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És a nossa Fé!

Pelé em Alvalade

Este comentário de Francisco Melo, sobre os 60 anos de Maradona, onde questiona se Pelé alguma vez vestiu “o manto sagrado”, despertou em mim curiosidade em verificar se isso alguma vez aconteceu.

Não encontrei nenhuma foto, mas encontrei a crónica do jogo que Pelé fez em Alvalade a 19 de Junho de 1959.

Aqui fica:

- | -

SPORTING, 2 – SANTOS, 2

OS «LEÕES» SÓ NÃO GANHARAM PORQUE FORAM INFELIZES

 

Quem ontem à noite se deslocou ao Estádio de Alvalade, por certo, não deu por mal empregado o seu tempo.

Se a partida não chegou a atingir, por parte dos brasileiros, o nível que se previa, deve-se o facto à boa réplica da turma «leonina» que em noite de inspiração, deve ter feito o séu melhor encontro da época.

Tecnicamente, não poderá negar-se categoria ao grupo brasileiro. O domínio de bola de todos os seus jogadores, a troca do esférico, a «presença» a meio campo, foram atributos que os sul-americanos denunciaram em larga escala. Simplesmente, nas disputas de bola e no perfurar a defesa contrária os brasileiros já se não apresentaram tão à vontade.

O motivo daqueles senões saltaram à vista por virtude da equipa «leonina», sem temor pelo adversário, jogou com o saber e jeito suficientes para neutralizar a acção dos «santistas». E, se uma das turmas houve que se mostrasse surpreendida, por certo foi a dos visitantes que não a lisboeta.

Durante o primeiro tempo, o Santos foi muito igual. Moroso, jogando muito para os lados, preferindo tentar romper pelo meio. Ao vagar com que os brasileiros puseram no jogo, respondeu o Sporting com uma vivacidade que não deveria, encontrar-se nas previsões, dos sul-americanos.

A defesa dos «leões» bem fechada, neutralizava, um a um os ataques, ao «relanti» do grupo de Pelé. Este e Coutinho, secundados por Álvaro, bera tentaram romper, no seu passe miúdo desfeitear o sector defensivo dos lisboetas, a que Julius emprestou uma colaboração que bem se casou cora a autoridade do «trio», Lino-Morato-Hilário.

Uma vez fechadas; as ofensivas dos brasileiros, o Sporting partia para o ataque. Apoiada, e bem, por Osvaldinho,. a linha atacante leonina, dava-se em se movimentar de tal modo que a defesa «santista» via-se e desejava-se para suster o seu ímpeto e desenvoltura.

Assim, apareceu o primeiro golo da partida, aos 13 minutos, num lance em que Hugo, com um toque subtil, colocou a bola ao alcance de Morais para este rematar vitoriosamente. O tento leonino, não chegando para quebrar o ritmo moroso do Santos, contribuiu, ainda, para que o Sporting, se mantivesse em plano de mais relevo, com o sector atacante, bem movimentado por Faustino, Fernando e Diego, a criar lances de perigo para as redes de Carlos, o guardião brasileiro. E, quando o intervalo chegou, a impressão causada pelo Santos não era de molde a justificar a fama de que vinha rodeado.

No segundo tempo, e enquanto as equipas apresentaram as mesmas formações iniciais, ainda o Sporting foi a de mais destacada iniciativa. O Santos, continuava, enervantemente moroso e os «leões» activos e mexidos a procurarem aumentar a marca.

E, o Sporting, fez o segundo golo. Morais correu pelo seu lado, passou Ramiro e de cima da «linha de baliza» centrou atrasado, por alto. Faustino, que seguiu o lance, em movimento, entrou bem de cabeça... e Carlos foi buscar o esférico ao fim da rede.

O Santos deve ter sentido o golo que alterava o marcador para 2-0, a favor dos lisboetas. Jair, entrou a substituir Fiote e a equipa brasileira , pareceu mais arrumada. O ataque tornou-se mais preciso, e embora um cansaço compreensível, dada a série de jogos que a equipa vem de disputar cm tão curto espaço de tempo, deu-se em lutar melhor, procurando rematar mais amiudamente.

Cerca do quarto de hora, Durval, correu pela direita, ultrapassou Hilário, centrando forte, a meia altura. Osvaldinho, virado para as suas balizas, tentou interceptar, mas a infelicidade levou-o a dar à bola o caminho do golo. Assim, chegou o Santos ao 2-1.

