Enfim, uma emocionante sessão de drama no Europeu. Aconteceu ontem, em Leipzig. Tendo como figura central um dos melhores jogadores que vi actuar desde sempre: Luka Modric. Comandando a selecção croata frente à irregular Itália, o craque do Real Madrid - vice-campeão mundial em 2018, com seis Ligas dos Campeões no currículo - passou ontem do pesadelo ao sonho para acabar novamente num pesadelo.
O nulo inicial não se desfez no primeiro tempo. Na segunda parte, a Croácia conquistou um penálti. Chamado a convertê-la, Modric permitiu a defesa do guarda-redes Donnarumma. Qualquer outro talvez se afundasse: não foi o caso dele. No minuto seguinte, marcou: viu uma bola desacompanhada no coração da área e encaminhou-a para o sítio certo.
Euforia entre os adeptos: a Croácia parecia ter acesso aos oitavos-de-final.
Esteve quase a acontecer. Mas a 20 segundos do apito final, no oitavo minuto do tempo extra, os italianos empataram. Com um belíssimo remate em arco de Zacagni que atirou a selecção adversária para fora da prova.
Modric estava inconsolável. De nada valeu ter sido eleito pela UEFA melhor em campo, aliás com toda a justiça. De nada valeu ter batido um recorde: tornou-se no mais velho artilheiro da história dos Campeonatos da Europa, ao marcar com 38 anos e 289 dias. A 9 de Setembro, soprará 39 velas.
Inútil falar em justiça: no futebol impera muito mais o factor sorte. Azar para muitos.
Está a ser um Europeu com poucos golos. Mesmo das equipas mais credenciadas. Repare-se no que aconteceu ontem com a Espanha em Dusseldorf: não conseguiu melhor do que um triunfo tangencial frente à modesta Albânia.
É verdade que nuestros hermanos, já com presença garantida nos oitavos, se deram ao luxo de entrar em campo com um onze quase totalmente renovado: só Laporte transitou do desafio anterior. Mas podiam ter feito muito mais, muito melhor. Desta partida retive praticamente apenas o excelente golo de Ferran Torres aos 13' com assistência imperial de Dano Olmo a partir de um magnífico passe cruzado de Laporte: 40 metros a rasgar toda a linha média albanesa. A jogada merece ser revista do princípio ao fim.
O jogo prometia mais golos, mas ficou por aqui. Talvez a selecção roja melhore quando recuperar o seu onze titular. Espero que sim.
Mais bocejante ainda foi o Eslovénia-Inglaterra, que terminou empatado a zero. Os ingleses, que nada conquistam a nível de selecções desde o Mundial de 1966, têm melhor equipa, mas essa diferença não se materializou em golos. Harry Kane, Foden, Saka e Bellingham foram perdulários no encontro desta noite em Colónia. Aos 31' Kane rematou bem colocado, mas à figura: Oblak defendeu sem dificuldade. Aos 35' Foden levou perigo à baliza na marcação de um livre, mas o gigante esloveno neutralizou o perigo.
Do outro lado, o nosso conhecido Sporar foi tão inócuo na grande área como costumava ser quando jogava no Sporting. Dali não vêm surpresas.
Três jogos, portanto, com apenas dois golos ingleses: Bellingham contra a Sérvia, Kane contra a Dinamarca.
Imaginem que isto se passava com a selecção de Portugal. Andava tudo aos gritos a exigir a cabeça do seleccionador e o exílio perpétuo para meia equipa.
Dois jogos muito contrastantes. Um bem disputado, com emoção quase até ao fim e uma qualidade técnica superior. O outro, cheio de momentos maçadores, com as defesas a superiorizarem-se sobre os ataques. A tal ponto que o único golo registado foi marcado por um dos centrais na própria baliza.
O primeiro, disputado há dois dias em Berlim, foi o Croácia-Espanha. Com o aliciante de vermos ainda em acção o fabuloso Modric, Bola de Ouro 2018, agora com 38 anos, e por outro lado o adolescente Lamine Yamal, do Barcelona - aos 16 anos, é o mais jovem participante de sempre numa fase final dum Europeu. De imediato escalado para o onze titular espanhol. Extremo canhoto jogando de pés trocados junto à linha direita, fez jus à fama que lhe chegou tão cedo: foi um dos obreiros da vitória. Com uma assistência e uma pré-assistência.
