Rescaldo do jogo de ontem
Gostei
Da aposta clara e deliberada na formação. É um reiterado apelo dos adeptos: o Sporting só reencontra o melhor da sua vocação como equipa vencedora se apostar mais nos jovens que são formados na Academia de Alcochete. Foi precisamente o que aconteceu ontem, frente ao V. Guimarães. Rúben Amorim escalou um onze titular com cinco destes jovens: Luís Maximiano (21 anos), Eduardo Quaresma (18 anos), Matheus Nunes (21 anos), Rafael Camacho (20 anos) e Jovane Cabral (21 anos). E ainda fez entrar Gonzalo Plata (19 anos). Uma equipa virada para o futuro, como se exige para honrar as melhores tradições leoninas. Só isto faz a diferença.
De Eduardo Quaresma. Entre os dois estreantes no campeonato nacional (o outro foi Matheus Nunes), sobressaiu este jovem, sobre quem (permitam-me a autocitação), eu já havia escrito há quase um ano, na pré-temporada 2019: «Ainda júnior, revelou alguns pormenores que atestam a sua qualidade futebolística não apenas como central mas até como lateral improvisado. Nome a reter num futuro próximo.» Assim foi, colocado na ala direita do sistema de defesa a três concebido por Amorim, dando boa conta do recado. Não se atemorizou sequer ao ter pela frente o extremo Davidson, um dos melhores elementos do plantel vitoriano. E acabou até por permanecer os 90 minutos em campo.
De Sporar. Temos artilheiro: já regista cinco golos. Ontem, mais dois. Aproveitando da melhor maneira duas das três oportunidades de que dispôs: a primeira aos 18', aproveitando uma fífia incrível do experiente guardião vitoriano Douglas; a segunda aos 52', dando a melhor sequência a um excelente passe de Jovane a rasgar a defesa adversária. O esloveno merece ser considerado o homem do jogo. Falta-lhe pouco para ter direito a música própria entre os adeptos.
De Jovane. Grande exibição do jovem ala nascido em Cabo Verde, aproveitando da melhor maneira esta oportunidade para se firmar no onze titular. Foi o elemento mais desequilibrador durante a partida, revelando excelente condição física e sem nunca perder a noção de que importa acima de tudo trabalhar para a equipa. Protagonista de lances dignos de registo aos 37', 39', 45', 52', 59' e 76' - neste, levou à exibição de um cartão vermelho ao adversário. Nem o facto de sofrer faltas sucessivas lhe travou o ímpeto. E quase marcou, aos 84', num lance bloqueado por Douglas, autor da defesa da noite em Guimarães.
De Camacho. Actuando um pouco mais recuado na direita, em evidente apoio à manobra defensiva da equipa na defesa a três - tanto mais que actuava na ala do estreante Eduardo Quaresma -, revelou combatividade e disciplina táctica, ajudando a fechar o corredor. Mas só quando recebeu autorização para progredir no terreno se viu melhor a sua utilidade na criação de desequilíbrios, partindo os rins a quem encontrava pela frente. Dos pés dele saíram os melhores cruzamentos leoninos, aos 84' e aos 88'. Ele próprio esteve quase a marcar aos 89'. Também parece ter agarrado a titularidade.
Da condição física dos jogadores. Havia os maiores receios neste capítulo, tanto mais que a equipa vinha de uma longa paragem competitiva, após quase três meses sem jogos - uma paragem duas vezes mais longa do que o habitual defeso do Verão. Mas neste capítulo o teste não podia ser mais positivo, tanto entre os veteranos (Mathieu, com 36 anos, actuou 90 minutos em missão de contínuo desgaste, cabendo-lhe a ala esquerda da defesa a três) como entre os mais jovens. Ao ponto de Amorim não ter sequer esgotado as substituições: limitou-se a trocar Matheus Nunes (já amarelado) por Idrissa Doumbia, aos 66', e o apagado Vietto por Plata, aos 73'.