Já mais assente, a turma do Santos fez das fraquezas forças, e tornou-se mais profícua, com Jair a encher o rectângulo. E, a bola, perto da «grande área» do Sporting, passou a ser entregue a Pelé, para que este rematasse. Um, dois remates do campeão do Mundo e ao terceiro estava feito o empate. O poderoso atacante, recebendo o esférico de Jair, correu com ele, e rematou ao lado esquerdo de Octávio de Sá. Este, pareceu, por momentos, ter neutralizado com as mãos, o remate de Pelé, mas o esférico, prosseguindo, foi tocar as malhas. Estava feito o empate.

 

O TRABALHO DOS JOGADORES

JAIR SOBRESSAIU na equipa visitante

No conjunto, os brasileiros, embora revelando sempre perfeito domínio de bola, abusaram contudo das entradas menos leais, o que provocou alguns justificados protestos e constantes interrupções do jogo.

Uma e outra coisa, desagradaram completamente ao público que quase encheu o Estádio para ver em acção os paulistas e, especialmente, d «estrela» da companhia, o campeão mundial Pelé.

Este jogador não jogou, certamente, o seu melhor revelando, no entanto, excelente domínio de bola e desmarcares oportunas. Não fez muito o «internacional» brasileiro, mas o que efectuou fê-lo com consciência, e a poucos minutos do fim, com um potente remate, obteve. o golo do empate.

Após a entrada em campo do «veterano» JAIR, que empunhou a «batuta», o conjunto do Santos melhorou consideravelmente e viu-se então a acção do mestre. As suas paragens e entregas perfeitas entusiasmaram a assistência.

O jovem COUTINHO não actuou até final do encontro, mas o tempo' que esteve no terreno chegou para patentear as suas reais qualidades.

Foram, ainda, DURVAL, muito rápido com a bola, ÁLVARO bom dominador e PEPE, com esplêndido sentido de oportunidade os jogadores que completaram o ataque do Santos.

A defesa pecou, e muito especialmente PAGÃO, por jogo rijo, o que tirou brilho á sua actuação.

Na baliza, CARLOS esteve seguro e arrojado, mesmo quando saiu aos pés de Faustino.

 

FAUSTINO O MAIS DESTACADO NA TURMA DO SPORTING

OCTÁVIO DE SÁ - Irregular. Duas ou três saídas em falso. No segundo golo pareceu-nos mal batido, pois deixou-nos a impressão de que chegou a ter a bola nas mãos.

LINO - Não deu tréguas a Pepe, travando bom despique com o extremo brasileiro. E foi em maior numero os lances que ganhou do que os que perdeu.

MORATO - Colocação, rapidez e bom despacho. Um defesa-central de bom estilo e óptima presença.

HILÁRIO - Mais ousado do que os companheiros e acusando a categoria de Durval. Mas, no conjunto, foi uma permanente utilidade.

JULIUS - Um médio de alto a baixo. Boas dobragens e uma vigilância a Pelé a chamar a atenção.

OSVALDINHO - Tirando todo o partido da lentidão do ataque brasileiro, o n.º 6 dos «leões» atingiu plano de realce, quer na ajuda á defesa, quer no apoio ao ataque.

HUGO - Vivo, mas demorando um tudo nada a posse do esférico. Alguns centros de boa marca e um passe magnífico a Morais para este fazer o golo.

FAUSTINO - Bom domínio de bola, desmarcações a propósito e toques precisos, com o esférico em movimento. Um óptimo golo de cabeça. Elemento para vir a dar que falar.

FERNANDO - Movimentou-se bem, trocou a bola com a-propósito, mas parece abusar um pouco na retenção do esférico. Talvez remate pouco, mas joga muito.

DIEGO - Pontou q jogo do ataque e saiu-se bem. Ajuda aos médios utilíssima, cumprindo, cabalmente a missão.

MORAIS - Expedito e com boa velocidade. Ramiro, o defesa-direito adversário,. viu-se em dificuldade para o segurar. E, raramente o conseguiu. Fez o primeiro golo, derivando para o meio do terreno no momento próprio.

POMPEU - Jogou 10 minutos e no pouco em que interveio esteve certo.

 

 

ENTRE OS BRASILEIROS

O SPORTING «BATE DURO» E JOGA O FUTEBOL - diz PELÉ que está saturado

 

Extenuados e ainda vivendo as peripécias dp jogo, os brasileiros não deixaram de revelar a sua gentileza para com a Imprensa e Rádio, que invadiu os seus vestiários.

