : Debilitada mas não acabada, a Espanha acabou por prevalecer sobre Portugal nas grandes penalidades.
The Globe and Mail - Canadá : A Espanha não deslumbrou mas conseguiu derrotar Portugal nas grandes penalidades e avançar para a sua terceira consecutiva final de uma grande competição.
La Gazetta dello Sport - Itália : Após 120 minutos de futebol híper-cauteloso, nos limites do tédio, a «Roja» vai à final, onde defrontará o vencedor entre a Alemanha e a Itália.
Se o Sporting é o "clube dos Calimeros", como nos chamam desde uma célebre crónica do Miguel Sousa Tavares (pessoalmente não me importo nada - o Calimero é uma personagem bem simpática), depois de ler os lábios de Cristiano Ronaldo logo após a eliminação com a Espanha, confirmei o que já se sabia: ele é um grande sportinguista.
Pela quarta vez, Portugal atingiu as meias-finais de um Campeonato da Europeu. E pela terceira vez ficamos pelo caminho. Mas desta vez com uma satisfação suplementar em comparação com o que ocorreu em 1984 e 2000: não fomos derrotados em campo, apenas a lotaria dos penáltis nos impediu de ir à final em Kiev. Só nesse instante a Espanha, após 120 minutos de confronto aberto e tenaz em campo, se revelou superior.
Não saímos, no entanto, sem enviar outra bola ao poste. Aconteceu com Bruno Alves, ao desperdiçar na barra da baliza de Casillas uma grande penalidade. Um momento decisivo, que acabou por ditar a sorte do encontro: os espanhóis estarão presentes, já no domingo, na terceira final consecutiva de uma grande competição futebolística internacional.
Portugal sai de cabeça erguida. Com uma defesa praticamente intransponível e um meio-campo que foi subindo de rendimento de jogo para jogo, culminando no desafio de hoje em Donetsk (Ucrânia), que vulgarizou alguns dos principais talentos da selecção adversária (incluindo Xavi e Silva), impedindo a equipa treinada por Vicente del Bosque de praticar o seu habitual rendilhado em campo.
Durante uma grande parte do encontro a equipa portuguesa revelou-se mais coesa, mais homogénea: há muito que os espanhóis não pareciam tão receosos nem jogavam em terreno tão recuado.
Houve uma quebra de rendimento dos portugueses na meia hora de prolongamento contra a equipa campeã da Europa e do Mundo. Del Bosque antecipou-se ao seleccionador português nas substituições. Isso ajuda a explicar a quebra física da selecção nacional nos últimos 20 minutos de um jogo muito exigente, desde logo no plano táctico.
Ficámos por aqui. Mas o balanço é claramente positivo. Só por ignorância ou má-fé alguém pode afirmar o contrário.
Portugal, 0 - Espanha, 0 (2-4 nos penáltis após prolongamento)
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Os jogadores portugueses, um a um:
Rui Patrício - Esteve a um passo de ter uma noite de glória. Ao defender o penálti de Xabí Alonso, o que nos prometia abrir caminho para a final. Não conseguiu defender mais nenhum. Mas voltou a estar em bom nível, sempre atento entre os postes. Aos 104' deteve o mais perigoso lance de ataque espanhol, que partiu dos pés de Iniesta.
João Pereira - Voluntarioso, muito activo, tinha uma missão particularmente difícil ao enfrentar Iniesta - o melhor dos espanhóis. Mas não se deixou intimidar, integrando-se bem na restante muralha defensiva. Ousou menos raides pelo corredor direito do que nos dois jogos anteriores, o que não surpreende atendendo ao valor da equipa adversária. Cartão amarelo aos 64'.
Bruno Alves - Muito duro a defender, com a solidez a que já nos habituou mas um pouco mais ríspido do que nos restantes jogos do Euro 2012. Recebeu o cartão amarelo, talvez já tardio, aos 85'. Destacado para os penáltis, partiu para a bola sem confiança, como ficou logo bem patente. De tal maneira que, numa primeira tentativa, Nani antecipou-se e decidiu ser ele a marcar.
Pepe - Impediu aos 28' um possível golo de Iniesta. E não falhou quando lhe coube marcar um penálti, no final. Manteve-se praticamente intransponível no comando da linha defensiva portuguesa. Cartão amarelo aos 60'.
Fábio Coentrão - Mais uma excelente exibição. Impediu Pedro de marcar aos 113' numa corrida desenfreada que chegou a bom termo. Venceu vários despiques com Arbeloa no corredor esquerdo português e, como é hábito, foi sempre perigoso a atacar. Cartão amarelo aos 45'.
Miguel Veloso - Muito eficaz em acções de contenção, soube ocupar sempre bem os espaços no terreno confiado à sua guarda. Cartão amarelo aos 90', o que levou Paulo Bento a substituí-lo por Custódio um quarto de hora depois.
Raul Meireles - Cumpriu, uma vez mais, o essencial da sua missão no meio-campo português. Graças a ele, em boa parte, Portugal conseguiu pressionar os espanhóis longe da nossa grande-área. À beira da exaustão, numa partida muito exigente, deu lugar a Varela aos 112'.
João Moutinho - O melhor português em campo, numa exibição de antologia. Foi o mais eficaz recuperador de bolas e voltaram a sair dos pés dele alguns dos passes mais perigosos da nossa selecção. Travou inúmeros lances ofensivos dos espanhóis e ganhou quase todos os duelos individuais, contribuindo em grande parte para o apagamento de Xavi. Terminou esgotado. E só foi pena ter falhado uma grande penalidade ao cair do pano.