Os croatas, que dias antes tinham vencido Portugal num jogo de preparação para o Euro-24, desta vez não souberam aproveitar as oportunidades. Ao contrários dos espanhóis, bafejados por uma exibição superlativa de Fabián Ruiz, médio-centro do PSG - autor do passe de ruptura de que nasceu o golo inicial, de Morata, e ele próprio autor do segundo, numa extraordinária jogada individual dentro da área que partiu os rins aos centrais adversários antes de fuzilar as redes. Estava encontrado um dos primeiros heróis deste Europeu.
Carvajal, que já se destacara com um golo decisivo no recente triunfo do Real Madrid na final da Liga dos Campeões frente ao Borussia, marcou o terceiro neste confronto com os croatas. Eis um lateral direito com vocação nata para goleador.
Três oportunidades, três golos. Em contraste, a equipa de Modric nem de penálti conseguiu: desperdiçou o tento de honra, aos 81'. Estreia com o pé esquerdo da selecção que em 2018 se sagrou vice-campeã do mundo. Enquanto os espanhóis não deixaram margem para dúvida: são mesmo candidatos. A fúria vermelha está de volta. Se é que alguma vez se foi.
O mesmo não pode dizer-se dos franceses, com pálida exibição esta noite, em Dusseldorf, perante os austríacos. Mbappé destacou-se, mas pela negativa: aos 8', rematou à malha lateral; aos 45'+1, desperdiçou excelente passe de Griezmann a isolá-lo; aos 51', só com o guarda-redes pela frente, pegou mal na bola, atirando ao lado.
Dembélé protagonizava lances sem sentido junto à linha direita, Griezmann exibia gritante ineficácia na conversão de livres e Giroud saltou do banco também para falhar uma emenda junto à baliza. Emblemas de uma França aburguesada, que se limitou a deixar o marfim correr, confiante na inépcia ofensiva dos austríacos. Que até podiam ter marcado, aos 36', por Baumgartner.
Valeu aos gauleses um momento de azar da turma adversária, quando Wöber introduziu a bola na própria baliza, traindo o guarda-redes. Como diria um político português, em contexto bem diferente, foi uma vitória por poucochinho. Num Campeonato da Europa espera-se muito mais.
João Félix, titular no "amigável" contra a excelente Croácia, sábado, no Estádio Nacional - que voltou a receber um desafio da selecção após mais de dez anos.
Confere em absoluto com o que ele (não) demonstrou no Jamor.
O senhor Martínez retirou-o ao intervalo, com 45 minutos de atraso. Já não evitou a inédita derrota lusa frente aos croatas por 1-2.
Palmas? Mereceu-as o capitão da selecção visitante: Luka Modric. Aos 38 anos, com seis Ligas dos Campeões e um título de vice-campeão mundial no currículo, marcou o golo inaugural da Croácia e deu uma lição de profissionalismo à pseudo-vedeta formada no Seixal.
Depois do campeão europeu, também o campeão do mundo e o vice-campeão mundial caíram neste Euro-2021, ficando-se pelos oitavos-de-final. Comprovando que a realidade do futebol jogado é muito mais complexa do que as teorias de café ou de sofá.
Este foi um dia de festa para o futebol. Um dia em que se marcaram 14 golos, em Bucareste e Copenhaga.
Um dia com dois jogos de resultado incerto até ao fim.
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Um desses desafios, o França-Suíça, só ficou decidido após o prolongamento, por pontapés de grande penalidade: persistia o 3-3 aos 90 minutos. Aqui a sorte sorriu aos suíços, que aliás fizeram por merecê-la: no momento decisivo, o do quinto penálti, um dos melhores jogadores do mundo, Mbappé, permitiu a defesa de Sommer, esta noite com uma exibição de luxo na capital romena.
O resultado foi oscilando. A Suíça marcou primeiro, por Seferovic, fixando o resultado ao intervalo. No recomeço, os suiços tiveram uma flagrante oportunidade de ampliar a vantagem para 2-0. Mas o lateral Ricardo Rodríguez, chamado a converter, viu a bola ser travada pelo experiente Lloris.
