Não me lembro de gestão tão caótica no futebol português. E não me falem na pandemia. A pandemia não pode servir de desculpa para tudo.
Primeiro anunciaram que haveria público nos estádios, na última jornada da Liga 2020/2021. A ministra da Presidência fez o anúncio no final de um Conselho de Ministros, alegando que seria um "evento-teste".
A seguir, vem-se a saber que os estádios continuarão interditos aos portugueses até ao último apito do último jogo deste campeonato. Descobriram à última hora que era necessário salvaguardar a equidade.
Anunciaram entretanto que a final da Champions voltaria a ser este ano em Portugal, no estádio do Dragão. Para júbilo do velho crocodilo, que logo lançou farpas a Lisboa. Como se Porto e Lisboa não fizessem parte do mesmo país.
Esta final da Liga dos Campeões terá público. Mas a final da Taça de Portugal será disputada com bancadas vazias, ao contrário do que chegou a admitir-se.
Esta noite aconteceu algo absolutamente inédito: quem apresenta aos jornalistas o novo treinador é o treinador que vai embora. Perante o silêncio sepulcral do presidente (que quis assumir o futebol), do director desportivo e do gestor do balneário.
Varandas, Viana e Beto deviam, a essa hora, estar a jogar à lerpa com o doutor Zenha. Com uma deselegância sem par perante o técnico cessante, o plantel e a própria massa adepta leonina. Como se esta lhes fosse olimpicamente indiferente.
As recentes (como hei-de chamar?) peripécias protagonizadas pelo presidente-demitido Bruno de Carvalho não surpreendem, pois para o clube, para o Sporting, ele pretende o caos.
A propósito de caos…
“Prokofiev, Concerto para Piano n.º 2, Finale
Evgeny Kissin, Piano
Serguei Prokofiev foi um dos grandes revolucionários do mundo da música. Compôs a sua primeira ópera aos nove anos, e quando era adolescente e frequentava o Conservatório de São Petersburgo já era considerado um dos grandes enfants terribles da música, compondo peças virtuosas e ferozmente dissonantes que deitavam por terra as convenções existentes relativas à tonalidade e conduziam inexoravelmente a música para um novo rumo.
Aprecio-o ainda mais porque recebeu críticas como esta no New York Times: «Os grilhões das relações entre acordes normais são ignorados. Ele é um psicólogo das emoções mais pérfidas. Ódio, desprezo, fúria – sobretudo fúria -, repulsa, desesperança, escárnio e provocação servem legitimamente de modelos para os estados de espírito.»
Genial.
Em 1912-1-1913 Prokofiev compôs um concerto para piano em memória de um amigo que se suicidou depois de lhe enviar uma carta de despedida. A música é tão surpreendente, tão irada tão irresistivelmente insana que, aquando da estreia, muitos dos presentes pensaram que ele estava a troçar deles. Continua a ser umas peças musicais mais difíceis do seu repertório, havendo apenas um punhado de pianistas suficientemente corajosos para a interpretar. Um chegou a partir um dedo ao interpretá-la ao vivo.
É a representação musical mais precisa do caos que jamais ouvi.”
In: RHODES, James - Instrumental. 1ª ed. [S.l.] : Alfaguara, 2017. p. 37
O presidente destituído, cada vez mais desacreditado, continua a fazer o papel do menino queixinhas, apontando a dedo tudo e todos, para evitar ser responsabilizado pelos seus próprios erros.
Vem desta vez fazer-se de vítima, atribuindo culpas à Comissão de Fiscalização, que acusa de querer inviabilizar a sua candidatura à presidência do Conselho Directivo do Sporting - que, quanto a mim, está condenada à partida. Como aliás ficará amplamente demonstrado nos próximos dias.
Acontece que, no rescaldo imediato do abominável ataque à Academia de Alcochete, Bruno de Carvalho foi reiteradas vezes aconselhado a demitir-se, proporcionando a convocação imediata de novo acto eleitoral para os órgãos sociais do Sporting, a que naturalmente se recandidataria. Não o fez, preferindo incorrer em ilegalidades várias, barricado no Edifício Visconde de Alvalade, na companhia de Carlos Vieira, Rui Caeiro e restantes comparsas.
Como quase sempre, preferiu extremar posições.
Como quase sempre, estava errado.
