Equipa mais azarada não há. Pelo menos neste Campeonato da Europa. Refiro-me à Bélgica, já com três golos anulados pelo vídeo-árbitro: se não é recorde na fase de grupos, anda lá perto. Dois desses tentos que não valeram deveram-se a deslocações milimétricas: esta regra absurda, validada pela tecnologia, anda a matar o futebol como modalidade desportiva digna de espectáculo. Cada vez concordo mais com Arsène Wenger, que já propôs alteração drástica à lei do fora-de-jogo, passando a existir irregularidade apenas quando todo o corpo do atacante se encontrar para além do penúltimo defensor.
Principal vítima: Lukaku (Roma, 31 anos). Foi ele o autor dos golos que não valeram: dois contra a Eslováquia; outro anteontem, em Colónia, na vitória belga frente à Roménia. Não marcou, mas deu a marcar. Muito cedo, ainda antes de estar concluído o segundo minuto da partida. Servindo Tielemans, desta vez para valer. Na construção deste excelente lance de futebol colectivo participou também o melhor em campo: De Bruyne, já longe da prolongada lesão que o afectou na temporada 2023/2024.
Voltou às exibições de luxo, como um dos melhores médios ofensivos do mundo. Coroando a sua actuação com um golaço de fazer levantar o estádio. Construído aos 80' com assistência directa do guarda-redes Casteels, que a colocou muito bem lá na frente. O canhoto fez o resto. Carimbando o primeiro triunfo belga neste Euro-2024.
Debast, o jovem defesa recém-contratado pelo Sporting ao Anderlecht, saltou do banco aos 77', substituindo Theate (Rennes, 24 anos) como central à direita. Impôs-se no jogo aéreo e destacou-se no passe longo. Gostei de o ver.
No fim, não ganha a Alemanha: empata. Foi assim ontem, no embate entre suíços e alemães em Frankfurt, com manifesta superioridade helvética. Na primeira oportunidade de que a equipa dispôs, aos 28', o jovem avançado Ndoye (Bolonha, 23 anos) não perdoou. Esteve a centímetros de bisar, levando a bola a beijar o ferro, três minutos depois.
Aqui para nós: gostaria bem de vê-lo no Sporting.
A Suíça vencia ao intervalo (1-0) e exibiu mais classe durante o segundo tempo, em que dispôs de duas grandes oportunidades de ampliar a vantagem: aos 84', quando Vargas a meteu lá dentro mas viu o golo anulado por suposta falta anterior de um colega que só o VAR descortinou; e aos 88, quando Neuer impediu golo de Xhaka com defesa quase impossível.
Três vezes campeã da Europa, a Alemanha parecia ter baixado os braços, resignada à derrota, quando Füllkrug a salvou, já no tempo extra, ao marcar após conversão de livre lateral. Estiveram a dois minutos da derrota - e consequente adeus ao primeiro lugar no Grupo A, que afinal venceram in extremis. Formam com Portugal e Espanha o trio de selecções com lugar garantido nos oitavos.
Safaram-se de boa, mas lançaram dúvidas junto dos adeptos: esta selecção germânica prometia mais do que está a oferecer.
Futebol do melhor no Campeonato da Europa: aconteceu hoje, protagonizado pela selecção da Dinamarca, com uma segunda parte de sonho em que cilindrou a Rússia, goleando-a sem apelo nem agravo em Copenhaga.
De quase afastada, após duas derrotas (frente à Finlândia e à Bélgica), ascende assim ao segundo posto no Grupo B, transitando para os oitavos com todo o mérito.
Confesso que fiz questão em ver este desafio tão decisivo para os dinamarqueses torcendo por eles desde o primeiro minuto. Desde logo como homenagem ao malogrado Eriksen, o craque da equipa, vítima de uma síncope no jogo inaugural. E por sentir que a Dinamarca foi alvo de uma clara injustiça ao ter de prosseguir aquela partida tão traumática com todo o onze destroçado animicamente: aquela derrota contra a Finlândia, nesse dia específico, foi uma das maiores injustiças a que já assisti no futebol.
