O Processo Amorim
Excertos de um texto que publiquei antes do jogo com os turcos.
"Até que aconteceu Rúben Amorim e, miraculosamente, pela primeira vez em muito, muito tempo, o Sporting não perde jogos que aparentam ser fáceis e vence outros, que se afiguravam complicados. Pela primeira vez desde que me lembro, o sportinguista consegue ver a equipa sem medo do descalabro habitual.
Antes de Amorim, e mesmo nas nossas melhores fases, o Guimarães de sábado passado haveria de ter marcado um golo do empate, mas não, o Sporting ganhou 1-0. Porque antes de Amorim, era como se cada bom resultado implicasse uma contrariedade de descompressão, como bónus aos deuses. Nada disso, em outubro o Sporting venceu os seis jogos que disputou.
Com Rúben Amorim no banco, o Sporting deixou de ser a equipa inconstante com o craque de serviço a fazer tudo sozinho, adeptos militantes e claques com coreografia que sofria golos estúpidos nos últimos minutos e originou a longa série de piadas natalícias. Agora, o Sporting ganha, sofre pouquíssimos golos e marca bastantes vezes nos últimos minutos. Nunca imaginei viver uma coisa assim.
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O Sporting sempre foi um clube de jogadores e não de treinadores. Vencemos uma Taça das Taças, mas nenhum sportinguista que não seja autor de almanaques sabe quem treinava (era o arquiteto Anselmo Fernandez). Como não sabemos quem orientava a equipa aquando do tetra nos anos 50 (foi mais do que um). Mais depressa lembramos que foi Manuel José o treinador dos 7-1, que Queiroz levou 6-3 em casa ou que Peseiro perdeu o campeonato e a Liga Europa na mesma semana.
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Tão ou mais significativo que o estranho e merecidíssimo título de campeão dezanove (!) anos depois do anterior, o inaudito é a circunstância de o Sporting estar na luta pelo campeonato seguinte e não, como sempre, a deslizar na tabela, ressacado pela vitória das vésperas.
Por algum motivo, Rúben Amorim não tem feito capas de jornal com interesse alheio; supõe-se que nem sequer tem empresário. Com o ar bem dispostão de mosqueteiro de quem esperamos a qualquer momento que meta o chapéu com as plumas na cabeça, só Rúben Amorim conhece o seu plano. A probabilidade de sair do Sporting no fim deste ano é elevadíssima, não só porque já tem o curso que lhe permite treinar em todo o lado, como também porque é esse o percurso natural de quem tem êxito nos campeonatos de países pequenos.
Pela minha parte, espero que não saia do clube. O Sporting precisa mais dele e do seu processo, do que Amorim precisa do Sporting e do seu passado de glórias raras e ressacas prolongadas. A não ser que queira aproveitar o vento e entrar na nossa história como o melhor treinador de sempre do Sporting.
versão integral:
https://tribunaexpresso.pt/opiniao/2021-11-03-O-processo-Amorim-e04cf5e1