A um canto, quase despercebido, deparámos com COUTINHO, o mocinho de 16 anos, já «estrela» do futebol carioca, revelou:

- Foi um jogo disputado com ardor e velocidade, que me agradou, pois o Sporting provou ter grande «team» e uma «torcida que o ajudou muito.

- O empate está certo?

- Um resultado que saiu assim, justo não é? Mas nós não jogámos lá muito bem. Porquê não sei. Mas são jogos uns atrás dos outros, não acha?

- Por que foi substituído?

-Saí porque tinha «reserva» para entrar. Pois tenho 16 anos e continuo a ser ainda «guri»...

-Conhece alguns dos seus compatriotas que alinharam pelo Sporting?

- Sim, o Faustino e o Fernando desde o Brasil. Foram até meus adversários lá... São bons jogadores e o Faustino deu espectáculo.

Passámos depois a PELÉ, o discutido .«crack»’ campeão do mundo, que 1 nos surpreendeu com a maneira fácil de se expressar. Começou por dizer acerca da partida:

- Foi um bom jogo, mie seria melhor se tivesse um árbitro á altura. Prejudicou as duas equipas e o jogo, por não deixar seguir bola.

E confessou a seguir:

- O resultado está justo. Futebol é assim mesmo. O Sporting «bate duro», corre muito e joga bastante futebol. Gostei muito de Diego, Osvaldinho e Faustino, este um bom jogador, que já conhecia «di lá...».

- A sua .exibição, Pelé?

- Não agradou. Estou saturado, três jogos por semana é muito...

- Diz-se que vai ingressar no Madrid, é verdade?

- Isso é uma conversa que saiu. Comigo não conversaram nada. É melhor ficar por aqui...

E, acrescentou:

- A minha profissão é «crack» e tenho família para criar - meu pai e minha mãe. Quero jogar na equipa que pagar melhor. Depois lutarei pela sua camisa...

Na cabina encontrava-se o treinador OTTO GLÓRIA, a quem pedimos para falar do jogo, o que logo acedeu, para dizer:

- O resultado está certo, atendendo àquilo que os grupos jogaram. O Sporting esteve melhor no primeiro tempo, mas o Santos revelou-se na parte final, sem dar uma ideia exacta daquilo que pode fazer.

E, prosseguindo:

- Os jogadores brasileiros sentem-se muito cansados e além disso o Sporting não deixou jogar, lutando com ardor e jogou mesmo bem.

 

NA CABINA DO SPORTING

A ENTRADA DE JAIR MODIFICOU O JOGO

- opinião do dr. Oliveira Martins

 

Assistimos .ao jogo ao lado de VADINHO, a quem , no final pedimos opinião. O brasileiro do Sporting expressou-se assim:

- Futebol é uma coisa de mistério. O Sporting merecia um resultado bem melhor, porque jogou bem.

E, referindo-se ao Santos:

- É uma equipa muito boa, mas não está jogando bem. Acredito que joguem mais do que mostraram hoje em Alvalade. Obteve um resultado honroso.

Já na cabina, ouvimos o dr. OLIVEIRA MARTINS, dirigente «leonino», que nos disse:

- Foi um espectáculo agradável, que só não ganhámos por infelicidade. A entrada de Jair, verdadeiro mestre da bola, veio modificar o jogo e dar «vida» ao famoso Pelé, que acusou a soma de jogos feitos nesta digressão do Santos à Europa.

Depois, ouvimos o treinador IMBELLONI, que foi rápido na análise ao jogo:

- Não posso fazer uma apreciação justa do Santos, depois da equipa fazer tantos joges... Não me deslumbrou, embora o jogo me tenha agradado e ache bem o resultado fina!

- Pelé e Coutinho?

- Não os vi. Jair é que é, sem favor, a «vedeta» do grupo.

Por fim, perguntámos a OCTÁVIO DE SÁ sobre os golos sofridos. O guardião «leonino» retorquiu:

- O primeiro resultou »de um golpe infeliz de Osvaldinho e, o outro, foi o Pelé quem o rematou, não me sendo possível evitá-lo por estar «tapado»...

- Quanto aos brasileiros?

- Mostraram muito cansaço. Jair e Pepe, melhores do que Pelé e Coutinho, que só se revelaram em certos pormenores do jogo. Quando tiverem a experiência de Jair, devem vir a ser um caso sério...

 

In.: Record, n.º 832, de 20 de Junho de 1959, p. 3

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