Depois de amanhã, domingo, vamos eleger os deputados da próxima legislatura. Vale a pena apelar ao voto, que é não apenas um direito mas um dever dos cidadãos portugueses. Um direito que - convém não esquecer - custou muito a conquistar. E que em 2024 continua a ser negado a centenas de milhões de pessoas em todo o mundo. Motivo acrescido para o valorizarmos entre nós.
Este blogue não se ocupa de temas políticos. Mas, além da enunciação de princípios genéricos que faço no parágrafo anterior, parece-me interessante deixar aqui um desfile dos líderes dos partidos com representação parlamentar que se apresentam neste escrutínio. Apenas numa vertente: a sua filiação clubística.
Mera curiosidade minha, daí a pesquisa que fiz para o efeito. E que talvez interesse também aos nossos leitores nesta véspera do dia de reflexão. Os nomes seguem por ordem alfabética, o mais isento de todos os critérios.
A notícia está no Record, e será já do conhecimento de muitos. Mas aqui fica: um miúdo de nove anos, adepto do Atlético de Madrid, chorou aquando da recente derrota diante do Real Madrid, naquele torneio das arábias. O pai escreveu-lhe esta carta (que abaixo transcrevo, traduzida, retirada do jornal). Um pai como deve ser. E seria bom que muitos dissessem também: "um vizinho como deve ser". Pois de Espanha também vem bom vento e bom casamento ...
"Gonzalo, filho, ser do Atlético é duro, vais entender isso. Fácil é ser do Barça ou do Real Madrid. Dá os parabéns ao Adrian ou a outro qualquer porque um dia vamos vingar-nos. O futebol é um sentimento. É um orgulho para mim que sintas tanto o Atlético. Mas o importante é estudar, amar quem te é mais próximo, ser uma boa pessoa ... Não discutas por causa do futebol, ao fim ao cabo é uma maneira de nos divertirmos, de fazer amigos, de ser uma boa pessoa, que é o que me interessa, é dar os parabéns ao rival. Se não fosse pelo Courtois teriam perdido, estamos mais perto do que eles pensam. Vais sofrer muito com o Atlético, mas quando ganharmos algo, vais desfrutar o triplo. Adoro-te"
Durante os últimos 19 dias vivi num turbilhão de emoções. Deixei de ir a Alvalade, não vi alguns dos jogos do Sporting, senti-me (quase) distante do clube.
Tudo porque o velho leão estava ferido e havia que recuperá-lo, conforme por aqui fui anunciando.
Ontem, finalmente, foi dia do velho leão regressar a casa.
Por isso é tempo de uma forma humilde agradecer a todos quantos por aqui me desejaram as melhoras do meu pai. E foram muitos, muitos mesmo. Amigos deste blogue, leitores e comentadores adeptos do Sporting e de outros clubes.
Provou-se que na hora da solidariedade humana não há clubismos! Fiquei deveras sensibilizado.
Por antipático que isto pareça no âmbito deste blog, não "É ao Sporting que devo lealdade e fidelidade", como exaltadamente (e quem não está exaltado nestes dias?) diz o Pedro Bello Moraes. Devo "lealdade ..." indiscutível à Pátria, à minha família, ao meu parentesco espiritual (os meus amigos). E devo lealdade a quem me rodeia, como ser humano, e de forma mais explícita no âmbito das relações laborais. [E junto, tipo nota de rodapé, que abomino o conceito de fidelidade, que entre pessoas é o refúgio dos medíocres - deixemos agora de fora a vida conjugal, que cada um a viva como quer].
O Sporting é um clube, uma associação desportiva, e estas grandes proclamações muito absolutas e grandiloquentes casam bem com a tal exaltação, nos eventos desportivos e nestes difíceis momentos. Mas não, nada mesmo, na normalidade do dia-a-dia. Pois, de facto, confundem valores, mostram até algum vazio de valores. Alguns contestarão isto, reclamarão a sua paixão imorredoira pelo clube. Mas se lhes aparecer um vizinho a dizer, com grande ênfase, jorrando perdigotos, como se falasse de um qualquer Padroado, "eu devo lealdade e fidelidade ao Olivais e Moscavide" ou a um outro qualquer "Santa Marta de Penaguião Futebol Clube" decerto que sorrirão, tal o descabido, até ridículo, da afirmação. Mas é exactamente a mesma coisa com qualquer associação desportiva. Que cada um exerça a paixão clubística à sua maneira, mas que se lhe exija um tino de cidadania, uma perspicácia sobre a relevância relativa daquilo que nos rodeia.
Avanço isto na sequência do texto do Filipe Moura, com o qual concordo em quase tudo. O que se passa no Sporting ultrapassa em muito a questão clubística - ainda que esta seja tão sonante e premente que nos monopolize a atenção. No clube, grande instituição nacional, de enorme influência formativa entre os seus adeptos e em toda a sociedade, predomina uma soez cultura anti-democrática. Bruno de Carvalho despreza a liberdade e pluralidade de opiniões internas (veja-se o miserável trabalho do sector informativo interno), a diversidade da sociedade ("bardamerda para os que não são do Sporting"), e o primado da lei (a rábula das assembleias e dos órgãos dirigentes).