A França embalou então para a reviravolta. Com dois golos em dois minutos apontados por Benzema, regressado após cinco anos fora da selecção, e um monumental golo de Pogba - desde já candidato a um dos mais belos do torneio. Estavam decorridos 75', os franceses venciam 3-1, o desfecho parecia garantido. Mas houve combate até ao fim: Seferovic marcou o segundo aos 81' e Gavranovic fixou o empate aos 90'. Confirmando que o futebol pode ser um dos espectáculos mais emocionantes do mundo.
Destaque na Suíça - além dos jogadores já mencionados - para o médio defensivo Xhaka, jogador do Roma, e o excelente ala esquerdo Zuber, do Eintracht Frankfurt. Merecem esta passagem da Suíça aos quartos-de-final, o que acontece pela primeira vez num Europeu.
França, 3 - Suíça, 3 (vitória suíça 5-4 no desempate por penáltis)
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Emocionante também o Croácia-Espanha, disputado a meio da tarde na capital dinamarquesa. Com um lance caricato do guarda-redes Unai Simón, que aos 20' deixou a bola atrasada por Pedri encaminhar-se lentamente para o interior da baliza, tentando pontapeá-la sem conseguir. Uma cena digna dos "apanhados".
Mas Sarabia - médio do PSG, um dos melhores em campo - repôs a igualdade aos 38'. Depois do intervalo, os espanhóis carregaram no acelerador e viram-se recompensados com dois golos - de Azpilicueta (57') e Ferran Torres (76'). O triunfo parecia garantido no tempo regulamentar, mas era engano: a Croácia conseguiu repor o empate. Com golos de Orsic (construído por Modric) aos 85' e de Pasalic aos 90'+2.
Foi-se para prolongamento, com vários jogadores à beira da exaustão. Aqui foi Morata - o patinho feio da selecção espanhola - a fazer a diferença, marcando o quarto da sua equipa, aos 100'. Belíssimo golo: recebeu a bola em zona frontal com o pé direito e rematou forte com o esquerdo. Oyarzabal confirmaria o triunfo aos 103'.
Mas os croatas, vice-campeões mundiais, não baixaram os braços. Saem de cabeça erguida: lutaram até ao fim. Confirmando que este dia merece ficar inscrito na história do futebol.
Dois jogos muito diferentes, esta noite. Partida intensa em Glasgow, onde se disputou o Escócia-Croácia. Jogo táctico e pausado em Wembley, palco do Inglaterra-República Checa.
No primeiro, ambas as selecções disputavam os três pontos: nenhuma tinha garantido o acesso aos oitavos. No segundo, estavam tranquilas: já sabiam que iriam passar. O que se reflectiu na qualidade do jogo, arbitrado por Artur Soares Dias.
Schick, o astro checo, desta vez ficou em branco. Aos 28, Holes obrigou o guardião inglês à defesa da noite com um disparo de meia-distância. No outro lado, Kane manteve o jejum de golos. Ao contrário de Sterling, que marcou aos 12', fixando o resultado. Com assistência de Grealich, um dos melhores extremos esquerdos deste Europeu.
Em Glasgow, a emoção andou à solta. A Escócia tinha uma hipótese remota de qualificar-se, mas precisava mesmo de vencer. Chegou a empatar por McGregor, aos 42', após golo inaugural de Vlasic (17').
Depois do intervalo, o rolo compressor croata entrou em acção. Liderado pelo capitão Modric, que aos 35 anos mantém intactas as qualidades que há muito lhe conhecemos. Foi ele a desatar o nó, com um golo de sonho: rematou forte e muito bem colocado, de trivela, sem hipóteses de defesa. Era o minuto 62', a Croácia carimbava passaporte para os oitavos. De canto, aos 77', Modric ainda viria a assistir Perisic para o terceiro golo.
Há jogadores que, só por si, justificam que acompanhemos o Euro-2021. Este é um deles.
É um prazer ver em acção o futebol de ataque dos ingleses. O quarteto composto por Sterling, Mount, Foden e Kane teve ontem 25 minutos iniciais estonteantes no confronto com a Croácia em Wembley. Infelizmente sem reflexos no marcador: o melhor que conseguiram foi um tiro aos ferros, disparado aos 6' por Foden, craque do City.