Preferiu o caminho mais difícil e penoso - para o clube, para os sócios e para ele mesmo. De tal maneira que acabou destituído, por vontade dos sócios, na assembleia geral de 23 de Junho. Uma reunião magna que procurou evitar a todo o custo sem perceber que já tinha perdido capacidade de iniciativa e se limitava a ir a reboque dos acontecimentos.
Só tem, portanto, de queixar-se de si próprio.
P. S. - A que propósito é que o chamado "núcleo de deputados sportinguistas na Assembleia da República" recebe com pompa o presidente destituído, no Palácio de São Bento, dando-lhe um crédito que ele não justifica nem merece? Será que os senhores legisladores não têm mesmo mais nada para fazer?
Lembram-se de que os carvalhistas andaram mais de um mês a seringar-nos os ouvidos dizendo que Jaime Marta Soares, apenas por ter anunciado a intenção de resignar ao cargo de presidente da Mesa da Assembleia Geral do Sporting, estava ipso facto destituído destas funções?
Pois esses mesmos metem a viola no saco ao constatarem que o seu guru escreveu ontem, na rede social a que está agarrado, estas lindas palavras: «Hoje deixei de ser para sempre sócio e adepto deste clube. A tristeza é tremenda mas a desilusão matou tudo. A minha carta de suspensão vitalícia de sócio segue segunda-feira [hoje] e nunca mais seguirei sequer os eventos desportivos do clube.»
Pela mesmíssima lógica, portanto, De Carvalho neste momento já não é presidente do Conselho Directivo, presidente da SAL leonina, sócio ou sequer adepto do Sporting. A menos que os carvalhistas digam agora, renegando tudo quando disseram antes, que proclamar a intenção de sair não equivale a sair. Assim imitam o triste exemplo do chefe, fazendo tábua rasa de todos os princípios da lógica, da coerência, do rigor e da verdade.
Bruno de Carvalho agiu conscientemente e reiteradamente à margem dos estatutos do Sporting, violando a lei fundamental que rege o clube.
Convocou duas assembleias gerais, para os dias 17 e 21 de Junho, sem o menor respaldo estatutário, plenamente consciente de que não poderia fazê-lo enquanto presidente do Conselho Directivo.
Nomeou uma putativa Comissão Transitória da Mesa da Assembleia Geral à revelia dos estatutos leoninos, que não prevêem tal órgão nem jamais autorizariam que emanasse do Conselho Directivo.
Negou validade à assembleia geral destituitiva convocada no quadro da mais estrita legalidade pelo presidente da Mesa da Assembleia Geral, tendo apenas sido forçado a aceitá-la por imposição do Tribunal da Comarca de Lisboa.
Anunciou a intenção de impugnar a expressiva vontade dos associados emanada através do voto livre e democrático na assembleia destitutiva de 23 de Junho, lançando o Sporting em nova onda de desvario e caos.
Feriu de forma grosseira o bom nome do próprio clube, em violação dos seus deveres de sócio leonino consagrados nas normas estatutárias com um texto que escreveu e publicou às 5.19 do dia 24 de Junho. Com expressões como esta: «Não quero fazer parte de um conjunto de cretinos que não valem o ar que respiram. Não me quero mais aproximar de uma elite bafienta e mal cheirosa que sempre dominou o Sporting Clube de Portugal!»
Face ao exposto, daqui apelo à Comissão de Fiscalização para que, no pleno uso das competências que lhe estão consagradas, abra um procedimento disciplinar contra o cidadão Bruno Miguel Gaspar Azevedo de Carvalho com vista à sua expulsão de sócio do Sporting Clube de Portugal por violação dos estatutos leoninos e manifesto incumprimento de vários deveres fundamentais inerentes à sua condição de associado, atendendo desde logo ao carácter de utilidade pública desta instituição que a todos merece consideração e respeito.
“Quem esteve na AG percebeu que os resultados estão ao contrário... mas chega!”
“Mas para mim acabou. Podia impugnar esta AG por todas as ilegalidades cometidas: sim. Mas não o vou fazer. Era só o adiar o ter de devolver o Clube a quem nele mesmo manda.”
“Hoje deixei de ser para sempre sócio e adepto deste Clube. A tristeza é tremenda mas a desilusão matou tudo!”
“Afinal o sportingado era eu, pois era um sportinguista enganado...”
“Não, não vou regressar para as bancadas. Não, não vou mais vibrar com as vitórias.”
“A minha carta de suspensão vitalicia de sócio segue segunda feira e nunca mais seguirei sequer os eventos desportivos do Clube.”
