Obrigado e até sempre, Fernando Santos
1
Um dos maiores defeitos da espécie humana é a ingratidão. Por mim, estou e estarei agradecido a três seleccionadores nacionais de futebol: Luiz Felipe Scolari, que nos levou à primeira final de um Campeonato da Europa e ao quarto lugar do Mundial 2006; Paulo Bento, que comandou a equipa das quinas até às meias-finais do Euro-2012 (perdida nos penáltis frente à Espanha de Casillas, Sergio Ramos, Busquets, Xavi Alonso, Iniesta e David Silva que viria a sagrar-se campeã); e Fernando Santos, que nos conduziu enfim a duas vitórias em provas de selecções - o Euro-2016 e a Liga das Nações 2019.
Serei sempre grato a estes seleccionadores, que lideraram a equipa nacional em grande parte destes últimos 20 anos - o período em que Portugal transformou a excepção em regra. Durante décadas, só nos qualificávamos para fases finais de campeonatos do Mundo e da Europa em períodos excepcionais ou acidentais; desde 2000 (ainda com Humberto Coelho), temos ido lá sempre.
Todos foram contestadíssimos desde o primeiro minuto. A inveja, a maledicência, o mero passatempo do dizer-mal praticam-se com desenvoltura neste país de dez milhões de seleccionadores de bancada, sempre à espera do senhor que se segue para dizerem dele o que disseram do anterior. Foi assim com Scolari, foi assim com Bento, é assim com Santos. Será assim com o sucessor do actual.
Como gosto de remar contra a maré, apoiei todos sem reservas. Sem ilusões, no entanto: nesta era das redes sociais, os ciclos de poder no futebol, tal como acontece na política, são cada vez mais curtos. Porque a gritaria é constante e tudo se exige para ontem. Haver ou não títulos, é indiferente. Haver ou não valorização constante dos jogadores portugueses no mercado internacional (veja-se, a título de exemplo, a quotação de João Mário no pós-Europeu de 2016), é irrelevante.
2
Feito este prelúdio, reafirmando o que sempre pensei, é inegável que o ciclo de Fernando Santos ao comando da nossa principal selecção de futebol terminou ontem, em atmosfera tristemente simbólica, ao minuto 90 do Portugal-Sérvia, num estádio cheio de fervorosos apoiantes da equipa nacional. Coroando uma semana de pesadelo após um empate a zero com sabor a derrota na Irlanda em que jogámos "para o pontinho", como critiquei aqui.
«A maneira mais estúpida de perder, muitas vezes, é mesmo essa: quando se joga só para o pontinho», alertei. Antevendo o desastre que viria a ocorrer no relvado da Luz. Com a equipa das quinas alinhada num 3-5-2 nunca testado, incapaz de controlar a bola, incapaz de sustentar uma jogada digna desse nome, incapaz de resistir à pressão sérvia. A ganhar desde o minuto 2, graças a Renato Sanches, os nossos jogadores comportaram-se a partir daí como se receassem ser goleados. Recuaram linhas, assumiram-se perante os sérvios (em 29.º lugar na tabela classificativa da FIFA) como equipa de terceira.
Defender a todo custo o empate (1-1 ao intervalo) foi a palavra de ordem. Nunca tinha visto tantos excelentes jogadores actuarem tão mal: Rui Patrício, Cancelo, Nuno Mendes, Jota, o próprio Cristiano Ronaldo. Moutinho funcionando a gasóleo, como há longos anos acontece. Palhinha, espantosamente, fora do onze titular. Danilo como central improvisado, entre Fonte e Rúben Dias, abrindo uma clareira a meio-campo onde os adversários circularam como quiseram. O desespero apossando-se da equipa, que terminou o jogo com três trincos de origem: Danilo, Palhinha e Rúben Neves.
A derrota de ontem começou a construir-se em Dublin. Quando o seleccionador, improvisando sempre, decidiu mudar seis jogadores da equipa-base, que actuou sem qualquer esquerdino. Dalot, Danilo, Matheus Nunes, Nelson Semedo, Gonçalo Guedes (fora da convocatória inicial) e André Silva alinharam de início. Ontem, nova alteração radical com sete outros titulares: Cancelo, Fonte, Rúben Dias, Nuno Mendes, Renato, Moutinho e Jota.
3
Consumada a derrota, Bernardo Silva disse logo tudo numa curta frase: «Péssimo jogo de Portugal.» Não adianta iludir as evidências: são palavras dirigidas, antes de mais ninguém, ao seleccionador.
É, portanto, um ciclo que chega ao fim.
Tal como defendi a saída de Paulo Bento - que sempre havia merecido o meu aplauso - após a nossa humilhante derrota em casa frente à Albânia, no início da campanha para o apuramento do Euro-2016, que tanta alegria nos haveria de dar, concluo agora que o mandato de Fernando Santos se esgotou na prática. É um seleccionador cansado, resignado e cuja ambição se confina ao tal "pontinho" que nos fez resvalar para uma confrangedora mediocridade e um humilhante fracasso em quatro dias.
4
No final de Março haverá um mini-torneio de apuramento que ainda poderá repescar a equipa das quinas para o Mundial do Catar, a disputar em Novembro e Dezembro: serão qualificadas três selecções em doze. Ignoro ainda quem teremos como adversários. Mas estou convicto de que o seleccionador deve ser diferente.
Se eu mandasse - e ele quisesse - promoveria Rui Jorge dos escalões mais jovens à selecção A. Esse é o debate que deve abrir-se a partir de agora.
Reitero a minha consideração, o meu apreço e a minha gratidão por Fernando Santos. E digo-lhe, com toda a sinceridade: chegou o tempo de sair de cena e dar lugar a outro. A vida é assim, o futebol também.