A Croácia tem um fio de jogo semelhante ao português: gosta de transportar a bola e cultiva o passe curto. Falta-lhe, no entanto, poder de fogo lá na frente: o primeiro remate, assinado pelo capitão Modric de meia distância, ocorreu só aos 55'.
O público presente nas bancadas empurrava a sua selecção, procurando desfazer um mito: nunca os ingleses haviam vencido um desafio inaugural de fases finais, tanto no Mundial como no Europeu. Uma tradição que se manteve tempo de mais.
Kane arrastava os defesas adversários, Mount funcionava como acelerador, Sterling confirmava a sua fabulosa capacidade de desmarcação. E foi numa destas manobras ofensivas desenhadas a régua e esquadro que surgiu o golo do triunfo inglês: Kalvin Phillips, numa digonal perfeita, coloca a bola em Sterling, que não perdoou, antecipando-se ao guarda-redes. Era o minuto 57, estava fixado o resultado. As tradições, muitas vezes, servem para isto mesmo: para serem desfeitas.
Para um sportinguista, o Áustria-Macedónia do Norte, ontem disputado em Bucareste, tinha como principal atractivo ver actual Ristovski, ex-lateral direito em Alvalade. Ao serviço do seu país, mantém as qualidades e defeitos que revelou de verde e branco: combativo, voluntarioso, indisciplinado.
Vitória natural dos austríacos, capitaneados pelo astro Alaba, que não tardará a estrear-se no Real Madrid. Há jogadores que fazem sempre a diferença em campo: é o caso deste lateral-esquerdo, um dos melhores do mundo em actividade. Destaque também para o médio Sabitzer: grande exibição a servir os parceiros lá na frente.
Numa partida debaixo de chuva, uma das figuras em foco foi o capitão Pandev, que aos 28' marcou o golo inaugural da Macedónia do Norte numa fase final de uma grande competição futebolística. Passa à história ainda antes de festejar o 38.º aniversário: é um dos jogadores mais velhos neste europeu.
Depois da concludente vitória da selecção nacional contra a vice-campeã mundial Croácia, goleada ontem à noite por 4-1 no estádio do Dragão, já na campanha para a nossa revalidação do título da Liga das Nações, pus-me a pensar: Fernando Santos é, provavelmente, o melhor seleccionador português de sempre.
A malfadada crise no Sporting e as constantes erupções noticiosas provocadas por Bruno de Carvalho fizeram-me prestar muito menos atenção a este Campeonato do Mundo do que eu desejaria. E a ter quase tempo nenhum para escrever sobre os desafios que pude ver.
Acontece que as "minhas" equipas foram ficando pelo caminho. Primeiro, a selecção nacional: tombou nos oitavos-de-final, muito aquém dos pergaminhos que tinha a obrigação de defender enquanto campeã europeia em título.
Depois, a selecção que fez tombar a nossa - o Uruguai de Cavani, Godín, Betancur e Luis Suárez. Infelizmente sucumbiu nos quartos-de-final, frente à matreira França.
Optei então pela Bélgica, cujo futebol tanto me seduziu no Mundial - sobretudo nas partidas contra o Japão (3-2) e o Brasil (2-1), duas das melhores deste certame, onde não faltaram jogos cheios de emoção. Courtois, Chadli, Fellaini, Lukaku, De Bruyne e o sagaz capitão Hazard, entre outros, deslumbraram-me com o seu talento em estado puro, não subjugado ao colete-de-forças dos "imperativos tácticos". Azar: também eles caíram aos pés da manhosa França, na fatídica meia-final em que perderam por 0-1. Valeu-lhes, como consolação, a subida ao pódio após vencerem a sobreavaliada selecção inglesa, no desafio para o apuramento do terceiro lugar (triunfo indiscutível por 2-0).
Hoje, ao cair do pano deste Mundial 2018, torci abertamente pela Croácia - que, a par da Bélgica, apresentou o mais belo futebol exibido nos relvados russos. Com merecidas vitórias sobre a selecção anfitriã (após desempate por grandes penalidades) e a Inglaterra (2-1)
Luka Modric: aos 32 anos, o melhor jogador do Mundial 2018
Na final, os croatas apresentaram-se perante os franceses com menos 24 horas de descanso e um desgaste suplementar causado pelo facto de terem disputado prolongamentos nas três partidas anteriores - o equivalente a 90 minutos extra de jogo.
