FRASE DO ANO: "TEMOS DE ACORDAR O LEÃO ADORMECIDO"
Alvalade, 1 de Julho de 2015. O novo treinador da nossa equipa principal de futebol, Jorge Jesus, era apresentado em Alvalade, perante uma entusiástica plateia que emoldurava as bancadas do estádio.
Eram palavras que há muito queríamos escutar da boca de um treinador. Depois do estilo low profile de Leonardo Jardim e Marco Silva, Jesus subia ao palco leonino com a sua conhecida exuberância verbal e gestual. Era a voz de um profissional do futebol, mas era também a voz de um desportista com coração de Leão.
Neste regresso às origens, o novo treinador leonino anunciou também que "a partir de agora há três candidatos ao título em Portugal". O Sporting, sem complexos nem rodeios, intrometia-se na disputa do galardão máximo do futebol português, que nos vem fugindo desde 2002.
Virava-se uma página importante na história do clube. O Leão - isto é, todos nós - adquiria o direito de sonhar outra vez.
Decorria o minuto 84 de um jogo crucial. O da final da Taça de Portugal 2015. O Sporting perdia 0-2 com o Braga. Até que Slimani, o argelino incapaz de baixar os braços, aproveitou um mau alívio da defesa bracarense para recuperar a bola fora da grande área. Dominou-a bem, deixou dois defesas adversários de rins torcidos e rematou com força suficiente e excelente colocação: a bola só parou no fundo da baliza.
Este golo de belo efeito sacudiu a espécie de torpor que parecia ter-se apoderado da nossa equipa uma hora antes. Jogávamos contra dez, os ponteiros do relógios pareciam galopar, mas Slimani acabou por demonstrar que tudo era ainda possível. E foi. O remate certeiro do nosso ponta-de-lança abriu caminho à conquista da Taça que nos fugia desde 2008. Montero, ainda antes de terminar o tempo regulamentar, estabeleceu o empate. Após um prolongamento muito sofrido vencemos na marcação de grandes penalidades.
Foi mais que um golo. Foi um símbolo. De coragem, de ousadia, da vontade inquebrantável de superar barreiras. Slimani, com aquele pontapé, congregou toda a nação sportinguista, soltando o grito do Leão.
Sete anos depois, um novo troféu. Conquistado de forma épica, quando muitos já não acreditavam. Quando muitos - gente de pouca fé - já tinham abandonado o Estádio Nacional. Não esquecemos a data: 31 de Maio de 2015. O Sporting retomava o circuito dos troféus no futebol profissional de primeira linha em Portugal após um jejum que morou muito mais tempo do que tínhamos desejado. Desde os tempos em que o nosso treinador se chamava Paulo Bento.
Devemos essa vitória a Marco Silva, que se despediu do Sporting com a Taça verdadeira. E devêmo-la também aos jogadores, que nunca deixaram de acreditar. Mesmo jogando contra um Braga - treinado por Sérgio Conceição - que dominou parte do encontro. Mesmo jogando apenas só com dez jogadores durante quase todo o tempo, devido à expulsão de Cédric logo aos 15 minutos. Mesmo estando a perder 0-2 ao minuto 25.
Foi a vitória da crença, foi a vitória da vontade. Em inferioridade numérica, em desvantagem no marcador, o Sporting deu a volta. Primeiro com Slimani a marcar, iam já decorridos 84'. Depois com Montero a chegar à igualdade e a forçar o prolongamento, já no terceiro minuto do tempo extra, com vários lugares vazios nas bancadas. Finalmente com Rui Patrício a defender uma grande penalidade na fase mais decisiva - aquela que ditou o novo titular do troféu. Que, pela 16ª vez, passou a morar em Alvalade.
Nunca esqueceremos este triunfo. Tão ansiado, tão suado e tão merecido.
Nenhuma derrota nos custou tanto como a que sofremos a 26 de Agosto, na segunda mão da eliminatória de acesso à Liga dos Campeões, disputada em Moscovo, frente ao CSKA. Clamorosos erros de arbitragem ditaram o nosso afastamento da Champions, neste desafio, depois de termos vencido a equipa russa por 2-1, a 18 de Agosto, em Alvalade - com golos de Teo Gutiérrez, então recém-ingressado no Sporting, e Islam Slimani.
No desafio em Moscovo valeu um pouco de tudo: desde a validação de um golo russo marcado com a mão, perante a total complacência do chamado árbitro de baliza num lance desenrolado a três metros de distância, até à anulação de um golo a Slimani por suposto "canto em arco" marcado por João Pereira que só um árbitro assistente mal colocado no terreno terá visto.
