Populismo também contamina tribunais
Texto de JPT
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Como cidadão e como profissional da Justiça tenho o dever de respeitar as decisões soberanas dos tribunais (em particular dos colectivos, pois um juiz singular, num processo irrecorrível, na realidade, decide como quer). Mas também tenho o direito de as criticar. Não foi como "bruxo" nem como "brunista", mas como cidadão e como profissional da Justiça que qualifiquei a acusação da Dr.ª Cândida Vilar como um aborto jurídico, e que reduzi a zero as hipóteses do ex-presidente do SCP vir a ser condenado face à prova divulgada na comunicação social. Aliás, o mero recurso ao Google produzirá outras peças lamentáveis da mesma ilustre magistrada - até mais graves do que as que produziu neste processo - perante a evidente apatia do juiz de instrução e a adesão reverente (ou temerosa das reacções da opinião pública) da Relação de Lisboa, que acolheu a insólita qualificação dos crimes de Alcochete no regime excepcional da Lei de Combate ao Terrorismo (com a consequência que 33 pessoas estiveram presas um ano e só nove delas acabaram por ser condenada a prisão efectiva - e isso em resultado dos antecedentes, e não dos actos praticados em Alcochete).
A nossa fé pessoal não pode sobrepor-se à nossa fé no processo, e mesmo figuras que nos são odiosas não podem ser condenadas ou absolvidas quando a única prova é o alarido da opinião pública (neste caso, grosseiramente instrumentalizada) ou a intuição sem indícios que a sustentem.
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Apesar da inevitabilidade do erro, confio no conjunto do sistema judicial. Tenho mesmo de confiar, pois essa confiança é um pilar essencial da nossa sociedade. Por isso mesmo, sempre estive convicto da absolvição do ex-presidente do SCP - ou seja, não foi por fé nele, mas por fé no sistema. Um sistema que aplica as regras do direito, que, com todas as suas imperfeições e erros, é o melhor modo de se fazer justiça (terrena). Nos magistrados, individualmente considerados, confio menos, porque são seres humanos. Precisamente por isso, o meu maior temor são os processos não recorríveis, ou com insuficientes garantias de reapreciação das decisões.
Dito isto, não posso ficar contente com a prova de que o "sistema funciona", quando essa prova pressupõe a prévia existência de um evidente atropelo aos direitos de vários arguidos - incluindo dos condenados. Tarde é melhor do que nunca, mas se os órgãos de controlo tivessem funcionado - se o juiz de instrução não tivesse sido uma mera extensão da actuação (péssima) da Dr.ª Cândida Vilar, e se a Relação de Lisboa não se tivesse deixado contaminar pela populista tese do "terrorismo" (a quente, eu fiz essa qualificação - que é literal - no próprio dia do ataque, mas, depois, acalmei-me) - muitos danos teriam sido evitados.
Texto do nosso leitor JPT, publicado originalmente aqui e aqui.