Com a ajuda de um árbitro sem categoria, que ofereceu à França um livre mais que duvidoso do qual nasceu o primeiro golo, seguido de um penálti que suscita dúvidas, a segunda maior potência económica da eurozona, com 67 milhões de habitantes, venceu a selecção da Croácia, país cuja população pouco ultrapassa os 4 milhões.
Venceu por 4-2, mas não (me) convenceu. O forte desta França - que assim se redime da derrota com Portugal, há dois anos, na final do Europeu - é a organização colectiva. Mas sem nunca ter praticado um futebol digno de incondicional aplauso. É verdade que Griezmann esteve impecável nas bolas paradas, Umtiti e Varane foram sólidos no bloco defensivo, Kanté destacou-se como o melhor médio defensivo do torneio e Pavard foi uma revelação como lateral direito. Mas só Mbappé, a espaços, soube exibir a fantasia criativa de que é feita a verdadeira história dos melhores Mundiais.
A Croácia, pelo contrário, perdeu mas convenceu. Como a Holanda de 1974, finalista derrotada. Como o Brasil de 1982, que não passou dos quartos. Como a Holanda de há quatro anos, que se ficou pelo terceiro posto.
Capitão, médio criativo, incansável cérebro e pulmão da equipa, inequívoco maestro da combativa selecção croata, que atingiu o melhor resultado de sempre: só por ele, já teria valido a pena ver o Mundial.
Mbappé, melhor jogador sub-20: uma estrela em ascensão
Com as grandes estrelas prematuramente afastadas (Cristiano Ronaldo, Messi, Neymar, Lewandowski, Salah, Kroos, James Rodríguez, Iniesta), o croata do Real Madrid emergiu como a grande figura, apesar de ter marcado apenas dois golos (mais dois nas rondas dos desempates por penáltis, frente à Dinamarca e à Rússia).
Tão cedo não nos esqueceremos dele. Tal como de Ratikic, Vida, Perisic, Kovacic e Mandzukic, entre outros.
Quanto a Mbappé, eleito melhor jogador jovem do Mundial 2018, considero que se trata também de um justo galardão. Tem apenas 19 anos, é um futebolista ainda em formação. Merece este incentivo, na expectativa de que no Campeonato da Europa de 2020 possa confirmar os atributos que agora deixou antever. Por mim, aposto nele.
Fernando Santos deve ler o És a Nossa Fé. A equipa que hoje escalou, para o confronto com a Croácia em Lens, corresponde àquilo que vários de nós vínhamos reivindicando aqui desde o primeiro dia e satisfaz o desejo que exprimi neste bilhete que lhe enderecei há 48 horas.
Finalmente, com Raphael Guerreiro e Cédric nas alas e Adrien no miolo, Portugal fez o seu melhor jogo do ponto de vista táctico, mostrando-se uma equipa compacta e solidária, sabendo fechar as linhas e onde nunca faltavam jogadores a fazer dobras e ganhar segundas bolas. Com um bloco defensivo coeso, onde José Fonte ocupou o lugar antes confiado ao desgastado Ricardo Carvalho, e um meio-campo quase sem falhas, valorizado pela ausência de João Moutinho.
Valeu a pena? Tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Vencemos pela primeira vez uma partida no Campeonato da Europa que se disputa em França, derrubando a selecção que no jogo anterior vencera a favorita Espanha e dispôs de mais dois dias de descanso do que os portugueses. Ninguém diria, vendo os nossos jogadores actuar em tão boa forma física. Com um superlativo Pepe, que destaco como o melhor em campo.
Cristiano Ronaldo, muito marcado, pareceu ausente durante grande parte do encontro. Mas na hora decisiva lá estava ele, aproveitando bem uma diagonal aberta por Nani e rematando por instinto, com força suficiente para o guarda-redes croata largar a bola, o que permitiu a recarga vitóriosa de Quaresma, estreante a marcar em fases finais de Europeus. Já os 90 minutos regulamentares se tinham escoado e muitos pensavam na roleta dos penáltis. Iam decorridos 117 minutos: milhões de portugueses soltaram em uníssono um grito eufórico, festejando um golo surgido um minuto após uma bola da Croácia ter embatido no poste direito da nossa baliza. Era caso para isso: nunca até hoje Portugal tinha vencido num prolongamento de uma grande competição de futebol.
