O inimigo dentro de casa
Imagens do estádio José Alvalade, esta noite, no início da segunda parte do Sporting-Benfica. Na curva sul, local cada vez mais mal frequentado, assim que soou o apito para o recomeço da partida começaram a voar petardos, tochas e potes de fumo sobre o relvado, caindo junto à baliza à guarda de Luís Maximiano.
Parecia a reedição do ataque contra Rui Patrício, em Maio de 2018 - por coincidência ou talvez não, também num Benfica-Sporting. Houve incêndios nas bancadas e no relvado, o estádio cobriu-se de densos fumos tóxicos e o árbitro viu-se forçado a suspender a partida durante quase seis minutos. Quando as duas equipas estavam empatadas a zero. No extremo oposto, os adeptos benfiquistas gozavam o prato, como se estivessem de visita à aldeia dos macacos. Naquele momento ficou bem evidente que não precisamos de inimigos externos: o maior inimigo está dentro de casa.
Os jogadores do Sporting, ao verem que os supostos adeptos os brindavam novamente daquela forma incendiária durante o confronto com os nossos mais velhos rivais, não esconderam o seu desalento, bem patente na linguagem corporal durante o interminável interregno, enquanto se combatiam as chamas e se procurava dissipar parte do fumo. Eles sabem, melhor do que qualquer de nós: estes actos criminosos que ameaçam a tranquilidade e a segurança de milhares de cidadãos civilizados que pagam bilhete para verem um espectáculo desportivo derivam do mesmo caldo de cultura que originou o ataque à Academia de Alcochete. Onde o ovo da serpente foi chocado.
De alguma forma, o jogo terminou naquele momento. Muitas pessoas - várias com filhos menores - abandonaram prematuramente o estádio, onde o Sporting acabaria por sair derrotado (0-2). Mas desta vez a derrota em campo, perante o sucedido nas bancadas, é o que menos interessa. O que importa sublinhar é este deplorável facto: há um grupo ultra-minoritário ligado a uma claque entretanto extinta que insiste em transformar cada partida de futebol do nosso clube num cenário de guerra. Para esta escumalha, que aposta literalmente na política de terra queimada, quanto pior melhor.
Não estamos já só perante um problema do Sporting: este é um problema do desporto português e da sociedade portuguesa ao qual o Governo, a Federação de Futebol e a Liga de Clubes não podem continuar a fechar os olhos, assobiando para o ar. A menos que estejam à espera que um dia destes ocorra uma tragédia num estádio para desatarem todos a chorar lágrimas de crocodilo.