Quase tudo está bem quando acaba bem
Rio Ave, 0 - Sporting, 1
A alegria de Chermiti depois de se estrear a marcar pela equipa principal do Sporting
Foto: Lusa
Tudo está bem quando acaba bem. Ou quase. É assim que podemos definir o nosso desafio de anteontem em Vila do Conde - no mesmo estádio onde em Agosto o FC Porto foi derrotado (1-3) pela equipa local. O Rio Ave, mesmo tendo subido recentemente ao primeiro escalão do futebol português, é tradicionalmente um onze difícil de enfrentar.
Voltou a acontecer.
Um jogo que muitos adeptos pensaram ser de desfecho fácil por seguir-se à goleada leonina frente ao Braga, na jornada anterior. O problema é que existem dois Sportings nesta Liga 2022/2023: o que joga em casa, onde tem obtido triunfos folgados, e o que actua fora de portas, onde já tropeçou várias vezes. Não apenas contra o FCP: também contra o Boavista, o Arouca e o Marítimo. Demasiados desaires para uma época só.
Desta vez a vitória andou tremida. E só aconteceu ao minuto 84, devido ao pontapé bem-sucedido do jovem Chermiti, que neste seu segundo jogo a titular - colmatando a ausência de Paulinho, castigado - se estreou a marcar. Um disparo (facilitado por um erro defensivo clamoroso de Patrick William e pelo guarda-redes Jhonatan, mal batido) que projectou para as manchetes da imprensa o avançado de 18 anos em quem o nosso treinador confia.
Houve estrelinha neste lance que redimiu um jogo medíocre de parte a parte, em que se chegou ao intervalo sem um só remate enquadrado em qualquer das balizas. Gonçalo Inácio - que falhou numerosos passes - desta vez fez chegar a bola ao alvo sem ser interceptada e Chermiti rematou sem muita força mas com instinto de goleador, metendo-a lá dentro. É disto que vivem os pontas-de-lança: avançado sem golos é como jardim sem flores.
Bastou este (0-1) para nos garantir três pontos.
Quase tudo o resto esteve mal durante os 96 minutos desta partida, disputada num "ervado" impróprio para a prática desportiva. O nosso corredor direito, de luto pela partida de Porro, não existiu. Esgaio e Edwards apareciam lá, mas mostraram-se inoperantes, incapazes de articular um só lance com princípio e fim. Na ala oposta, Nuno Santos andava aos solavancos, muito receoso: era óbvio que temia ser amarelado e falhar assim o clássico de domingo, em Alvalade, frente ao FCP. Rúben Amorim podia tê-lo substituído mais cedo.
O nosso meio-campo surgiu quase sempre em desvantagem numérica. O treinador do Rio Ave, Luís Freire, povoou-o com quatro elementos liderados pelo ex-benfiquista Samaris que fizeram a cabeça em água ao duo Ugarte-Morita. Passámos assim uma hora atolados num dilema: ou "saíamos em construção" desde trás, com a bola controlada, sem transpor a linha divisória, ou ensaiávamos passes longos que quase sempre resultavam em entrega ao adversário.
Difícil dizer qual dos nossos andou pior neste capítulo, incluindo Adán.
Felizmente o colete de forças foi afrouxando a partir do minuto 60, quando os do Rio Ave começaram a acusar fadiga. Alguns atiravam-se para o chão, simulando lesões, mas o árbitro Manuel Mota - talvez o melhor em campo - não foi na cantiga, deixando o jogo fluir. O tal "critério largo" que devia ser regra mas é excepção no futebol português.
Em noite de estreias, destaque - além do Chermiti goleador - para os primeiros minutos de dois reforços com a camisola do Sporting: o espanhol Bellerín e o marfinense Diomande. Prometem. Resta ver se cumprem.
Jogámos mal? Sim. Pouco importa: a verdade é que conquistámos os três pontos. Tantas vezes tem sucedido ao contrário: boas exibições, até show de bola com nota artística, mas sem o triunfo em campo.
Haverá quem pense o contrário. Eu prefiro assim.
Breve análise dos jogadores:
Adán - Capitão, em vez de Coates - ausente por castigo. Só uma grande defesa, aos 53', mas conseguiu evitar um golo de Boateng que se isolara à sua frente. De resto, pouco trabalho.
St. Juste - O mais veloz e voluntarioso dos nossos centrais. Funcionou várias vezes como lateral e até como ala, para compensar os frequentes eclipses de Esgaio.
Gonçalo Inácio - Abusou dos passes na direcção errada: quase nenhum a mais de 10m lhe saiu bem. Excepto o que serviu de assistência para o golo da vitória. Redimiu-se ali.
Matheus Reis - Assobiadíssimo pela claque do Rio Ave, seu antigo clube, cada vez que tocava na bola. Tentou o golo de meia distância, como contra o Braga, mas não lhe saiu.
Esgaio - Voltou à apagada rotina de outros tempos. Lateral subido, muito colado à linha, mas incapaz de progredir em posse, de arriscar um desequilíbrio ou de centrar com critério.
Ugarte - Poço de energia, trabalhador incansável. Muito útil a anular o jogo alheio, desta vez em posição mais recuada. Menos eficaz na ligação ao ataque. Amarelado aos 77'.
Morita - Desta vez não chegou para as encomendas: os adversários tinham a missão de anular as suas incursões ofensivas. Foi o mais marcado dos nossos, a par de Pedro Gonçalves.
Nuno Santos - Demasiado contido. Percebeu-se que receava ver o quinto cartão que o afastaria do clássico. Esgotou a sua prestação útil num par de bons centros (23' e 24').
Edwards - Não combinou com Esgaio na ala direita. Foi-se alheando do jogo, revelando-se apático. Ou recebe a bola no pé, pronta para o drible, ou fica impávido, sem reacção.
Pedro Gonçalves - Condicionado pelas marcações, foi um dos que mais se ressentiram com o péssimo estado do terreno. Inventou um lance de golo aos 65': a bola rasou a barra.
Chermiti - Movimentou-se bem na área, procurando abrir linhas de passe. Amarelado cedo (18'), não se atemorizou. Noite memorável, em que se estreou a marcar na equipa principal.
Arthur - Substituiu Edwards (55'). Actuando como extremo esquerdo, procurou levar acutilância ao nosso ataque, mas também teve muita dificuldade em soltar amarras.
Trincão - Entrou aos 55', substituindo Nuno Santos. De novo incapaz de ser mais-valia. Complica os lances e demora a soltar a bola, parecendo não saber o que fazer com ela.
Jovane - Entrou aos 75', rendendo Esgaio. Fez mais passes errados do que certos. Única nota positiva: o amarelo que recebeu (90'+4) por falta táctica, impedindo ataque perigoso.
Bellerín - Substituiu Pedro Gonçalves aos 88'. Tempo insuficiente para se perceber o que realmente vale. Mas pareceu movimentar-se com desenvoltura no corredor direito.
Diomande - Saltou do banco aos 88' para render Matheus Reis. É central mas mostrou-se sobretudo junto da ala esquerda, com boa estampa física. Oxalá singre no Sporting.