Muitos comentadores cá desta banda não confiavam num resultado desses, apressando-se a vaticinar o regresso da equipa das quinas a casa. Enganaram-se, felizmente. Na próxima quinta-feira, pelas 20 horas, vamos disputar os quartos-de-final com a Polónia em Marselha. De cabeça levantada, pois claro. Há que continuar a olhar em frente.
Portugal, 1 - Croácia, 0
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Os jogadores portugueses, um a um:
Rui Patrício - Na hora da verdade, quando foi necessário, ele esteve lá - atento, concentrado, muito seguro. Tomando bem conta da baliza portuguesa, que desta vez manteve as redes invioláveis. Com alguma sorte e muito mérito.
Cédric - Ao nosso quarto jogo, entrou enfim para ocupar a lateral direita. Com vantagem óbvia para a equipa, tanto na segurança do processo defensivo, em que travou Perisic, como na qualidade da movimentação atacante. Com um pulmão inesgotável.
Pepe - Fez o único remate português da primeira parte, cabeceando sobre a barra. Anulou o ímpeto ofensivo croata, cortou tudo quanto havia a cortar na sua área de intervenção. Num desses lances, aos 111', galgou dezenas de metros com a bola controlada, conduzindo o contra-ataque. O melhor em campo.
José Fonte - Outra estreia nesta fase final do Euro. Cumpriu a missão que lhe estava destinada, com menos qualidade técnica que Pepe na reposição da bola. Prático e descomplexado, não se preocupou em jogar bonito mas em ser eficaz.
Raphael Guerreiro - Regressou em boa hora ao onze titular após ter superado os problemas musculares, com uma das melhores exibições da selecção. Impecável na cobertura e no desarme. Venceu todos os confrontos individuais.
William Carvalho - Evidenciou novamente as qualidades que o tornaram imprescindível no Sporting: precisão de passe e capacidade de recuperação da bola. Anulou Rakitic, um dos craques croatas. Memorável, o lançamento longo para Ronaldo, de 50 metros, aos 67'.
Adrien - Se Motric mal se viu no jogo, isto deve-se em boa parte ao médio leonino, que lhe deu luta com êxito, equilibrando o meio-campo a nosso favor. No melhor passe do jogo, aos 63', lançou Nani, que viria a ser carregado na grande área. Saiu aos 108'.
André Gomes - Voltou a revelar má forma física. Ainda assim, Fernando Santos insistiu em mantê-lo em campo até aos 50'. De pouco valeu. Viria a dar lugar a Renato Sanches, com vantagem óbvia para a equipa.
João Mário - Muito mais discreto do que na actuação frente à Áustria, prisioneiro da estratégia de contenção da equipa frente à Croácia, que fez aumentar a distância entre o meio-campo e o sector mais avançado. Foi rendido por Quaresma aos 87'.
Nani - Sem a influência revelada noutros desafios, interveio nos nossos dois lances mais perigosos. Primeiro, a passe de Adrien, foi carregado em falta na grande área croata sem o árbitro assinalar penálti. Depois, na jogada do golo, fez uma semi-assistência para Ronaldo.
Cristiano Ronaldo - Muito isolado, muito marcado, sem ser bem servido, encostado em excesso à linha no primeiro tempo. Mas apareceu quando era preciso, no lance decisivo do encontro, com uma rápida desmarcação e um remate forte. Parecia meio golo. E foi.
Renato Sanches - Rendeu André Gomes e foi superior enquanto transportador de jogo - veloz, imaginativo e com passes verticais que colocaram a Croácia em sentido. Interveio bem no lance do golo, temporizando e soltando a bola para Nani.
Quaresma - Continua a ser o talismã da selecção. Substituiu João Mário aos 87' e logo fez a diferença com os seus desequillíbrios junto à lateral e a qualidade da sua posse de bola. Num jogo em que só fizemos dois remates à baliza, o segundo foi dele. O do golo.
Danilo - Substituiu Adrien aos 108', quando o seleccionador parecia temer mais que nunca um golo croata. Soube reter a bola, introduzindo alguma frescura e tranquilidade à equipa.