Mais repugnante do que isso, mas inserível no mesmo modo de "ver o mundo", é como olha as relações laborais. BdC entende-se patrão, numa concepção que atribui ao patronato o direito ao assédio ("assédio" não é apenas "assédio sexual", essa questão actual) aos trabalhadores, a sobre-pressão, o desrespeito, moral e profissional. O relevo dado ao futebol mostra-a, mas a recente publicação da vergonhosa mensagem do presidente aos jogadores de hóquei ainda a explicita mais. O assédio laboral é um crime, ilegal e imoral. Quem o pratica é indigno, não merece respeito. No que discordo de Filipe Moura (da letra do seu texto, julgo que não do seu espírito) é que o assédio não é só indesculpável por ser público (como o vem sendo no Sporting) mas é indesculpável, ilegal e imoral, em privado e em público. E também discordo quando diz que quem o sofre e não reage é imerecedor de respeito. Pois, ainda que haja procedimentos legais, enquadramentos sindicais, judiciais e associativos, que protegem os trabalhadores, muitos têm constrangimentos que os levam a aceitar inaceitáveis comportamentos de patronato ou de hierarquias laborais.
Alguns dirão que jogadores de futebol muito bem pagos não são credores da nossa simpatia num caso destes. Não é essa a questão. O que se passa é que BdC tem uma visão da realidade, do mundo laboral, do seu papel de administrador (que entende como de patrão "à antiga"), que é inadmissível. E, repito, ilegal e imoral. Retrógada, contrária ao desenvolvimento do país nas últimas décadas, à sua democratização - com todos os defeitos e insucessos que se lhe queiram assacar. Adversa aos valores sociais, jurídicos, religiosos, políticos, dominantes. E, como tal, inadmissíveis na figura de um presidente de uma instituição com o peso do Sporting, com a sua dimensão formativa. Independentemente dos triunfos nas modalidades desportivas, futebol incluído. Independentemente dos hipotéticos sucessos económico-financeiros. Pois Bruno de Carvalho, com a visão de sociedade que tem, é uma persona non grata num país democrático e civilizado.
É lamentável o apreço que muitos ainda têm, ou tiveram até há pouco, por este seu entendimento. Mas é analisável. Neste blog vejo um pequeno excerto deles, alguns com grande iliteracia (talvez fingida no aspecto gramatical, mas óbvia na dimensão intelectual). E na imprensa encontra-se o seu eco. Os adeptos desta maneira de ver o mundo, do destratamento nas relações laborais, será gente que está fora das relações laborais institucionalizadas, geridas sob direitos e deveres regulamentados, com instâncias de recurso. Muitos, os tais "jovens" de que se falou aquando das prisões entre-claques, integrarão nichos de economia paralela, marginal até, subterrânea. Reforçada no desemprego que grassou no país. Que funciona(rá) com relações laborais, vínculos operacionais, estabelecidos sobre relações pessoalizadas, discricionárias, essas sim apelando à tal "fidelidade". E assim desconhecedores das culturas laborais institucionalizadas. Muito menos violentas, e saudavelmente protectoras dos trabalhadores. Também para obstar a esta pobre visão da sociedade, para compreensão dos direitos dos indivíduos, é importante que grandes clubes não reproduzam os pérfidos valores sociais que gente como Bruno de Carvalho assume.
Por tudo isto, por apreço ao país, ao seu desenvolvimento, a todos nós, às nossas liberdades individuais, tem que haver limites. Que são éticos. Escrever em blogs colectivos - como o faço há uma década - presume sempre uma solidariedade entre co-bloguistas, na expressão de valores e opiniões diferentes. Acontece que isto se me suspende diante da notícia das rescisões dos jogadores de futebol, trabalhadores do Sporting, na sequência do inadmissível, anti-democrático, repugnante e continuado assédio (bullying) praticado pelo presidente. Quando numa situação destas leio Edmundo Gonçalves, que tem aqui escrito imensa coisa sobre o clube com a qual discordo, chamar, com tudo de pejorativo que no seu português isso explicita, "refractários" aos jogadores, isso cruza a linha do admissível. Mostra uma vil concepção de sociedade, de trabalho, de responsabilidade individual. Mostra o quão anti-democrático é o locutor. O (um) clube não une quem tem tão diferentes valores, tão diferentes ideias de sociedade, de "lealdade". E, estou certo, não é no meu lado que habita a abjecção moral. É no dele, e no de quem, seja lá qual for o clube com que simpatiza, com ele concorda.
Que os jogadores do Sporting, que tantas alegrias e expectativas me deram (podiam ter sido mais ...) sigam as suas carreiras com sucesso e saúde. Exercendo o seu livre-arbítrio. E que, se ainda for possível, regressem em muito breve ao Sporting. Se salvaguardadas as condições para o seu exercício profissional, respeitados, enquadrados pelo espírito da lei laboral e do bom viver democrático.
