O Lodaçal (ou Eça 133 anos depois)
Revisito regularmente o Eça de Queiroz. Por entusiasmo e dever profissional. Por gosto pessoal. E é sempre com surpresa e deleite que descubro um pouco mais e que penso um pouco melhor. Eça possui a insuperável qualidade de ter humor, de se não levar demasiadamente a sério, a consciência de que a ironia (principalmente a autoironia) é o privilégio dos muito inteligentes.
Em Os Maias, Ega, seu inconsequente alter-ego, anuncia a peça O Lodaçal, «uma comédia para se vingar de Lisboa»; segundo Carlos da Maia: «Entramos todos […] Todos nós somos lodaçal…»
Eça, esse (incompleto) dandy, que tão bem pensou Portugal porque nunca nele se atolou e o pôde anatomizar a distância, deliciar-se-ia certamente com a chafurdeira que grassa neste belo «jardim à beira-mar plantado». Matéria a rodos para as Cenas da Vida Portuguesa…
Não sei se é comédia, se é tragédia, coisa séria não é…
Ao que parece, a Liga irá instruir um processo de fraude contra o Sporting e o treinador Rúben Amorim… ao que parece, o TAD continua sem conseguir reunir, nem sequer virtualmente (diria que não há rede, mas deve é haver rede a mais) para decidir do castigo aplicado pelo CD ao Palhinha… ao que parece, esta coisa de o Sporting avançar com seriedade, determinação e trabalho, para o título de campeão, é ação fora da lei…
Os milhões apetecíveis da Champions, pão da fome dos perdulários ricos que deveriam explicar a quem de direito (como os seus associados e apoiantes) o que têm feito nos seus departamentos de contabilidade, e a divisão futebolístico-administrativa do país em dois clubes (um lá em cima e outro cá em baixo) não podem continuar a infetar mor(t)almente o país. Não é de desporto que se trata; é de justiça e de legitimidade.
Chafurdar no lodaçal é (dizem) a forma de os suínos se lavarem. Mas está tudo tão sujo!
O Sporting joga limpo. Suja-se em campo porque a camisola é para honrar! Sujámo-nos na Choupana, no Bessa, em Barcelos, em Alvalade, porque o futebol é um desporto de inverno e não temos medo de lutar contra a lama. Sufocarem-nos no lodaçal, não!
Diz Ega: «Sinto-me como se a alma me tivesse caído a uma latrina! Preciso de um banho por dentro!»
Os suínos do burgo precisam de banho – por dentro e por fora. Melhor dizendo: em água corrente e maré vazante, é despejá-los daqui p’ra fora!