Apanhar a Croácia nos oitavos de final do Euro é um tremendo azar mas a eliminação na primeira fase seria ainda mais chato. Os croatas evoluíram muito desde 1996, quando se estrearam num Euro (e já tinham Suker, Boban ou Prosinecki) e foram derrotados 3-0 por Portugal e têm um plantel de grande qualidade, uma equipa com fino recorte técnicos e jogadores espalhados por equipas como Real Madrid, Barcelona ou Inter.
Na baliza mora Subasic do Mónaco. É um keeper de grande classe e dá segurança. Na defesa, os guerreiros Corluka (Lokomotiv) e Vida (Dinamo Kiev) são fisicamente fortes e metem respeito. São lentos e é disso mesmo que Nani se tentará aproveitar.
Nas alas, dois senhores. A caminhar para o fim da carreira, Srna, eterno capitão do Shaktar e atual capitão da sua seleção, atua na direita e é exímio marcador de bolas paradas. Na esquerda, joga Vrsaljko, que se prepara para trocar o Sassuolo pelo Atlético de Madrid e é um dos mais interessantes laterais da Europa. Como segundas opções há Jevdaj (Leverkusen), Strinic ou Schildenfeld (Dinamo Zabreg).
No meio campo, um elenco do luxo. Badelj (Fiorentina) é o homem mais recuado e a garantia de músculo. Ao lado tem Brozovic (Inter), mais técnico. Rakitic (Barcelona), Modric (Real Madrid) e Perisic (Inter) formam o trio dourado, a partir do qual todo o jogo ofensivo se desenrola.
Na frente, Mandzukic (Juventus) é o avançado. As alternativas ofensivas são a jovem estrela Pjaca (Dinamo Zabreg, associado a Milan e Benfica), Kramaric (Hoffenheim) ou Kalinic (Fiorentina), autor de um golo de calcanhar ante de Espanha e de umas bocas a Portugal que darão muito gozo rebater. Com golos.
Só uma equipa portuguesa muito segura na defesa (especial atenção às alas que estiveram desastradas no último jogo); com um meio campo de alta rotação (Moutinho e Gomes, nas suas atuais versões não cabem aqui) e um ataque assertivo podem passar a Croácia, que tem contra si o menor traquejo quando comparada contra equipas como Alemanha, Itália ou Espanha. Portugal deverá continuar no seu 4-4-2, apostando na versão “diamante” ou “losango” que resulta menos mal do que o 4-4-2 mais tradicional.
Na baliza, teremos Patrício. Nas alas, Raphael regressa e na direita seria bom ter Cédric, bem mais rotinado na posição e fisicamente fresco. No centro, Pepe tem estado relativamente bem e era bom que Fonte jogasse, permitindo a Carvalho descansar. O central do Mónaco tem 38 anos e fazer 4 jogos em tão pouco tempo poderá ser de mais (com a Hungria acusou cansaço e lentidão). Para o meio, William deve manter-se na posição seis. A médios interiores, João Mário é a opção para a direita. Na esquerda, seria desejável deixar Gomes de fora. O médio do Valência está mal fisicamente e pouco tem rendido na esquerda. A solução ideal seria apostar num homem mais ofensivo como Rafa ou Quaresma. Sanches poderá ser uma boa opção também, uma vez que mexeu com o jogo na quarta-feira.
Atrás dos avançados, Moutinho tem sido quase nulo. Adrien, com zero minutos na competição, seria a melhor opção. Tem experiência e qualidade mais do que suficientes. Para além de um bom remate que daria jeito. No ataque, é certo que a aposta será Ronaldo acompanhado por Nani. Face às características dos centrais e mesmo de Badelj, Nani será um homem essencial.
A certeza é só uma: só um Portugal muito diferente do da primeira fase pode sonhar com a vitória sobre os croatas, uma das equipas que melhor futebol praticam nesta competição.