"Fomos prejudicados em Lisboa. Hoje voltámos a ser prejudicados aqui. (...) A eliminatória foi desequilibrada, tanto em Lisboa como hoje, pela arbitragem." Assim reagiu Jorge Jesus, sem papas na língua.
O CSKA acabou por seguir em frente na prova enquanto o Sporting - que chegou a estar a ganhar na partida de Moscovo, novamente com golo de Teo - era injustamente relegado para a Liga Europa, dizendo adeus aos 14 milhões de euros destinados ao vencedor da eliminatória. Nem rotinas de jogo nem mestres de táctica conseguem superar campos tão inclinados...
Nessa dia todos pensámos o mesmo: custa muito mais perder quando é assim.
Muito se especulou sobre a saída dele do Sporting faz agora um ano, com a época a meio. Mas Marco Silva, contrariando as expectativas, manteve-se como treinador da nossa equipa de futebol até ao fim da temporada. E saiu em grande, com a conquista da Taça de Portugal no Jamor, frente ao Sporting de Braga. Um troféu que nos fugia desde 2008 e foi arrancado a ferros, com dois golos ao cair do pano, marcados por Slimani e Montero, e duas soberbas defesas de Rui Patrício no desempate por grandes penalidades.
Houve festa rija, como se impunha. Mas Marco Silva viu terminar aí a sua missão em Alvalade apesar de ter mais três anos de contrato. As relações entre o presidente Bruno de Carvalho e o treinador tinham azedado a tal ponto que se tornou impossível a coexistência de ambos no clube.
Muitos adeptos lamentaram esta ruptura, ficando gratos ao jovem treinador por nos ter devolvido o orgulho de conquistar a Taça. Mas a prestação do Sporting no campeonato esteve longe de ser famosa: quedámo-nos na terceira posição, sem entrada directa na Liga dos Campeões, ao contrário do que havia sucedido na temporada anterior. E a rápida contratação de Jorge Jesus para treinador da equipa principal não tardou a calar as críticas ao presidente que já se esboçavam entre vários adeptos.
A direcção leonina não primou pela elegância neste processo, accionando um processo disciplinar a Marco Silva que acabaria por ficar sem efeito: o bom senso imperou finalmente, fazendo substituir a via litigiosa por um acordo entre as partes. Era o desfecho mais razoável.
O técnico de 38 anos rumou então a Atenas, onde passou a orientar o Olympiacos. Com manifesto sucesso. O clube lidera isolado a Liga grega e igualou o melhor início de campeonato de que há memória: à 16ª jornada, averbou 16 vitórias. Confirmando os atributos de Marco Silva, que já manifestou a intenção de voltar a treinar em Portugal.
Teve o seu ponto culminante no Sporting a 9 de Agosto, quando marcou o golo da nossa vitória na Supertaça frente ao Benfica - golo que aliás viria a ser oficialmente atribuído a Teo Gutiérrez, quanto a mim sem justificação. Os adeptos nessa altura perdoaram-lhe tudo: a displicência que tantas vezes exibiu em campo, a indisciplina táctica, a irregularidade exibicional.
Lamentavelmente, Carrillo ficou indiferente a essa onda de euforia. Esse momento culminante representou também o princípio do fim do peruano em Alvalade. A partir daí assumiu atitudes de prima donna, claramente apostado em abandonar o clube sem dar nada mais em troca. Numa altura em que todos estávamos dispostos a esquecer as três decepcionantes épocas que tinham ficado para trás - cheias de promessas não cumpridas por André Carrillo, jogador que raras vezes revelou raça leonina em campo. Uma espécie de anti-Slimani.
À beira do fim da relação contratual que o liga ao nosso clube, fez questão de não prolongar o vínculo, rejeitando um dos melhores salários do plantel. Recusou igualmente uma transferência para o futebol inglês que teria sido proveitosa para os cofres leoninos.
Pensou nele e só nele.
Preferiu deixar de jogar, quebrando em definitivo o elo afectivo que ainda o ligava a alguns sócios mais benevolentes. Foi alvo de um processo disciplinar e manteve-se fora dos confrontos europeus. O que teve o condão de abrir caminho a alguns jovens da formação leonina, como Gelson Martins e Matheus Pereira. Há sempre males que vêm por bem.
Carrillo tornou-se por vontade própria uma carta fora do baralho. Prossegue na contagem decrescente para sair do Sporting, um clube que sempre o tratou bem. E com isso acabou até por prejudicar-se ao nível da selecção peruana.
Só algumas melancias - verdes por fora, encarnadas por dentro - ainda o invocam. Em vão. Para o adepto comum ele já deixou de ser dos nossos. É pena mas convém assumir tal facto.
Não há que esconder: este jogador de 24 anos foi a grande decepção do ano. Sendo ainda presente, já se tornou um nome do passado.
