Na cauda da absurda «poeira jurídica» que proferiu sobre o regulamento dos empréstimos, o Conselho de Justiça da FPF concedeu provimento parcial ao recurso interposto por Luís Filipe Vieira, reduzindo o castigo inicial de 45 dias e 2500 euros para um mês de suspensão e 1000 euros de multa, pelas suas declarações no final do Benfica - Sporting da 11.ª jornada da época passada. Como o orgão judicial federativo põe e dispõe ao seu belo prazer sem a obrigatoriedade de explanar as suas decisões, ficam no ar os específicos da apreciação intelectual que terão precipitado este sábio juízo, com a inferência de que as contra-razões que foram argumentadas no processo de recurso não anularam a totalidade da severidade das declarações proferidas, mas que a reduziram a um nível suficientemente «afável» para justificar um «desconto» de 1,500 euros e 15 dias.
É caso para ficar com a ideia de que o Conselho de Justiça da FPF tomou a decisão de fingir que tudo aquilo que até então havia entrado na sua mente colectiva, não era mais verdadeiro do que as ilusões dos seus desejos.
Num post que publiquei intitulado «O que dizem eles», no qual comentei as declarações de algumas figuras públicas sobre a decisão do Conselho de Justiça da FPF, relativamente à proibição dos empréstimos no futebol português, citei esta do dr. José Manuel Meirim: «A decisão é clara e significa o fim da proibição ao cancelamento dos empréstimos». A minha observação: «E quem andar à chuva, molha-se. Foi necessário consultar um especialista em Direito para nos dizer isto? É evidente que o mais importante, pelos seus conhecimentos jurídicos, ficou por dizer, para não contrariar a maré ».
As comunicações electrónicas facultam um certo anonimato aos leitores, pelos seus comentários. Recebi um, identificando-se como José Manuel Meirim, e não obstante alguma apreensão da minha parte, quanto à sua genuinidade, transcrevo-o neste espaço e respondo:
«Não tenho por hábito interferir nas opiniões sobre a minha pessoa e afirmações. Por uma questão de reposição da verdade - os comentários são, na maioria das vezes, efectuados com total desconhecimento do contexto - devo acrescentar algo aos leitores e comentaristas deste blogue. A única pergunta que me foi feita pelos jornalistas - no desconhecimento dos fundamentos da decisão do CJ - só tinha aquela resposta. Não sou responsável pelo que me perguntam. Apenas sou responsável pelo que respondo. De todo modo, trazido a debate um denominado princípio da liberdade de trabalho, não vejo como o mesmo fica afectado com a proibição das cedências nos termos da norma da LPFP. Tal princípio funciona, em pleno, no momento em que os clubes que querem ser cedentes contratam os jogadores. A partir daí, com a liberdade de acesso ao trabalho assegurada, não vejo como a proibição da cedência, como configurada, ofende tal princípio. Se os clubes os contratam, porque não ficam com eles ? Obrigado. José Manuel Meirim».
Resposta:
Caro Dr. José Manuel Meirim,
Subscrevo inteiramente as suas palavras, não obstante o reparo algo derrogatório, e pelo que agora se verifica, injusto, que dirigi à sua pessoa, pela frase «no que ficou por dizer, para não contrariar a maré». Apenas a modo de explicação, esta crítica deve-se, fundamentalmente, à minha óptica pessoal e sportinguista há muito influenciada pelas anormalidades que ocorrem com exasperante frequência no futebol português, invariavelmente em seu detrimento e, colateralmente, do Sporting. Apresento-lhe as minhas sinceras desculpas pela incorrecta presunção, muito embora nunca tenha duvidado do seu real parecer no que diz respeito à essência jurídica da alegada «limitação de livre acesso a trabalho», assim noticiada como a principal justificação do Conselho de Justiça da FPF, ao dar provimento ao recurso apresentado pelo Benfica. Em última análise, a sua apreciação do caso corrobora a minha, por outras palavras.
Ao longo dos anos já passaram pela minha frente muitas decisões judiciais desprovidas de razão e de bom senso, mas esta do Conselho de Justiça da FPF a dar provimento ao recurso do Benfica, sobre o impedimento aos empréstimos de jogadores dentro da mesma divisão, atinge novos patamares de absurdidade. O teor completo do juízo ainda não é conhecido, mas por o que foi noticiado, a justificação principal assenta-se na risória premissa de que o regulamento aprovado pelos clubes na Assembleia Geral da Liga «limitaria o princípio de livre acesso a trabalho». Nem sequer me vou dar ao trabalho de elaborar um qualquer argumento quanto à nulidade desta premissa, transparente na sua intenção de «atirar poeira jurídica para os olhos». No que ao Benfica concerne - uma vez que foi a entidade que apresentou o recurso e que na época passada emprestou 29 jogadores estrangeiros - esta decisão infere, explicitamente, que o conselho federativo português atribui a si dispensação jurisdicional para deliberar sobre «o princípio de livre acesso a trabalho» de cidadãos do Brasil, Suécia, Eslovénia, Uruguai, Paraguai, Argentina, e Cabo Verde, só para nomear alguns, num contexto generalizado e ignorando o enquadramento real e legal relevante a esta ocorrência laboral.
De qualquer modo, o que aconteceu, na realidade, foi que o voto legítimo e democrático da Assembleia Geral da Liga lesou os interesses partidários de uma minoria - leia-se, Benfica e FC Porto - e, daí, a necessidade de encaminhar o processo para outro fórum onde as influências obscuras poderiam agir em todo o seu esplendor, à conveniência. Gostaria de ver os clubes recorrerem desta decisão mas duvido que aconteça. O mais provável, à boa portuguesa, é alcançarem um qualquer entendimento para aplacar as vozes mais ruídosas e satisfazer os mesmos interesses. Não posso dizer que fiquei pasmado pela decisão, mas lamento verificar que mais uma vez o futebol português foi traído.
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