Estas frases são de Bruno de Carvalho, publicadas esta madrugada no Facebook, reproduzidas depois pela comunicação social. Isto diz tudo acerca da pessoa que tivemos à frente dos destinos do clube nos últimos cinco anos. Por tudo isto que aqui se lê, e que mais do que revelar estados de alma, é revelador de um anti-sportinguismo primário, será necessário fazer uma auditoria aos atos de gestão desta equipa de direção, assim como avaliar algumas das últimas tomadas de decisão, nomeadamente a contratação de Sinisa Mihajlovic e de Emiliano Viviano. E isso será só o princípio.
No meio de tanta algazarra, convém aclarar ideias. Como já aqui fiz a 7 de Junho, antes de qualquer despacho judicial, quando precisei que o presidente da Mesa da Assembleia Geral mantinha plenitude de funções, incluindo o poder exclusivo para convocar assembleias gerais e designar as Comissões de Gestão e de Fiscalização. E também a 12 de Junho, quando deixei claro que a convocatória de duas assembleias gerais pelo Conselho Directivo leonino para os dias 17 e 21 era manifestamente ilegal, sem o menor fundamento nos estatutos - como o tribunal viria a reconhecer.
Hoje o que está em causa é a devolução aos sócios da decisão soberana de escolha dos novos titulares de todos os órgãos sociais do clube - Mesa da Assembleia Geral, Conselho Directivo e Conselho Fiscal e Disciplinar - ou de apenas dois destes órgãos, com exclusão do Conselho Directivo.
Opção legítima, democrática e com base estatutária. Só depende de nós, sim.
«O bárbaro ama o seu próprio orgulho e odeia, ou despreza, o orgulho dos outros.»
Karen Blixen, África Minha
Acuso Bruno de Carvalho de ter criado o caldo de cultura que proporcionou os terríveis acontecimentos de Alcochete, que lesaram jogadores, técnicos, médicos e funcionários na sua integridade física e moral.
Acuso Bruno de Carvalho de chocante, grosseira e desprezível insensibilidade ao ter considerado "chato" o criminoso ataque de dezenas de facínoras de cara tapada ao sagrado reduto da Academia de Alcochete.
Acuso Bruno de Carvalho de neglicenciar o dever de proporcionar condições de segurança aos atletas leoninos, afectando dramaticamente a reputação do Sporting, com gravíssimas repercussões noticiosas a nível mundial.
Acuso Bruno de Carvalho de ter desvalorizado irresponsavelmente os jogadores, principais activos da SAD leonina, com vexatórias imputações ao desempenho destes profissionais que foi tornando públicas.
Acuso Bruno de Carvalho de ter tolerado inadmissíveis actos de violência física e psicológica contra profissionais leoninos.
Acuso Bruno de Carvalho de ter provocado a maior hemorragia de quadros qualificados alguma vez registada na história do futebol profissional do Sporting.
Acuso Bruno de Carvalho de se apropriar para efeitos mediáticos e propagandísticos das vitórias do clube enquanto se demarca dos atletas e das equipas técnicas nos momentos de infortúnio.
Acuso Bruno de Carvalho de ter ferido profundamente sócios, adeptos e simpatizantes leoninos na sua honra e no seu orgulho de sportinguistas.
Acuso Bruno de Carvalho de ter abdicado conscientemente do indeclinável dever de promover a coesão e a união dos sportinguistas que lhe foi imposto no mandato recebido nas urnas.
Acuso Bruno de Carvalho de injuriar sócios leoninos de reputação inacatável.
Acuso Bruno de Carvalho de ter provocado fracturas porventura irreversíveis entre sportinguistas.
Acuso Bruno de Carvalho de confundir a sua vida familiar com as funções institucionais para que foi eleito.
Acuso Bruno de Carvalho de procurar transformar o Sporting num psicodrama em sessões contínuas, à mercê dos seus estados de alma.
Acuso Bruno de Carvalho de insanável comportamento ególatra e narcísico, que o leva a pronunciar sempre mais vezes a palavra eu do que a palavra nós.
Acuso Bruno de Carvalho de mandar inscrever o seu nome num monumento destinado a celebrar a Glória leonina, equiparando-se ao Visconde de Alvalade, num absurdo e ridículo incentivo ao culto da sua própria personalidade.
Acuso Bruno de Carvalho de transformar rivais e adversários em inimigos, à revelia do mais genuíno espírito desportivo.
Acuso Bruno de Carvalho de ter implantado no Sporting um ambiente persecutório, de permanente caça ao inimigo imaginário, tanto no plano interno como externo.