Houve quem tivesse questionado se ele seria realmente um reforço para o Sporting. Quem assim falou é gente de vistas curtas e de pouca fé. Porque Paulo Oliveira tem demonstrado em Alvalade que foi uma das melhores contratações na era Bruno de Carvalho, confirmando no Sporting todas as qualidades que já o haviam evidenciado ao serviço do V. Guimarães.
Com Marco Silva, tardou a firmar-se como titular. Mas logo no início de 2015 já era um elemento indiscutível do nosso onze-base. Apesar de ainda muito jovem (23 anos), revela uma inegável maturidade que o tem levado a assumir-se como timoneiro do nosso reduto defensivo. Com óptimos desempenhos, seja quem for que actue ao lado dele como defesa central - Ewerton, Tobias ou, mais recentemente, Naldo.
A 22 de Fevereiro, no rescaldo da nossa goleada ao Gil Vicente, escrevi estas palavras que tenho todos os motivos para reiterar: "Melhora de jogo para jogo. É já o patrão indiscutível da defesa. Hoje cortou tudo quanto passou por ele. Com uma segurança e uma autoridade dignas de registo."
Autoridade que transmite também nos jogos da selecção: Paulo Oliveira demonstrou a sua classe ao serviço da equipa das quinas que se tornou vice-campeã da Europa ao nível das selecções sub-21. Após uma brilhante campanha, desde a fase de qualificação, só perdemos a final em Junho, frente à Suécia.
Com Jesus, o jovem defesa minhoto consolidou a sua posição na equipa, tornando-se um dos raros imprescindíveis. Muito contribuiu para o Sporting ser hoje uma equipa menos batida do que éramos há um ano, antes de ele assumir a titularidade: temos agora sete golos sofridos no campeonato. Na Liga 2014/15, nesta mesma altura, já tínhamos sofrido doze.
Ao que tudo indica, o Sporting vai reforçar o eixo da defesa nas contratações de Inverno. Mas há desde já uma certeza: Paulo Oliveira vai manter-se titular. Como foi na equipa que conquistou a Taça de Portugal, em Maio, e na que bateu o Benfica na Supertaça, em Agosto.
Alguns juravam a pés juntos que Jorge Jesus nunca aposta em jovens talentos oriundos da formação. Não tardaram a ser desmentidos mal o experiente técnico iniciou funções no Sporting. E o maior desmentido dá pelo nome de Gelson Dany Batalha Martins. Um miúdo de 20 anos formado na Academia de Alcochete - mais um a despontar na nossa equipa principal.
Jesus começou a apostar nele logo na pré-temporada e fê-lo entrar em campo no jogo da Supertaça. Aposta coroada de êxito: no jogo inaugural do campeonato, a 16 de Agosto, entrou a poucos minutos do fim - tempo suficiente para arrancar um penálti que se transformou em golo decisivo contra o Tondela. Na altura, escrevi isto: "Foi influente na viragem do resultado ao ganhar um ressalto, antecipando-se ao defesa, e conseguindo assim uma grande penalidade."
O técnico encantou-se com o "futebol de rua" praticado pelo nosso internacional sub-21. E nos treinos foi-lhe incutindo noções crescentes de disciplina táctica que cedo tiveram reflexos positivos no relvado. Gelson estreou-se a marcar pela equipa principal num desafio da Taça de Portugal, a 17 de Outubro, com o Vilafranquense. A 26 de Novembro, este admirador de Nani estreou-se como goleador nas competições internacionais, marcando contra o Lokomotiv em Moscovo.
O eclipse de Carrillo facilitou-lhe a ascensão na equipa, onde participou em 14 dos primeiros 18 jogos oficiais - prova evidente da confiança que Jesus deposita neste jovem nascido em Cabo Verde.
Os adeptos não lhe regateiam elogios - convictos de que Gelson Martins tem uma longa e bem-sucedida carreira pela frente. Para já, mantém-se vinculado ao Sporting até 2021, com uma cláusula de rescisão de 60 milhões de euros. Cá estaremos para continuar a tributar-lhe os aplausos que ele bem merece.
A notícia sobressaltou o País do futebol e teve repercussões muito para lá de actualidade desportiva. A contratação de Jorge Jesus para o Sporting, anunciada na noite de 3 de Junho, pôs os benfiquistas à beira de um ataque de nervos e teve o condão de levar a euforia à esmagadora maioria dos adeptos leoninos.
Compreende-se facilmente a animosidade encarnada contra Jesus, o técnico que acabara de conduzir o Benfica à conquista do bicampeonato. Havia quase um século que o clube liderado por Luís Filipe Vieira não sabia o que era perder um treinador para o Sporting: só acontecera uma vez, no remoto ano de 1930.