Saiu do campeonato a primeira das minhas equipas favoritas (tenho mais duas, ou três, vá: a Bélgica e a Argentina; normalmente gosto da Holanda, mas este ano jogam de uma maneira esquisita). Quando digo favoritas, não é que aposte que vão ganhar. É que gosto especialmente de as ver jogar. A primeira a sair foi a Croácia. Não vamos voltar a ver neste campeonato jogadores de meio-campo como Modric e Rakitic. Mesmo Pirlo, sendo parecido, é diferente. Na realidade, já não se vêem muitos jogadores assim. As marcações à zona e a pressão alta que toda a gente agora pratica de uma forma ou outra tornaram a sua vida muito difícil, sobretudo quando as equipas são muito dependentes deles. Era o caso da Croácia. Mesmo assim, no final, fiquei com a impressão de que com outro treinador teriam ido mais longe.
Imaginem só, por momentos, o que sucederia se Portugal tivesse feito em campo a triste figura que ontem fizeram os brasileiros, levados ao colo por um árbitro inepto na jornada inaugural do Campeonato do Mundo: logo certas aves canoras do torrão luso poisariam nas pantalhas a clamar contra tão clamoroso atentado à "verdade desportiva", com trinados em louvor das "novas tecnologias" que tardam em ser implantadas pelos sobas da toda-poderosa UEFA pilotada por monsieur Platini mas já perfilhadas pela FIFA do imarcescível senhor Blatter.
Como é São Brasil que está em jogo e os rapazes comandados pelos sargentão Scolari têm vindo a ser idolatrados cá na paróquia em reportagens da treta servidas ao domicílio de manhã à noite, entronizados como antecipados campeões da festa mundial do desporto-rei, as tais aves assobiam para o lado. Não se escandalizam com coisa nenhuma que vá além de Badajoz.
Eu sei que o escrete canarinho joga em casa, mas convém não abusar. O que ontem à noite aconteceu no Brasil-Croácia é um péssimo cartão de visita ao futebol. Se sonham com campeões antecipados, como parecem querer as nossas queridas televisões, elejam-nos por supremo decreto da sacrossanta FIFA. Ou por televoto, em honra e louvor das "novas tecnologias".
A Arena de São Paulo parecia um daqueles combates desiguais da velha Roma entre gladiadores e leões, com o juiz da partida - o japonês Nishimura Yuichi - investido da missão de virar o polegar para baixo. A traçar o destino dos gladiadores croatas.
Permitam-me a pergunta: desde logo, um japonês porquê? Alguém conhece os preciosos contributos do Japão para o desenvolvimento e prestígio do futebol à escala planetária?
A verdade é que Neymar, minutos antes do golo inaugural do torneio, devia ter sido expulso por óbvia agressão a Luka Modric, o melhor dos croatas. No entanto só viu o cartão amarelo, quase com direito a vénia pela conduta antidesportiva: foi fácil perceber que o moço está pronto a ser entronizado como vulto maior deste Mundial.
Nesse momento o campo estava apenas ligeiramente inclinado. Mas o apitador nipónico encarregou-se de facilitar ainda mais a vida aos brasileiros. Primeiro ao inventar um penálti mal viu Fred cair na grande área croata, como se respondesse pelo nome de Capela Yuichi ou Nishimura Xistra - um penálti que o craque Neymar esteve quase a falhar. Depois ao validar o terceiro golo, marcado por Oscar (o melhor brasileiro em campo), claramente precedido de falta - não assinalada, para evitar novos tumultos populares em São Paulo e no Rio.
A tecnologia de ponta chegou à Copa, com o novíssimo olho de falcão a vigiar as balizas. Nada a fazer, porém, perante a incompetência - velha como o mundo.
Tudo está bem quando acaba bem. Resultados à la carte, como este, são sempre preferíveis à angustiante incerteza da roleta do marcador, propícia a ataques de ansiedade.
Na tribuna central, sentado a poucos metros da esfuziante Presidenta Dilma Roussell, o senhor Blatter sorria. Tinha bons motivos para isso: tudo decorreu de acordo com o guião. Como escreveu acertadamente a Marca, "contra o caseirismo não há olho de falcão que valha". Estava escrito nos astros que a vitória caberia ao Brasil neste estádio do Corinthians. E assim foi.
Parece que o primeiro jogo do Campeonato do Mundo deu o tom: sempre que o Brasil precisar, mão amiga virá amparar os meninos. O melhor do jogo: o meio-campo da Croácia; foram dos pés de Modric e Rakitic que saíram as únicas verdadeiras jogadas dignas do nome.
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