Da qualidade do jogo. Foi até agora, de longe, a partida mais intensa e bem disputada desde o recomeço deste insólito campeonato, cuja "25.ª jornada" se vai desenrolando em dias consecutivos, ao ritmo de duas partidas diárias. Num estádio sem público, com quase todos os elementos da equipa técnica com máscaras (incluindo Amorim) e os adeptos deixados do lado de fora, acompanhando certamente o jogo através dos dispositivos tecnológicos. A qualidade do futebol praticado não se ressentiu desta estranha circunstância ainda em tempo de pandemia.
Da "estrelinha" do treinador. Rúben Amorim, técnico com fama de sortudo, soma agora onze jogos sem perder no campeonato. Só é pena que nove desses onze tenham sido ao serviço do Braga.
Do resultado. Empatámos 2-2 em Guimarães. Bem sei que no mesmo estádio em que havíamos perdido 0-3 na temporada 2014/2015, com uma equipa onde se integravam seis futuros campeões da Europa (Rui Patrício, Cédric, William, Adrien, João Mário e Nani). Mesmo com essa memória ainda fresca, foi frustrante vermos o Sporting colocar-se por duas vezes em vantagem e não saber aproveitá-la ou mesmo ampliá-la no momento próprio. Bastaria que Douglas não tivesse defendido com tanta competência o remate à queima de Jovane. Ou que Mathieu tivesse dado a melhor sequência aos dois livres directos que apontou.
De Vietto. O elemento mais apagado do nosso onze. Pareceu quase sempre alheado do jogo, com índices de concentração muito reduzidos. Precipitou-se aos 27', rematando por cima, quando tinha todas as condições para dar a melhor sequência a esse lance ofensivo. Desperdiçou duas ocasiões de golo oferecidas por Jovane, aos 39' e aos 45'. Acabou por dar lugar a Plata - uma substituição que pareceu só ter pecado por tardia.
Da falta de intensidade inicial. Demorámos meia hora a sacudir a pressão vitoriana, que impedia a progressão da nossa equipa logo a partir da primeira fase de construção. Amorim quer que os jogadores saiam de trás sempre com a bola dominada, sem chutões para a frente. Um bom princípio mas que pode desmoronar-se ao enfrentar um muro de adversários, como ontem sucedeu. Foi numa destas constantes trocas de bola entre a defesa e o guarda-redes, quando já vencíamos por 1-0, que nasceu um deslize fatal: jogando mal com os pés, Max acabou por colocá-la num adversário em zona proibida, logo aproveitando o Vitória para empatar.
Do segundo golo sofrido. Se o primeiro resultou de um erro individual, desculpável num jovem guardião em início de carreira, o segundo ocorre na sequência de uma tremideira colectiva da nossa defesa, numa confusão de protagonistas à molhada, sem que ninguém soubesse ou conseguisse atirar a bola, de qualquer maneira, dali para fora. Acabou por sobrar para Edwards, que não perdoou, fuzilando a nossa baliza. Naquele lance víamos a nossa vantagem por 2-1 atirada borda fora. E mais dois pontos a voar. O facto de o FC Porto ter perdido três na deslocação a Famalicão e o Benfica ter perdido dois em casa frente ao modesto Tondela não pode servir de circunstância atenuante.
De termos desperdiçado a vantagem numérica. Jogámos os últimos 20 minutos com mais um jogador. Mas a exibição não esteve em linha com a aritmética: nesse período abusámos das trocas de bola em vez de visarmos a baliza contrária em ritmo incessante.
Da ausência de público. Futebol sem assistência ao vivo não chega a ser espectáculo. Não se entende nem se aceita como é que as bancadas dos estádios, ao ar livre, continuam sem espectadores nesta fase de "desconfinamento" do País. Quando já cinemas, teatros, salas de concertos, restaurantes e centros comerciais estão de portas abertas.