Mas os deuses da bola às vezes escrevem direito por linhas tortas, como esta tarde se confirmou. A Dinamarca venceu e convenceu: marcou quatro e sofreu apenas um, de grande penalidade. Dois dos seus golos foram extraordinários - do melhor neste Euro-2021. O primeiro, aos 38', apontado por Damsgaard, jovem extremo da Sampdoria, foi um tiro indefensável que fez levantar o estádio, cheio com 38 mil espectadores. E o terceiro, aos 79', parecia um míssil - disparado pelo defesa Christensen, outra das figuras da partida. Os restantes foram marcados por Poulsen (59'), aproveitando um monumental brinde da defesa russa, e Maehle (82'), coroando um rápido-contra ataque. Selava-se assim um jogo épico da Dinamarca: tenho a certeza de que nunca será esquecido.
Aproveitei para acompanhar mais de perto o desempenho de Daniel Wass, ala direito de 32 anos que actua no Valência e estará sob a mira do Sporting. Na partida anterior, em que recebeu um amarelo, nada fez que me despertasse a atenção. Desta vez merece nota positiva sobretudo por dois momentos: o centro milimétrico que fez aos 29' para um disparo de Hojbjerg, e um lance bem construído na extrema direita, aos 54'. Mas confesso que nada vi de extraordinário: Porro e Esgaio, pelo menos estes, são superiores.
Aos 61', Wass foi substituído: já não estava em campo no melhor período da sua equipa.
Enquanto esta partida decorria, em Sampetersburgo disputava-se o Bélgica-Finlândia, outra partida do Grupo B. Já com os belgas qualificados mas sem facilitarem: dominaram por completo, remetendo os finlandeses ao seu reduto.
A terceira vitória consecutiva belga neste certame foi natural. Já escrevi e reitero: estamos perante um potencial vencedor do Europeu. Menos natural foi vermos um excelente golo anulado por intervenção do vídeo-árbitro, aos 65': assistência de De Bruyne desmarcando Lukaku e este a fuzilar as redes. Ninguém entendeu a alegada deslocação que as imagens não comprovam. Merece alerta máximo: o absurdo critério do fora de jogo milimétrico anda a matar o futebol de ataque.
Mas aqui os deuses da bola voltaram a intervir. Após um autogolo do guardião Hradecky (74') na sequência de um canto, a dupla imparável voltou a dar nas vistas quase numa réplica do golo anulado: De Bruyne assistiu, Lukaku marcou. Fixava-se o resultado aos 81'.
Custa ver uma selecção com inegáveis talentos estar prestes a abandonar o Europeu de modo prematuro. E manifesta injustiça. A derrota inicial contra a Finlândia, num jogo marcado pelo drama de Christian Eriksen, nunca devia ter acontecido. Pelo simples motivo de que aquela partida decorreu em condições inaceitáveis num desafio de alta competição, com toda a equipa da casa arrasada psicologicamente. Tem o "nosso" Schmeichel toda a razão: «Foi uma experiência traumática.» Erro crasso da UEFA: o jogo, retomado menos de duas horas depois da síncope do n.º 10, devia ter sido adiado.
Contra a Bélgica, clara favorita, a Dinamarca entrou ontem muito bem. Voltava a jogar em casa, beneficiava do apoio da grande maioria dos 25 mil espectadores, e percebia-se que queria vencer, desde logo, para dedicar o triunfo a Eriksen. Não podia ter começado melhor: logo no minuto 2 adiantou-se no marcador, com golo de Poulsen.
Muita dinâmica, muita intensidade, muita energia: assim decorreu o primeiro tempo, de parada e resposta, mas com predomínio dinamarquês. O que parece ter deixado a Bélgica surpreendida.
Era precido mexer no onze titular belga - e assim fez o seleccionador ao intervalo, trocando o apagado Mertens por De Bruyne, que continua craque. A medida não tardou a produzir efeito, virando o jogo. E foi o talento individual a vir à tona.
Primeiro golo, 54': espectactular condução de bola na ala direita por Lukaku, que centra atrasado; de Bruyne recolhe e assiste Thornan Hazard, que não perdoa.
Segundo golo, 70': Lukaku inicia a construção do lance com nova jogada excepcional sem deixar nenhum defensor dinamarquês roubar-lhe a bola; De Bruyne, num tiro de pé esquerdo, fuzila as redes com assistência de Eden Hazard.
Mas o melhor momento do jogo aconteceu aos 10'. Quando todos pararam durante um minuto em ovação unânime ao ausente Eriksen. Nestas ocasiões o futebol deixa de ser simplesmente bonito para se tornar sublime.
Dinamarca, 1 - Bélgica, 2
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