Fósforos...
Leio esta notícia, onde o presidente do Marítimo afirma que «Bruno de Carvalho é um semelhante a um fósforo. Na sequência das palavras do presidente do Sporting sobre os ‘fiéis’ escudeiros de Luís Filipe Vieira, referindo-se ao dirigente insular bem como António Salvador e Rui Pedro Soares, Carlos Pereira respondeu com uma analogia.
“Conhecem a história do fósforo? A sua cabeça acende e apaga com uma grande rapidez e facilidade. São situações fugazes, pois ele quer permanentemente andar na praça pública. Falta-lhe maturidade, pois é impetuoso na defesa do Sporting e revolucionou o clube com a sua forma de gestão. Mas não deixa de ser como… o fósforo. Acende e apaga com muita facilidade”, em declarações presentes no jornal Record.»
De facto, dou razão a Carlos Pereira pela comparação - um fósforo -, porém o desenvolvimento que dela faz fica muito aquém do esperado. Socorro-me de Laura Esquível, no seu livro «Como água para chocolate» (*) onde esta escritora faz um correcto desenvolvimento da importância do fósforo relacionado com as emoções humanas . Escreve a autora:
«- Em 1669, Brandt, químico de Hamburgo, à procura da pedra filosofal descobriu o fósforo. Ele julgava que ao unir o extracto da urina com um metal conseguiria transformá-lo em ouro. O que obteve foi um corpo luminoso por si próprio, que ardia com uma vivacidade desconhecida até então. Durante muito tempo obteve-se o fósforo calcinando bastante o resíduo da evaporação da urina numa retorta de terra cujo gargalo se mergulhava em água. Hoje extrai-se dos ossos dos animais, que contêm ácido fosfórico e cal.
O médico não descuidava a preparação dos fósforos pelo facto de falar. Dissociava sem qualquer problema a actividade mental da física, Podia até filosofar sobre aspectos muito profundos da vida sem que as suas mãos cometessem erros ou pausas. Portanto, continuou a manufacturar os fósforos enquanto conversava com Tita.
- Depois de se obter a massa para os fósforos, o passo seguinte é preparar o cartão. Numa libra de água dissolve-se uma de nitro e junta-se-lhe um pouco de açafrão para dar cor e banha-se o cartão nesta solução. Ao secar corta-se em pequenas tiras e a estas coloca-se-lhes um pouco de massa nas pontas. Põem-se a secar enterradas em areia.
Enquanto as tiras secavam, o médico mostrou uma experiência a Tita.
- Embora o fósforo não faça combustão com o oxigénio à temperatura ambiente, é susceptível de arder com grande rapidez a uma temperatura elevada, olhe...
O médico introduziu um pequeno pedaço de fósforo num tubo fechado num dos lados e cheio de mercúrio. Fez fundir o fósforo aproximando o tubo da chama de uma vela. Depois, através de uma pequena campânula de ensaios cheia de oxigénio fez passar muito lentamente o gás para a campânula. Assim que o oxigénio chegou à parte superior da campânula, onde se encontrava o fósforo fundido, deu-se uma combustão viva e instantânea, que os deslumbrou como se fosse um relâmpago.
- Como vê, todos temos no nosso interior os elementos necessários para produzir fósforo. Mais ainda, deixe-me dizer-lhe uma coisa que não confiei ainda a ninguém. A minha avó tinha uma teoria muito interessante, dizia que embora todos nasçamos com uma caixa de fósforos no nosso interior, não os podemos acender sozinhos, precisamos, como na experiência, de oxigénio e da ajuda de uma vela. Só que neste caso o oxigénio tem de vir, por exemplo, do hálito da pessoa amada; a vela pode ser qualquer tipo de alimento, música, caricia, palavra ou som que faça disparar o detonador e assim acender um dos fósforos. Por momentos sentir-nos-emos deslumbrados por uma intensa emoção. Dar-se-á no nosso interior um agradável calor que irá desaparecendo pouco a pouco conforme passa o tempo, até vir uma nova explosão que o reavive. Cada pessoa tem de descobrir quais são os seus detonadores para poder viver, pois a combustão que se dá quando um deles se acende é que alimenta a alma de energia. Por outras palavras, esta combustão é o seu alimento. Se uma pessoa não descobre a tempo quais são os seus próprios detonadores, a caixa de fósforos fica húmida e já nunca poderemos acender um único fósforo.
Se isso chegar a acontecer a alma foge do nosso corpo, caminha errante pelas trevas mais profundas procurando em vão encontrar alimento sozinha, não sabendo que só o corpo que deixou inerme, cheio de frio, é o único que poderia dar-lho.»
Lamenta-se pois que, utilizando o universo desta escritora, para Carlos Pereira o Marítimo não seja o "oxigénio" que necessita para acender os seus fósforos, assim como o Sporting o é para Bruno de Carvalho.
(*) ESQUIVEL, Laura, 1950 - Como água para chocolate. 6ª ed. Porto : Asa, 1995. pp. 108, 109