Seninho passou no tempo colonial por Angola, país que forneceu ao futebol português alguns dos seus bons jogadores. No Sporting, o que teve mais sucesso foi o Dinis, jogador que vi jogar no ASA de Luanda, no campo pelado perto do aeroporto, muito tempo antes do seu ingresso no Sporting de Portugal.
Dois jogadores angolanos que vieram para o Sporting antes do 25 de Abril, e sobre os quais eu depositava grandes esperanças de sucesso, foram o Manecas e o Camilo.
O Manecas era a estrela, na altura, do Sporting de Luanda. Jogador de técnica apurada, que corria como uma gazela. Deste jogador dificilmente alguém se lembra, pois teve aparições muito fugazes no Sporting, que o colocou a jogar a defesa direito, enquanto a sua posição original era de extremo.
Tive muita pena que não tivesse singrado no Sporting, onde pouco jogou. Prosseguiu a carreira na Académica e no Beira-Mar, tendo acabado no futebol australiano e faleceu por lá, ainda bastante novo. Há referências dele na Internet, sendo o seu nome real Manuel de Faria Vieira Lopes.
O Camilo foi também um jogador de classe, que actuava na posição de médio, da equipa do Benfica do Huambo, e que também veio para o Sporting na altura do Manecas. Do Camilo já é mais fácil ter lembrança, pois foi dele o terceiro golo, se a memória não me falha, do célebre jogo no estádio de Alvalade contra o Benfica, que o Sporting ganhou por 3—0, e que foi também o jogo de estreia do Keita, para mim o melhor jogador do Sporting de todos os tempos (em que vejo futebol).
O estádio de Alvalade estava a abarrotar e eu vi esse jogo do peão, porque nessa altura não tinha dinheiro para ir para a bancada. Uma hora e meia de pé num peão superlotado, com as pessoas encostadas umas às outras e a tentarem, em bicos dos pés, perceber as jogadas que se desenrolavam à sua frente.
Não vi o golo do Camilo. O remate foi de tão longe e repentino que, quando o público se apercebeu, a bola já estava dentro da baliza. Nunca percebi aquele golo. Também não há imagens televisivas, pois os próprios realizadores foram apanhados de surpresa. Quem conseguiu ver aquele golo, desde o remate até à entrada na baliza, que aqui o descreva.
Os olheiros do Sporting, na altura, estavam apurados, pois estes dois jogadores eram então os de maior destaque no futebol angolano.
Texto do nosso leitor AHR, publicado originalmente aqui.
Quando a bola chegava a Dinis o jogo parava. Ele começava por dar um pequeno toque no couro a medir-lhe o calibre, levantava a cabeça e nos próximos segundos aquilo era um assunto entre os dois, com um pobre tipo ali de permeio, a fazer de defesa direito.
Quando este tal tipo não era um qualquer mas chamava-se Artur, o caso mudava de figura e em vez de assistirmos a uma comédia, em que tantas vezes o defesa acabava trocado ou mesmo sentado no chão, o embate transformava-se num épico. Só Artur, primeiro na Académica e depois no Benfica (tendo acabado a carreira mais tarde no Sporting) ousava interromper a conversa particular entre Dinis e o esférico. Eram embates homéricos, que faziam chispa, às vezes ganho eu, outras ganhas tu, ambos sempre a pedir a bola de modo a prosseguirem aquela guerra. Dizia-se que cá fora eram amigos, mas lá dentro era o gingão contra o fução, sem darem descanso a ninguém.
Que esta rapaziada de agora tome nota disto: Dinis foi o melhor extremo esquerdo do Sporting e do futebol português de todos os tempos. E foi também o maior futebolista angolano de sempre. Talvez o único que possa pedir-lhe meças tenha sido Jacinto João, o coevo JJ do Vitória de Setúbal, natural de Angola como ele.
Muito pão deu Dinis a comer a Yazalde sob a forma de passes para onde quer que o Chirola lhe pedisse, com a bola pronta a enviar lá para dentro. Só bem mais tarde surgiriam os mísseis teleguiados e já Dinis os inventara. Mas estes passes eram precedidos por uma finta ou um par delas, desengonçadas, muito “se faz favor”, de canela fina e comprida, com a malandrice, a preguiça e a perna torta dos musseques de Luanda.
Esta vi eu, ninguém ma contou: Dinis acabara de passar pelo defesa como cão por vinha vindimada, mas o pobre homem era codicioso, como dizia o Alves dos Santos, e continuava a correr atrás dele, alçando umas patadas para o travar. Dinis estaca de repente e deixa-se ultrapassar, olha-o de caras e torna a fintá-lo como quis e lhe apeteceu, mas ao rodar sobre o adversário acabou por ficar uns segundos de frente para a bancada. E não é que naquela cara de tição se rasgou um traço muito branco: Dinis ria-se da maluquice com que endoidecia o outro.
A lampiãozada tinha-lhe mais pó que o Namibe, alcunhavam-no de “barrote queimado” ou “brinca na areia”, mas poucas foram as vezes em que não tiveram que trincar a língua; Dinis nunca se desinspirava nos jogos grandes, como às vezes acontecia nos menores. Ou porque acordava de rabo virado para a lua, ou porque a tarde lhe corria às avessas, tentava uma e não lhe saía, tentava outra e a bola escapava-se, e à terceira deliberava que não lhe apetecia mais, deixando correr o jogo à sombra da pala, como se não tivesse nada a ver com aquilo. Só mais de uma década depois, Pedro Barbosa conseguiria irritar tanto a bancada velha.
A falta que faz ao futebol de hoje um fininho como o Dinis!
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