Acuso Bruno de Carvalho de ter traído sucessivas promessas, começando pela promessa - sempre desmentida pelos factos - de devolver o Sporting ao título de campeão nacional de futebol profissional.
Acuso Bruno de Carvalho de ser totalmente incapaz de aceitar críticas.
Acuso Bruno de Carvalho de jamais reconhecer um erro.
Acuso Bruno de Carvalho de tentar adulterar valores inapagáveis da identidade leonina, como o rigor, a verdade, a credibilidade, o respeito, o brio e a honra.
Acuso Bruno de Carvalho de deixar um clube dilacerado por ódios fratricidas e rancores intestinos alimentados a cada intervenção pública que vai fazendo.
Acuso Bruno de Carvalho de total incapacidade para garantir condições de solvência financeira à SAD, com as obrigações a atingirem o valor mais baixo de sempre e o Sporting a adiar sine die os reembolsos de quem investiu na dívida leonina.
Acuso Bruno de Carvalho de desrespeitar decisões dos tribunais, em permanente confronto com a legalidade.
Acuso Bruno de Carvalho de tentar implantar no Sporting um poder unipessoal, sem escrutínio, em flagrante violação das normas estatutárias do clube e do quadro legal em vigor no País.
Acuso Bruno de Carvalho de ter protagonizado o mais vergonhoso capítulo da história centenária de uma instituição de utilidade pública.
Acuso Bruno de Carvalho de procurar impedir por todos os meios a expressão da voz dos sócios.
Acuso Bruno de Carvalho de ter medo de ser escrutinado em eleições.
Acuso Bruno de Carvalho de estar desesperadamente agarrado ao lugar.
Acuso Bruno de Carvalho de manifesta falta de dimensão ética, cultural e democrática, o que o inibe de permanecer como presidente do Sporting Clube de Portugal e presidente da SAD leonina.
Dizem-me que "debateu" nas condições em que gosta: com três cadeiras vazias. Temo pela segurança das cadeiras: todos me dizem que elas ganharam o "debate".
Não admite ser contrariado, é incapaz de tolerar opiniões contrárias, padece de incontinência feicebocal e revela uma profunda má educação: percebe-se muito bem que nunca tomou chá em pequenino.
O rei da injúria acaba de bolçar mais uma prosa delirante acusando vários dos seus actuais opositores de moverem um «ataque terrorista» ao Sporting.
Como sempre, confunde-se com o clube. Sem conseguir distinguir.
Mais grave, compara a assembleia geral do próximo sábado com o atentado dos jagunços a Alcochete publicando as fotos de Jaime Marta Soares, Torres Pereira, Henrique Monteiro, Frederico Varandas, Álvaro Sobrinho, José Maria Ricciardi, José Eduardo e Rogério Alves como se fossem terroristas. O que lhe valerá, estou certo disso, pesadas condenações em tribunal. Porque em Alcochete, a 15 de Maio, vive-se a página mais negra da história do Sporting.
Na alucinação da escrita, esqueceu-se que três dos que agora acusa foram seus colaboradores directos - um como vice-presidente do Conselho Directivo, outro em dois mandatos como presidente da Mesa da Assembleia Geral, o terceiro como director do departamento clínico leonino durante os cinco anos do actual consulado. Entre os visados figuram ainda o maior accionista individual da SAD leonina, alguém que foi seu apoiante desde a primeira hora - ao ponto de ter dado a cara por ele em tribunal - e um restante que era "tão lá de casa" que há um ano chegou a ser convidado para o casamento de quem hoje o difama.
«Onde é que está agora a indignação do país inteiro?», questiona o imperador da calúnia. Já esquecido que no dia do ataque dos jagunços ele não revelou indignação alguma. Limitou-se a dizer que tinha sido «chato» mas, enfim, «o crime faz parte do dia-a-dia».
As obrigações do Sporting atingiram o valor mais baixo de sempre. Quem investiu na dívida leonina devia ter recebido em Maio. Como sabemos, a SAD adiou este reembolso para Novembro. Mas muitos investidores estão já dispostos a vender, mesmo com perdas de 15%, para não esperarem até lá. Semana após semana, com a crise a aprofundar-se, reduz-se a margem de expectativa dos investidores face ao risco potencial de descalabro financeiro em Alvalade. No momento em que os capitais próprios negativos da Sporting SAD se afundam para os 9 milhões de euros negativos.
