O que se julga em Monsanto
Texto de Sol Carvalho
Tenho lido inúmero comentários sobre o julgamento. Dum lado, o aumento e o detalhe das provas de um ato de violência gratuita e a clarificação, no mínimo, da existência de um clima que o permitiu. Do outro, já que a defesa do ato em si é muita fraca, a linha da defesa de que BC não foi o organizador do mesmo.
Ora, precisamente essa dicotomia me parece estranha e desfasada do essencial. Há um julgamento em curso. Do ponto de vista judicial, pode haver interesse em saber se o presidente foi mandante ou não, mas eu acho que esse rumo é precisamente o que serve os interesses de quem quer fugir às responsabilidades. Nenhum presidente (ia a dizer “no seu perfeito juízo” mas de repente apercebi-me da ironia da coisa) daria uma ordem direta para um ataque. Dou de barato esperteza suficiente a BC para não o fazer. Ou seja, a culpa material será, no mínimo, muitíssimo difícil de obter. E isso abre espaço para o contra-ataque de BC e seus acólitos e empregados a que temos assistido.
A segunda questão do julgamento acho que tem a ver com as responsabilidades específicas e com o tamanho de cinturadas e socos que cada um cometeu o que é valido para considerar atenuantes e tempo de pena.
Mas o que julgo essencial e, para mim, esse é o verdadeiro julgamento, é o segundo apuramento das responsabilidades morais e políticas dos intervenientes. Ou se quiserem, a confirmação da responsabilidade moral que já teve decisão e pena na Assembleia Geral do Sporting.
Não vejo os jogadores todos por igual (Bata e Acuña eram alvos e ficaram, Rafael Leão até foi saudado e “pirou-se”) não considero “santos” os seus conselheiros e agentes. Não vejo as claques também todas por igual, embora no caso, a claque em causa (ou pelo menos parte dela) assumiu publicamente a cumplicidade do ato e se a instituição não estava de acordo, só teria de expulsar os prevaricadores (ou na Juve Leo não havia estatutos?).
Resta o topo da pirâmide e referimo-me a BC e à sua direção. O que já ouvi e li neste julgamento me dá o direito e a liberdade de fazer desde já de confirmar um julgamento moral e político. E se Varandas tem de assumir responsabilidades “pelo que fez à equipe de futebol” (e acho que tem mesmo de o fazer) também BC tem de assumir responsabilidades “pelo que fez à equipe de futebol” (afinal não têm de comer todos por igual?).
Ora, a deslocação para a tecnicidade de ter sido o mandante ou não, pode ser muito importante para a justiça mas para mim enquanto Sportinguista é secundária. E estamos a repetir um truque antigo: PC falou e fez corrupção mas como as escutas eram ilegais, ele deixou de ser corrupto... Deixou? A sério?
Eu acho que o julgamento moral e o que nos interessa essencialmente já foi efectivado. E a pena já executada. Este julgamento não é, pois, para julgar a culpabilidade moral mas eventualmente a culpabilidade material do evento. Mas para o Sportinguista, a culpabilidade moral deveria ser, e foi, mais do que suficiente. Agora não passa de uma confirmação que se torna evidente em cada depoimento novo que aparece. Deixem então de nos atirar poeira aos olhos!