E que os meus caros co-adeptos (aqueles que sabem da dignidade humana, não os energúmenos fanatizados, que põem o clube acima da Pátria) não repitam a espantosa patetice de tantos benfiquistas, há alguns anos autênticas baratas-tontas porque um trabalhador legitimamente saído do seu clube decidiu, pelo "sagrado" (se há coisa que é sacralizável é isso mesmo) livre-arbítrio vir trabalhar para o rival. Tino, é o que nos tem faltado. A mim, e a pelo menos 86% dos votantes na maior eleição de sempre no Sporting. Recuperemos o tino. E apartemo-nos dos refractários à decência civilizada.
Futebol não é desporto, é peregrinação. É culto clubístico, não ópera. É território de amor e ódio, não um passatempo de domingo à tarde, cheio de bons sentimentos primaveris. É bifana e não bife, é imperial e não vinho, é escárnio, maldizer e não uma mesa bem posta com toalha de linho branco. Futebol é choro nas derrotas do nosso clube e êxtase nas derrotas do nosso rival. É crença em dias melhores e tristeza que nos cala quando passamos por uma época como esta. Sou completamente racional em tudo na vida, menos na bola. Com a bola. A ver a bola. Aliás, para memória futura aqui vos digo: eu nem gosto de bola. Só gosto do Sporting e em particular que o clube do outro lado da rua perca sempre. São duas faces da mesma moeda. Duas almas gémeas. Separá-las é tirar futebol ao meu futebol. Até consigo dizer que os outros jogam melhor, apontar-lhes grandes jogadores, conceder a sua dimensão. Não me peçam é mais do que isto. Jamais lhes darei os parabéns pelo que quer que seja ou desejar-lhes boa sorte num jogo internacional. Recuso-me a ver jogos na televisão entre eles, quanto mais ir à bola com um deles. Não tenho peças de roupa daquela cor e abandonei o leite parmalat no dia em que o resolveram estampar nas camisolas. Está já em curso a mudança de operador de electricidade e, evidentemente, sou alérgico a sagres. Sou mais feliz quando perdem, quando choram e quando andam calados. No dia em que me tirem esta rivalidade tiram-me um dos lados bons da vida: o meu futebol.
Foi um relativo prazer colaborar no És a Nossa Fé! Agradeço ao Pedro Correia o convite para aqui escrever. E fico a acarinhar a memória de um muito agradável jantar em Alvalade, aquando de uma deslocação a Portugal, onde pude conhecer vários dos co-bloguistas. Gentis.
Há várias formas de viver o clubismo. O meu é exarcebado. Motivo de prazer e, também, de humor. Intra-clubístico, inter-clubístico. Aceito (tenho que aceitar) que haja outras formas, cada um como cada qual.
Mas há um modo de clubismo que me chateia, desinteressa. O que vive no apelo à unicidade, que reclama o silêncio em prol do clube, como se este fosse majestade. E, pior do que tudo, como se ainda vivessemos em tempos de majestades. Absolutas. Silenciadoras.
E aqui, seja lá qual for o assunto sobre que se bote quase sempre logo aparece alguém apelando ao silêncio, até exigindo-o, pelo menos louvando-o. Sportinguistas, ou de outros clubes. Será, acredito, coisa do mundo da bola.
Blogo há nove anos. Já tive muitas (demasiadas) picardias in-blog. Mas nunca vi tantas invectivas, tanto elogio do silêncio como aqui. Nunca recebi, ou assisti, a tantas críticas ao facto de se escrever como aqui. E pouco tenho escrito, poucos comentários tenho recebido. É um pouco como se o mundo (dos espectadores) da bola fosse a última das caves dos censores.
Anteontem afivelei um sorriso e meti um pequeno texto, inimportante (como, afinal, tudo o que se liga ao futebol o é, que é essa a sua grandeza). Até os nossos putos andam desiludidos, vim partilhar. Logo, mais uma vez, me aparecem sportinguistas e não-sportinguistas resmungando porque se fala. Mesmo nesse pequeno registo, de conversa, mesa de café partilhada entre gente do clube, dos clubes. Como se isso prejudique alguém. Como se isso prejudique o(s) clube(s). Como, também, se o pequeno texto caracterize alguém, ou um grupo. Como, o que é recorrente aqui, os do Sporting sejam realmente diferentes dos do Benfica ou dos do Porto ou dos de outra coisa qualquer.
E não são. Não somos.
Vou perorar para outro lado. Para cafés onde não ofenda essas "identidades" tão firmes. Fixas. Vazias, acho eu, mas é só a minha opinião. Porque tudo isto, todos estes, pura e simplesmente me chateiam. E um gajo não bloga para se chatear.
Um abraço para todos os co-bloguistas. Tirando este salazarentismo e isto do hiper-clubismo, deshumorado, coisas que lhes são estranhas, foi um prazer ombrear com eles. E com elas.
Saudações leoninas.
{ Blogue fundado em 2012. }
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.