Lamenta não ser escutado pelos órgãos de informação mas é a personalidade com mais tempo de antena em Portugal após o Presidente da República. Diz-se ignorado pelos jornalistas mas cada vez que tem um pela frente passa o tempo a insultá-lo e denegri-lo. Assegura que não despediu Jorge Jesus quando diversas testemunhas o ouviram dizer alto e bom que não contava mais com o treinador, que certamente por coincidência foi mesmo despachado e afinal "é muito difícil de substituir". Garante que não sondou Scolari nem Sá Pinto, sabendo-se que ambos foram contactados a seu pedido para substituírem Jesus (e tiveram o bom senso de recusar). Diz que nada tem a esconder embora saibamos hoje que impôs uma cláusula de silêncio a Jesus - compromisso que obriga as duas partes mas que admite vir ele próprio a violar quando lhe der na telha, assumindo aos olhos do mundo leonino que assina pactos de má fé. Afiança ter um novo treinador contratado há uma semana mas não divulgou ainda a sua identidade apenas para imitar os jogadores que andaram a anunciar rescisões às pinguinhas. Salienta que a única versão válida dos estatutos que já fez mudar seis vezes em cinco anos é aquela que não foi assinada pelos órgãos sociais nem está publicada em Diário da Republica ou sequer na página oficial do clube na internet. Revela ao País que uma providência cautelar é sempre decidida não com base em factos mas em "probabilidades", o que atesta a sua douta sapiência jurídica. Gaba-se de ter "os melhores advogados do mundo" enquanto vai somando derrotas nos tribunais. Adverte que, se lhe der na bolha ou se acordar para aí virado, impede a assembleia geral do dia 23 - a mesma que sempre assegurou que jamais se realizaria mas vai ocorrer por imposição do Tribunal da Comarca de Lisboa, mais interessado do que ele em dar voz aos sócios. Diz estar suspenso da condição de associado pelos órgãos provisórios de gestão e fiscalização, o que o impede de comparecer na assembleia geral, reconhecendo assim validade aos mesmos a quem proíbe de entrar em Alvalade. Jura que não pisará o Altice Arena no próximo sábado mas anda a implorar aos seguidores no facebook, noite após noite, para não deixarem de comparecer (e votar por ele)
Já aqui foi escrito “qu’isto fede”: a realidade que o Sporting vive!
Efectivamente o “cheiro” tem sido insuportável.
Ontem, à semelhança de todas as outras anteriores, não consegui ver a inenarrável conferência que o presidente-suspenso deu. Vi só o começo e, confesso, veio-me à memória um texto escrito por Milan Kundera sobre Iakov, filho de Estaline.
Se me permitem:
«1
Só em 1980, através de um artigo publicado no Sunday Times, se ficou a saber em que circunstâncias morreu Iakov, o filho de Estaline. Prisioneiro de guerra durante a Segunda Guerra Mundial, encontrava-se detido num campo onde também havia oficiais ingleses. As latrinas eram comuns. O filho de Estaline deixava-as sempre sujas. Os ingleses não gostavam de ver as suas latrinas cheias de merda, mesmo que a merda fosse do filho daquele que era então o homem mais poderoso do universo. Ralharam com ele. O filho de Estaline ficou ofendido. Os oficiais ingleses voltaram a repreendê-lo e obrigaram-no a limpar as latrinas. Zangou-se, discutiu com eles e agrediu-os. Por fim, pediu para ser recebido pelo comandante do campo. Queria que ele arbitrasse o diferendo. Mas o alemão estava demasiado imbuído da sua importância para deixar-se envolver numa discussão sobre merda. O filho de Estaline não pôde suportar tal humilhação. Lançando aos céus as pragas russas mais tremendas, correu em direcção ao arame farpado e electrificado que cercava o campo. Atirou-se contra os fios. Aí ficou suspenso o corpo que nunca mais havia de sujar as latrinas britânicas.
2
O filho de Estaline não teve uma vida fácil. O pai engendrou-o com uma mulher que, conforme tudo indica, acabou por mandar fuzilar. O jovem Estaline era, portanto, ao mesmo tempo, filho de Deus (porque o seu pai era venerado como Deus) e maldito por ele. As pessoas temiam-no duplamente: podia prejudicá-los 'tanto pelo poder que ainda tinha (sempre era o filho de Estaline) como pela sua amizade (o pai podia mandar castigar os amigos em vez do filho).