Nani - Despede-se do Euro 2012 sem o golo em lance corrido que bem merecia pelo talento revelado. Mas assinou um tento de honra ao marcar o penálti final numa partida em que voltou a mostrar-se em boa forma embora algo perdulário nos últimos metros do terreno.
Cristiano Ronaldo - Esforçou-se muito e também ele acabou esgotado. Este não chegou a ser o jogo da vida dele, mas esteve quase a ser: Ronaldo podia ter marcado no último minuto do jogo quando se isolou à frente de Casillas, seu colega no Real Madrid e provavelmente o melhor guarda-redes do mundo. Este falhanço de algum modo prenunciou o desaire português nas meias-finais. Ronaldo desperdiçou ainda três livres durante o jogo - daqueles que não costuma falhar em Madrid.
Hugo Almeida - Um bom remate de longe, aos 57'. E três outros que também saíram fora. Hugo Almeida, que substituiu Helder Postiga como titular no ataque, esteve mais apagado do que se exigia numa partida em que era fundamental marcar. Mas integrou-se bem nas missões defensivas. Saiu aos 81'.
Nélson Oliveira - Substituiu Hugo Almeida aos 81'. Protagonizou dois ou três lances inócuos e pouco mais se viu.
Custódio - Entrou aos 105' para o lugar de Miguel Veloso. Tacticamente muito disciplinado. Sempre seguro.
Varela - Entrou só aos 112' para o lugar de Meireles. Ficou a sensação de que a equipa das quinas teria ganho se entrasse mais cedo. Teve uma boa arrancada pelo lado direito, quatro minutos depois, deixando nervosa a defesa espanhola.
Às vezes julgo que deliro, que só eu vejo as coisas de determinada maneira. Vou então à procura de outras vozes que me confirmem ou desmintam. Ontem no IT vs. ENG estava pronto a jurar no fim que, apesar de aos anos que vejo futebol, nunca tinha visto ninguém no meio-campo fazer o que sistematicamente Pirlo fez. À Manolete, quase sem sair do lugar, dois passos curtos e lentos e um passe, ora de 40 metros (juro!) ora de 5, que aceleravam o jogo, entornavam os ingleses todos para um lado atrás daquela bola e punham o universo inteiro a girar à volta dele.
Hoje descobri o quadro acima publicado aqui. Haja uma alma caridosa que me diga se já alguma vez na história do futebol, a este nível, houve uma estatística assim.
Pirlo tem 33 anos de idade, Buffon 34. Repararam na serenidade com que este comandava a equipa, o panache com que respeitava os adversários, o ânimo que punha nos camaradas com um gesto, a certeza que dava?
Há jogadores assim, como os aviadores: milhares de horas de futebol naquelas pernas só lhes trazem vantagem.
Podemos dizer, sem favor, que as quatro selecções qualificadas para as meias-finais foram as melhores deste Euro 2012. O que já constitui uma vitória para Portugal. Desde logo, uma vitória contra as aves agoirentas: basta dizer que ainda há seis dias - repito: seis dias - um dos principais comentadores televisivos, recordista do tempo de antena, acusava Paulo Bento de dividir os portugueses e de procurar silenciar as vozes críticas como sucedia "no tempo da Outra Senhora". Se o disparate matasse, este loquaz comentador já tinha caído fulminado durante uma das suas intermináveis prelecções...
A República Checa, que eliminámos nos quartos-de-final, merecia ter seguido em frente? Óbvio que não. Pelos motivos que enumerei aqui.
A Grécia mostrou-se capaz de prosseguir na competição? Lamento, mas a resposta é negativa. A Alemanha venceu e convenceu no desafio contra a selecção comandada por Fernando Santos. Por mais que custe reconhecer isto, para evitar dar novas alegrias a Angela Merkel, os alemães são os mais sérios candidatos à conquista do Europeu, como têm demonstrado em campo: até ao momento, a única equipa que só conta com vitórias é a germânica.
E a França? Nem é bom falar dos gauleses, eliminados anteontem pelos espanhóis numa partida em que confirmaram estarem demasiado longe os tempos heróicos de Platini e Zidane, já depois de terem levado 0-2 dos suecos. Benzema, a grande vedeta da equipa, despediu-se do Euro 2012 sem ter marcado um golito (ele que marcou 31, na última época, ao serviço do Real Madrid). Quezilentos, divididos, sem categoria nem amor à camisola, pareceram mais apostados em triunfar no campeonato da indisciplina. Nasri insultou jornalistas, Ben Arfa ameaçou ir-se embora se não jogasse. E acabou por partir mesmo - ele e os outros. Sem deixarem saudades.
E os ingleses? A selecção do reino de Sua Majestade mostrou-se irreconhecível. Chegou aos quartos-de-final com uma ajuda da equipa de arbitragem no jogo contra a Ucrânia. No decisivo encontro contra os italianos, que fizeram 25 remates, os ingleses limitaram-se a rematar nove vezes e a ter 40% de posse bola. Sem um goleador digno desse nome, levaram um banho de bola no desafio de ontem em Kiev. Com Montolivo em grande nível, Buffon a travar um penálti marcado por Ashley Cole e Andrea Pirlo a confirmar que continua a ser um dos melhores jogadores do mundo. A squadra azzurra só passou no desempate por penáltis após um jogo que terminou empatado a zero (único até agora com esse resultado). Mas mostrou talento suficiente para prosseguir. Ao contrário dos ingleses.