Vieira quis livrar-se de Jesus, mandando-o para o Golfo Pérsico. Mas o treinador, que nunca foi pau-mandado de ninguém, rebelou-se contra esse convite a um exílio que jamais desejou. Em final de contrato com o SLB, viu-se livre para dizer sim ao convite que Bruno de Carvalho lhe endereçara.
Apresentado aos adeptos em Alvalade, a 1 de Julho, o técnico de 61 anos disse-lhes o que há muito queriam ouvir: "A partir de hoje não há só dois candidatos - há três!" E reafirmou que o Sporting - onde o pai, Virgolino, jogou na década de 40 - é o seu clube do coração.
Não garantiu troféus, mas prometeu tudo fazer para conquistá-los. Desde então venceu quase 80% dos jogos - o mais saboroso de todos foi logo o primeiro desafio oficial, a 9 de Agosto, com uma vitória contra o Benfica que nos garantiu a posse da Supertaça - a primeira desde 2008. Seguiram-se dois outros confrontos vitoriosos frente aos encarnados: 3-0 na Luz, à oitava jornada do campeonato, a 25 de Outubro; e a eliminatória da Taça de Portugal, a 21 de Novembro em Alvalade, com triunfo leonino por 2-1.
O Sporting registou o melhor arranque da Liga em mais de um quarto de século, liderou isolado o campeonato durante seis jornadas e chega ao fim de 2015 na segunda posição, a um escasso ponto do FCP, e dependendo de si próprio para retomar a liderança. Com mais oito pontos do que há um ano, quando seguíamos num modesto 5º lugar na tabela classificativa - atrás de SLB, FCP, Braga e Guimarães.
Desta vez ninguém se envergonha de dizer que lutamos pelo título. Todos confiamos que com Jorge Jesus assim será.
Tem sido um dos maiores responsáveis pelo regresso em massa dos adeptos leoninos ao estádio nesta era Bruno de Carvalho. Porque dá tudo o que tem em campo: força, energia, combatividade, vontade de vencer.
Faltava-lhe maior destreza técnica, que tem apurado - e de que maneira - primeiro com Marco Silva e sobretudo desde a entrada em funções de Jorge Jesus, já esta temporada. Islam Slimani não se limita a marcar golos: aprendeu também a trabalhar para conquistá-los. Vai atrás, corre às alas, constrói jogo em desmarcações contínuas baralhando as defesas adversárias.
Nos desafios decisivos, contamos com ele. Foi assim na homérica final da Taça de Portugal, a 31 de Maio: ninguém queria tanto conquistar o troféu como este irrequieto argelino. De tal maneira que marcou o primeiro golo, exibindo não só garra mas também técnica. "Reparem na simulação de Slimani: como ele desposiciona o defesa e controla a bola antes do disparo fatal", escrevi eu então neste blogue.
Por esta altura leva já 12 golos marcados em quatro competições: campeonato, Taça de Portugal, Liga dos Campeões (apuramento) e Liga Europa. Na liga 2015/16, é o nosso melhor marcador, com oito golos. E promete duplicar pelo menos esta cifra, fazendo a sua melhor época em Alvalade.
Alguns pseudo-especialistas torceram o nariz quando a direcção leonina o contratou a um modesto clube do seu país por módicos 300 mil euros. Diziam tais crânios que este avançado, hoje com 27 anos, "tinha tijolos nos pés". Esses já tiveram que meter a viola no saco: Slimani valorizou-se de tal maneira que dificilmente sairá do Sporting por quantia inferior a 15 milhões. Algo equivalente a 40 vezes mais.
Concentremo-nos no essencial: o objectivo prioritário do Sporting para a temporada em curso é conquistar a Taça de Portugal, prova onde somos a equipa claramente favorita. E, por via da Taça, conquistar também a Supertaça. Dois troféus que não vencemos desde 2008.
No campeonato, e dada a impossibilidade de defrontarmos um SLB reforçado com árbitros e "bandeirinhas", a nossa meta para a segunda volta deve estar igualmente muito bem definida: atingir o mesmo lugar da época passada, com acesso directo à Champions. Nada impossível, atendendo aos quatro pontos que nos separam do Porto, equipa que já derrotámos no estádio do Dragão.
Taça, supertaça e segundo no campeonato garantindo a Champions: eis o que chamo uma época bem sucedida atendendo às circunstâncias e lembrando sempre de onde partimos apenas há dois anos.
Claro que nada disto se consegue sem estabilidade. Na direcção, na estrutura técnica e no plantel. A todos os níveis é essencial falar menos. Para fazer mais e cada vez melhor.