Maldição e privilégio, felicidade e infelicidade - nunca ninguém sentiu tanto na própria pele o ponto a que essas oposições são intermutáveis e como é estreita u margem entre os dois pólos da existência humana.
Logo no princípio da guerra foi capturado pelos alemães e eis que outros prisioneiros, membros de uma nação pela qual sempre sentira uma antipatia visceral, porque lhe parecia incompreensivelmente fechada, o acusavam de ser porco. Ele, que carregava às costas o drama mais sublime que possa ser concebido (ser ao mesmo tempo filho de Deus e anjo caído em desgraça), tinha agora que suportar ser julgado, e não por coisas nobres (a respeito de Deus ou dos anjos), mas por causa da merda? O drama mais nobre e o incidente mais trivial estarão assim tão vertiginosamente próximos um do outro?
Vertiginosamente próximos? Então a proximidade também pode causar vertigens?
Claro que pode. Quando o pólo norte se aproximar do pólo sul quase a ponto de o tocar, o nosso planeta desaparecerá e o homem terá à sua volta um tal vazio que ficará aturdido e cederá à sedução da queda.
Se a maldição e o privilegio são uma e a mesma coisa, se não há diferenças entre o nobre e o vil, se o filho de Deus pode ser julgado por causa da merda, a existência humana perde as suas dimensões e torna-se de uma leveza insustentável. Então, o filho de Estaline corre em direcção ao arame farpado para lançar contra ele o corpo, como se estivesse a lançá-lo para o prato de uma balança que miseravelmente subisse soerguido pela infinita leveza de um mundo sem dimensões.
O filho de Estaline deu a vida pela merda. Mas morrer pela merda não é uma morte absurda. Os alemães que sacrificaram a vida para aumentar o território do império para leste, os russos que morreram para que o poder do seu país se estendesse mais para ocidente, esses sim, morreram por um disparate e a sua morte não tem nem qualquer espécie de sentido nem de valor geral. Em contrapartida, a morte do filho de Estaline foi a única morte metafísica no meio da estupidez universal da guerra.»
KUNDERA, Milan - A insustentável leveza do ser. 30ª ed. Lisboa : Dom Quixote, 2013. pp. 275, 277
Este não é o momento para cinzentismos, para neutralidades ou para "equidistâncias". É o momento de tomar partido. Pelo Sporting ou pelos sete coveiros do Sporting.
O costume: insultou jornalistas («vocês não são capazes de dizer a verdade»), destratou comentadores, enxovalhou os sócios («os associados do Sporting podem ter muitos defeitos mas já perceberam que as coisas não são assim como dizem»), fez autênticas piruetas verbais para quase considerar positiva a onda de rescisões de jogadores («se tiramos os jogadores, também há que tirar os salários, ora como os salários são elevados se calhar as coisas não são assim como dizem»), mostrou-se totalmente dissociado da realidade («estamos a negociar com jogadores belíssimos, sem problema nenhum»; «vou garantidamente ter uma equipa para lutar pelo título no futebol sénior masculino»).
Falou do seu assunto favorito: ele mesmo. Dizendo-se perseguido por todas as forças ocultas do universo. Eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu...
Nesta conferência de imprensa, que se prolongou por setenta minutos, disparou em todas as direcções sem jamais assumir a menor parcela de responsabilidade neste inédito descalabro do Sporting.
Suavizou de forma quase obscena a inaudita violência de Alcochete, com frases de chocante insensibilidade e de evidente chacota, procurando desvalorizar tudo quanto ali se passou, vai fazer amanhã um mês: «No meio dos tremores, [Ruben Ribeiro] ia-me mandando corações verdes e abraços»; «[Rafael Leão] está com tremores terríveis, tremendos.»
Nada disse de minimamente credível sobre a decisão do tribunal que hoje o derrotou em toda a linha - considerando sem fundamentação legal as duas "assembleias gerais" que ele tinha convocado, em flagrante violação dos estatutos leoninos, e ferida de nulidade jurídica a nomeação da putativa "comissão de transição" da irrelevante senhora Judas.
Por ironia do destino, disse tudo isto na sala do Conselho Directivo tendo atrás dele as fotografias dos chamados "presidentes croquetes" que ele tanto odeia e que as turbas mais fanáticas que ainda se deixam guiar por ele tanto abominam.
Vi esta fotografia e não pude deixar de associá-la ao final do célebre romance Animal Farm, de George Orwell. Tanta "revolução" tonitruante para tudo terminar, em termos simbólicos, no ponto de partida.