Os crimes de Alcochete
«Isto não é amor ao clube. É crime. É crime.»
Sílvia Pires, presidente do colectivo que julgou os arguidos de Alcochete
Confiar na justiça.
Esta é a atitude certa, em qualquer circunstância. Julgo que neste blogue, onde há pessoas que pensam de modo muito diferente em quase tudo quanto se relaciona com o Sporting, nunca houve ninguém que exprimisse opinião diferente desta: confiar na justiça.
Esta sexta-feira, dia 29, é, portanto, um dia tão bom como qualquer outro para reafirmar este princípio. O dia que se segue ao da sentença proferida, em primeira instância, pelo colectivo de juízas que determinou 41 penas condenatórias e três absolvições no chamado processo de Alcochete - investigado e concluído dentro dos prazos legais e com uma celeridade muito superior ao que estamos habituados.
Há dois aspectos neste acórdão - que ainda não li e, portanto, só consigo comentar a partir de notícias escritas com base na súmula lida na sessão de ontem pela juíza-presidente, Sílvia Rosa Pires - que convém salientar.
O primeiro é o facto de cerca de quatro dezenas de adeptos do Sporting - vários deles igualmente sócios, ao que presumo - terem ousado invadir e destruir as instalações da Academia leonina, até há poucos anos considerada um centro de excelência máxima em matéria de formação no futebol. Estes indivíduos protagonizaram um "ataque bárbaro" (palavras da magistrada) a um local que devia ser uma espécie de santuário para toda a massa adepta. Ali cometeram-se crimes graves - e não foram provocados pelos habituais "inimigos do Sporting", mas por sportinguistas. Com imagens que voltaram a colocar a Academia literalmente nas bocas do mundo, desta vez não por motivos de excelência mas de indecência.
A partir deste acórdão, portanto, deixaremos de falar em "alegados crimes" relacionados com Alcochete: a palavra "alegados" cai com esta sentença condenatória. Houve mesmo ilícitos penais, agora punidos com penas diversas - incluindo nove casos de prisão efectiva.
Entre os que cumprirão pena de prisão inclui-se o líder histórico da Juventude Leonina que permaneceu cerca de duas décadas à cabeça desta claque. Que, de algum modo, fica assim simbolicamente decapitada. Não por capricho de comentadores ou arbítrio de jornalistas, mas por solene decisão judicial.
Além dos 41 arguidos que acabaram condenados em graus diversos, o acórdão determina ainda três absolvições, considerando que nas audiências de julgamento foi impossível fazer prova da suposta "autoria moral" dos crimes de Alcochete, invalidando a controversa tese inicial do Ministério Público. Neste reduzido número de arguidos agora absolvidos incluem-se o ex-presidente Bruno de Carvalho e o actual dirigente máximo da JL, Mustafá. Também aqui, como no resto, imperou o princípio que nunca deixámos de defender: acreditar na justiça. Por ser uma das traves mestras do sistema democrático que nos rege.
Numa longa entrevista ontem concedida ao Jornal das 8 da TVI, perante um interlocutor impreparado, timorato e gaguejante, o antigo presidente leonino admitiu a possibilidade de instaurar um processo por indemnização ao Estado português que pode chegar às instâncias jurídicas internacionais. É inteiramente livre de proceder assim, no exercício de um direito de cidadania, se considerar que não lhe foi feita justiça, o que não parece muito consentâneo com a absolvição que acaba de lhe ser decretada.
Entretanto, não deixa de ser irónico ver agora vários dos seus apoiantes mais indefectíveis - com a linguagem incendiária que todos lhes conhecemos, integrada no caldo de cultura que degenerou nos crimes de Alcochete - celebrarem nas redes sociais a "vitória da justiça" depois de andarem anos a alimentar teses conspiranóicas contra o poder judicial, que seria parte integrante de uma vasta operação universal destinada a derrubar aquele que continuam a venerar com cega idolatria.
Afinal não havia conspiração alguma: houve crimes, houve punições, houve absolvições, haverá recursos para outros patamares judiciais se assim for decidido por advogados e Ministério Público.
Prevaleceu a justiça. Confirmando assim que devemos acreditar nela. Não apenas quando nos é conveniente, mas em todas as circunstâncias. Antes, durante e depois.
Quem não acredita na justiça, não acredita na democracia. Já passou para o lado de lá ou nunca de lá saiu.
Nesse lado eu jamais estarei.